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O risco da gangorra

Veículo: Brasil Econômico
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A frase é do ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan e foi dita dias atrás durante um jantar oferecido pela Câmara de Comércio Brasil-Israel a um grupo de empresários brasileiros que visitava Jerusalém: "A única coisa barata que existe hoje em dia no Brasil é viajar para o exterior". Àquela altura, no início de setembro, o dólar patinava em torno de R$ 1,60 e Furlan, que é copresidente da BRF, mostrava-se preocupado com a rentabilidade da companhia. Terceira maior exportadora brasileira, com os índices de produtividade mais altos do mundo entre os processadores de carne suína e de frango, a empresa dava sinais de que logo começaria a perder dinheiro se o dólar continuasse depreciado perante o real. De lá para cá, a moeda americana ganhou fôlego e deu início a uma escalada que, apenas este mês, já ultrapassou a casa dos 17%. Ontem, o dólar alcançou a marca de R$ 1,86. Com o câmbio a esse preço, não existe mais nada barato no Brasil. Nem as viagens internacionais. Para as empresas exportadoras e as indústrias que trabalham com matéria-prima brasileira, uma taxa de câmbio nessa posição pode ser considerada uma boa notícia. Ela, no entanto, seria ainda melhor se a instabilidade do mercado mundial e o receio de que a Europa sofra mais um solavanco não fossem as principais razões da alta. Com a entrada da Itália na alça de mira das agências de avaliação de risco, o tal do mercado decidiu mais uma vez procurar refúgio sob as asas do velho dólar (quem foi mesmo que andou falando em decadência da economia americana?). De qualquer forma, e naquilo que diz respeito aos efeitos do câmbio sobre o mercado interno, a elevação do dólar é positiva. A rentabilidade que as empresas haviam perdido foi recuperada antes do que se imaginava e o câmbio, que era um inimigo, passou a funcionar como um campo de força natural, capaz de manter as mercadorias produzidas no país mais protegidas contra a concorrência dos importados. Tudo isso é bom. Mas, sem querer bancar o chato, é importante observar que as condições que conduziram a esse cenário não inspiram muita confiança e que o vento, assim como mudou nessa direção, pode passar a soprar no sentido oposto. O que não será bom para ninguém. A alta súbita e, em certa medida, inesperada do dólar é a demonstração de que a economia brasileira continua refém dos grandes fluxos internacionais de moeda - e que os planos de contingenciamento, que até outro dia visavam impedir a queda do dólar, daqui a pouco poderão ter o objetivo de barrar sua alta acelerada. Se a alta repentina beneficia empresas como a BRF, na outra ponta ela bate em cheio nos interesses de empresas que importaram mercadorias. Oscilações repentinas no câmbio, seja em que direção for, frustram o planejamento das empresas e provocam mudanças capazes de produzir estragos. Se o dólar chegar a R$ 1,90 e por lá ficar por um bom tempo, ótimo. Mas, se chegar a R$ 1,90, bater em R$ 2,00, voltar para R$ 1,70 e subir outra vez, a economia inteira tremerá. Para a economia real, a gangorra cambial é um perigo.


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