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Os sinais de retrocesso na economia

Veículo: Revista Época
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Há um sentimento quase unânime de que nossa economia está melhor do que há 20 anos. A inflação foi debelada, a renda média subiu, dezenas de milhões de brasileiros saíram da pobreza, a classe média se tornou maioria, e a situação de nossas contas internacionais se transformou de vulnerabilidade em uma de nossas maiores forças. A principal razão é conhecida: deixamos de exportar a responsabilidade pelas nossas mazelas para assumi-la. Na área monetária, o Plano Real estabeleceu os pilares que afugentaram o monstro inflacionário. Na área externa, a abertura comercial forçou as empresas a alçar outro patamar de produtividade. Na área fiscal, o compromisso com metas e os limites legais ao endividamento público obrigaram o governo a gastar com mais parcimônia, ainda que em grau aquém do desejável. E a economia começou a entrar no eixo. É até surpreendente que governantes de cores ideológicas distintas tenham mantido intacta a espinha dorsal das políticas que garantiram essas conquistas.

Emanaram de Brasília, porém, sinais preocupantes nas últimas semanas. O primeiro foi – e por que não chamar as coisas pelo seu nome? – o abandono da política de metas inflacionárias pelo Banco Central (BC). Ao reduzir a taxa de juro sem indicadores consolidados de desaquecimento na economia, o BC não fez apenas uma aposta de risco. Ele gerou uma incerteza a respeito de seu comportamento futuro
– e “incerteza” não é uma palavra que combina com “estabilidade”. O segundo sinal preocupante foram – e, novamente, por que não chamar as coisas pelo seu nome? – as medidas protecionistas adotadas para inibir a importação de automóveis. Elas não foram as únicas medidas tomadas em nome da pretensa defesa da indústria nacional. Também foram impostas restrições à compra de terras por estrangeiros, e o BNDES foi posto a serviço da fusão de grandes corporações brasileiras.

Seria prematuro exagerar os efeitos dessas decisões na economia ou dizer que nossas conquistas dos últimos 20 anos estão de alguma forma em risco. Mas é absolutamente legítimo deduzir que essa transformação é reflexo de uma visão econômica distinta daquela que predominou no país ao longo de todo esse período, se não no discurso, pelo menos na prática. Os argumentos usados para defender essa mudança estão em geral ligados à sucessão de convulsões que tem afetado os mercados globais desde a crise de 2008. Os defensores do protecionismo e do inflacionismo – que, de resto, raramente os chamam pelo seu nome – costumam dizer que, no cenário atual, não há outra forma de defender o Brasil do ataque da indústria asiática e da recessão na economia planetária.

Tais argumentos são absolutamente falaciosos. A melhor forma de proteger nossa indústria não é evitar a competição com importados. É estimular essa competição e eliminar os entraves que impedem nossas empresas de ampliar sua produtividade. Tradução: cortar e simplificar impostos, enterrar a legislação trabalhista fossilizada, reduzir a burocracia e aliviar o insuportável peso do Estado sobre os ombros de todos nós. E, se é verdade que a recessão mundial nos afetará, ninguém pode acreditar que a solução seja relaxar o controle inflacionário. Todo crescimento gerado por meio da inflação não passa de uma mentira que cedo ou tarde cobra seu preço.

O que mais preocupa nessa linha de argumentação, porém, não é sua essência falaciosa. É o conforto que ela gera nos nossos tomadores de decisão, ao atribuir todos os problemas a fatores externos. Se o pior cenário se concretizar, depois sempre será possível voltar a carga contra os chineses ou contra os mercados globais. E, novamente, exportaremos a responsabilidade por nossas mazelas.


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