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Dólar encosta em R$1,80

Veículo: O Globo
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O cenário externo cheio de incertezas e mudanças nas apostas de grandes investidores no mercado futuro de câmbio provocaram ontem a maior alta percentual do dólar comercial em 16 meses (desde 6 de maio de 2010) e o valor mais alto desde 21 de julho de 2010. A moeda americana subiu 2,71%, para R$1,780. Pela manhã, chegou a avançar 3,87%, a R$1,80, uma marca que não era rompida há mais de um ano. O rápido avanço do dólar — que acumula agora uma alta de 11,74% apenas em setembro — começa a atrapalhar os planos de quem pretende viajar para o exterior no fim do ano. Nas casas de câmbio e bancos do Rio, o dólar turismo foi negociado ontem a R$1,89, um aumento de 4,42% em comparação à cotação de R$1,81 da última sexta-feira, afugentando os que queriam comprar moeda para viajar. Nas agências de turismo, os efeitos são diversos: em algumas, as reservas começam a ser canceladas. Em outras, clientes estão antecipando compras, temendo mais altas. Na Catur Turismo, no BarraShopping, já houve dez cancelamentos de reservas para pacotes no exterior desde quarta-feira passada, o que representa cerca de 30% das vendas internacionais no mês. O gerente da agência, Gilmar Alves, avalia que novos cancelamentos deverão ser feitos nos próximos dias: — Os clientes estão apostando que o dólar vai cair daqui a algumas semanas. Por isso, quem tinha viagem para o ano que vem e ainda não começou a pagar preferiu cancelar as reservas, na expectativa de emitir os bilhetes no futuro com um dólar mais favorável — afirma. Desde o piso em 26 de julho deste ano, quando custava R$1,65 nas agências de viagens, o dólar turismo acumula uma alta de 14,55% até ontem. Uma viagem de uma família para a Disney, em Orlando, de US$10 mil, que em reais custava R$16,5 mil em 26 de julho, passou a custar ontem o equivalente a R$18,9 mil. Na agência Master Turismo, os clientes anteciparam a compra dos pacotes. No entanto, para Flávia Goulart, consultora de lazer da agência, a expectativa é de queda na demanda por pacotes internacionais daqui para frente. — A tendência é que o dólar suba. Estamos recomendando que os clientes efetuem suas reservas agora, para evitar surpresas — diz. Estrangeiros elevam apostas contra o real Nas casas de câmbio, os compradores desapareceram. Segundo Glaucy Lima, da Fair Corretora, apenas viajantes com embarque previsto para esta semana apareceram para comprar moeda de última hora: — Os viajantes que se preparam para embarcar no fim de ano, como para Orlando, e que vinham comprando a moeda aos poucos, sumiram. Preferiram aguardar o que vai acontecer. Eles ficam com medo de comprar numa hora de tanta volatilidade. Na BT Associados Corretora de Câmbio, muitos compraram seus dólares na semana passada, quando a moeda ainda começava sua trajetória de valorização. A BT distribui dólares no atacado — para agências de viagem — e vendeu US$5,8 milhões na semana passada. Foi um aumento de 16% em relação à semana anterior. — Estamos em um período de baixa temporada. O preço não deveria ter subido tanto. O problema é que, quando o dólar comercial sobe, o turismo acompanha — explica Vivian Portella, gerente financeira da BT. Segundo ela, chegou a faltar euros no mercado na semana passada. A moeda também se valoriza forte. Ontem, subiu 3,57% no mercado turismo, R$2,52 para R$2,61. O dólar comercial — cotação usada nas operações de bancos e empresas — se valorizou ontem em quase todos os países por causa da preocupação com a crise da Europa. Subiu frente ao euro (0,60%), à libra (0,55) e ao peso mexicano (0,58%), por exemplo. Segundo especialistas, o movimento mais intenso no país foi potencializado pela redução das apostas de investidores estrangeiros na queda do dólar (a chamada posição vendida) no mercado futuro. Movimentos técnicos após uma sexta-feira passada atípica também ajudaram. — Essa alta foi puxada pelo mercado futuro — diz o diretor-executivo da NGO Corretora, Sidnei Nehme. Na última sexta-feira, as apostas na queda do dólar superavam as apostas na alta em US$11,19 bilhões (incluindo operações com cupom cambial e o mercado futuro de dólar). No fim de julho, essa diferença era de US$20,65 bilhões. Na avaliação do diretor de câmbio da Renova Corretora, Carlos Alberto Abdalla, os investidores vão deixando de apostar na queda do dólar. Contribui para isso a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as operações de venda (que apostam na queda do dólar) no mercado futuro. — Agora, a tendência é de alta no dólar e ninguém mais quer ficar no lado que aposta na queda — diz Abdalla. Com a tendência do dólar, o Banco Central (BC) deixou de comprar ontem, pelo quarto pregão seguido, a moeda americana no mercado à vista. Ações de empresas exportadoras em alta Luciano Rostagno, estrategista-chefe da CM Capital Markets, lembra ainda que, a despeito dos efeitos negativos da alta do dólar na inflação, há perspectiva de mais cortes da taxa básica de juros (Selic). — O Banco Central segue sinalizando que continuará a cortar os juros — diz Rostagno, referindo-se ao discurso de ontem do presidente do BC, Alexandre Tombini, em encontro de bancos centrais dos países de língua portuguesa, em Lisboa. Tombini afirmou no evento que espera uma redução no fluxo mundial de recursos e uma desaceleração econômica mundial, com impacto nos países emergentes: — Estaremos prontos para uma parada dos fluxos naturalmente num cenário que não gostaríamos de lidar, mas temos hoje mais ferramentas para lidar com um impacto de um cenário à la 2008/2009. No mercado de ações, o dia foi de pessimismo. Na Europa, Londres recuou 2,03%, Paris caiu 3% e Frankfurt, 2,83%. Em Nova York, o Dow Jones perdeu 0,94%, o S&P; 500 caiu 0,98% e o Nasdaq recuou 0,36%. No Brasil, houve menos perdas: o Ibovespa, índice de referência da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), recuou 0,19%, a 57.102 pontos. Segundo especialistas, o movimento de alta do dólar influenciou também a Bolsa. Com o dólar mais caro, ações de empresas exportadoras e que têm receita atrelada à moeda americana, como as produtoras de matérias-primas, saem ganhando. — Além disso, o dólar mais caro deixa a Bovespa mais atraente para os investidores estrangeiros — explica Felipe Casotti, gestor de renda variável da Máxima Asset Management.


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