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A crise e o novo balanço de poder no FMI

Veículo: O Globo
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O encontro de representantes das 20 maiores economias do planeta, o G-20, esta semana, em Cannes, merece uma atenção especial, por acontecer enquanto evolui uma crise histórica na União Europeia, assunto de interesse de todos.

Mesmo que há poucos dias tenha havido um avanço substancial para evitar uma moratória desorganizada da Grécia, o calote negociado de metade da dívida grega ainda não se mostrou capaz de acalmar os espíritos. Não só ainda há dúvidas sobre como será na prática a implementação deste deságio — com o qual se torna inevitável a capitalização de bancos em cujos cofres há títulos que valerão apenas a metade —, como também cresce a preocupação com a Itália. Dono da terceira economia do continente, o país, em função do seu eterno imbróglio político, em que se destaca um desgastado Silvio Berlusconi, ainda não consegue passar a confiança em que adotará uma política fiscal capaz de evitar o calote. Tanto que ontem os juros de títulos da dívida italiana de cinco anos de prazo quase chegaram a 6%, o nível mais elevado desde a criação do euro.

A UE, com Alemanha e França na liderança, além de acertar o abatimento na dívida da Grécia, trata de reforçar o fundo de estabilização europeu, inicialmente dimensionado em 440 bilhões de euros, mas que se tenta ampliar para um trilhão. Com isso, haveria uma retaguarda mais forte para garantir a solvência do bloco dos endividados e em crise fiscal. Além da Grécia, Itália, Espanha, Irlanda e Portugal.

Os europeus veem nos emergentes do G-20, o grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), um financiador em potencial da operação de resgate da Europa. Faz sentido, porque, China à frente, reúnem-se neste bloco donos de elevadas reservas externas.

O Brasil já disse que aceita ajudar, por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma atitude sensata. Os chineses, por sua vez, com mais de US$3 trilhões de reservas — as do Brasil passaram dos US$300 bilhões —, exigiriam em troca o reconhecimento por parte de europeus e americanos do status de economia de mercado, para facilitar a defesa do país diante de acusações de dumping, na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O Brasil pode ir adiante. Como expôs em artigo no GLOBO de sábado Paulo Nogueira Batista Jr., diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais oito países, ele pode vincular o auxílio financeiro aos europeus à efetiva implementação da reforma nas cotas e na governança no Fundo, para elevar o peso brasileiro e de outros emergentes nas decisões da instituição. A oportunidade não deve ser perdida, porque, aprovada esta reforma em 2010, pela qual o Brasil, que até 2008 controlava 1,38% das cotas, passará a deter, no ano que vem, 2,32%, países europeus e outros tentam adiar as mudanças com o frágil argumento de que o momento é de crise. Ora, por isso mesmo é hora de mudar.

A crise expõe de forma clara como o balanço de poder em instituições multilaterais está defasado. Isto tanto é verdade no Conselho de Segurança da ONU como no FMI. Natural que o Brasil participe do resgate europeu, mas, em troca, não seja frustrado nas legítimas aspirações de ser mais influente em Washington e Nova York.



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