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O Brasil emerge e envelhece

Veículo: O Globo
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O Brasil tem problemas econômicos cada vez mais similares aos das sociedades ricas. Um dos melhores exemplos é estrutural: o envelhecimento da população. Nosso país está envelhecendo rápido e, devido à baixa taxa de fecundidade e aos ganhos na expectativa de vida, logo o percentual de pessoas com 60 anos ou mais na população (hoje em torno de 11%) fará parelha com o dos países europeus ou dos Estados Unidos.

Quando este tema é debatido, porém, a tendência de economistas e formuladores de políticas públicas é abordar quase com exclusividade, e sempre com lentes fiscalistas, a questão previdenciária.

Essa obsessão impede, muitas vezes, as empresas, o Estado e os indivíduos de assumirem, cada um, o seu papel para garantir um envelhecimento melhor e impedir que essa grande conquista da segunda metade do século XX deixe de ser, como definem alguns, uma bomba-relógio no século XXI.

É preciso ampliar o foco do debate e assumir o caráter multidisciplinar deste fenômeno demográfico sob pena de o país comprometer seu desenvolvimento econômico no futuro.

É inevitável refletir em qual economia estamos envelhecendo. Essa economia financeirizada tem capacidade de — ou é de seu caráter — garantir o bem-estar de uma sociedade envelhecida? Ela está oferecendo Educação de qualidade para a formação de profissionais com o perfil demandado pela sociedade do conhecimento e pelo avanço tecnológico dos sistemas de produção contemporâneos? Essa economia dominada pela finança permite ao Estado ou ao setor privado ofertar serviço de Saúde adequado à população idosa e, sobretudo, preventiva? Há oferta de trabalho eficiente e de qualidade, ou seja, formal? O serviço de transporte nas grandes metrópoles permite acessibilidade a uma pessoa de 65 anos e assegura sua ida todos os dias ao trabalho?

Se as respostas forem negativas, o país está muito atrasado para enfrentar esse desafio demográfico e será de pouca valia a equação fiscal prometida com uma reforma da Previdência, pois esta sempre será vulnerável a estas outras variáveis sociais.

Os desafios do envelhecimento populacional são os mesmos para países ricos e pobres. O que os diferencia no êxito é o papel assumido por cada ator (Estado, setor privado e indivíduos) nesta empreitada.

O Brasil avançou ao criar e manter uma rede de Seguridade Social — sempre ameaçada e culpabilizada — que serve de amortecedor para o impacto dos efeitos da financeirização econômica.

É óbvio que o envelhecimento da população impõe alguns ajustes, como evitar a aposentadoria precoce, mas estas alterações jamais poderão ser feitas de forma isolada ou apenas por força de lei sem levar em conta o ambiente econômico. Independentemente do tamanho do papel que se atribua ao Estado, o fato é que em todo o planeta o envelhecimento populacional está demandando mais do Estado e, ao menor sinal de que este ignore o chamado em favor da finança, assistimos a uma turbulência social ocupar Wall Street e outras praças.

O problema dos cuidados de longa duração ilustra bem a questão. A crise financeira de 2007/2008 colocou em xeque os serviços públicos e privados de cuidador na Europa, no Japão e nos Estados Unidos.

Na Grã-Bretanha, no início do ano, o governo constituiu uma comissão para estabelecer critérios para a cobrança pelo serviço de cuidador de idosos. Se a pessoa provar — em testes de pobreza — a incapacidade de renda, o serviço é custeado pelo Estado. Se tiver renda, paga. Pior: se tiver um imóvel, o bem será alienado compulsoriamente pelo governo. É o que está sendo chamado de "death tax" (imposto da morte). Foi a solução encontrada por um país que decidiu cortar 7% dos custos com cuidadores só este ano.

O fato inédito é o envelhecimento da população derrubar, no país-berço do Liberalismo, o dogma da propriedade privada.

No Brasil, a questão do cuidador é ainda um tema da filantropia. No Senado, discute-se o reconhecimento deste profissional. Pequeno passo. Governos estaduais estão em guerra com prefeituras para estabelecer este serviço, seja em centros-dia ou visitas individuais a residências.

Em 2008, o governo federal criou um Programa de Formação de Cuidadores de Idosos nas 36 escolas técnicas do SUS. A meta era formar 65 mil profissionais em três anos. Até agora, menos de 1.500 receberam certificados.

A um mês da III Conferência Nacional do Idoso, que será aberta pela presidente Dilma Rousseff, em Brasília, vivemos um momento importante para o debate do tema.

A previdência social, tão cara àqueles defensores do equilíbrio fiscal, é apenas um aspecto. É preciso refletir sobre a totalidade da Seguridade Social no futuro Brasil envelhecido. Sim, é necessário equacionar seu custeio. Mas será inevitável também sua ampliação.

O primeiro desafio seria mitigado com a formalização — 50% de nossa economia sobrevivem na informalidade. Essa será uma imposição para o país até a metade do século. Porque, do lado das despesas, será impossível o Brasil evitar que os cuidados de longa duração para os idosos sejam reconhecidos como o quarto pilar da sua rede de Seguridade (ao lado de Saúde, Previdência e Assistência Social). E, observando o mundo que já emergiu e envelheceu, outras transformações baterão à porta do Brasil grisalho.



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