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Uma grande vitória nessa perniciosa guerra fiscal

Veículo: Valor Econômico
Seção: Opinião
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Ana Carolina Negri/ Valor
A unificação da alíquota do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) para produtos importados da cadeia produtiva da indústria têxtil e de confecção será uma grande vitória contra a guerra fiscal, que tanto tem prejudicado alguns estados brasileiros, dentre eles São Paulo. A medida foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em reunião com dirigentes classistas representantes das empresas e trabalhadores do setor e dos deputados e senadores integrantes da Frente Parlamentar "José Alencar", na qual também se definiu a desoneração da folha de pagamentos, outro item muito importante para garantir o aumento da competitividade.

A indústria têxtil e de confecção do país é constituída por 30 mil empresas, empregadoras de 1,7 milhão de pessoas. Somente no Estado de São Paulo, mantém cerca de 520 mil empregos diretos e recolhe R$ 1 bilhão em impostos anualmente. Os números atestam o significado e o impacto positivo da eliminação de discrepâncias no principal imposto estadual, o ICMS. Há anos, como se sabe, unidades da federação concedem benesses sobre esse tributo, para atrair investimentos. Não foi sem razão, portanto, a grande visibilidade dada pela imprensa à recente decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), de julgar inconstitucionais diversos benefícios fiscais concedidos por alguns estados sem a aprovação dos demais, por meio de convênios celebrados no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).

Ficou muito claro, no julgamento, que a guerra fiscal ocorre ao arrepio da lei, desconsiderando o princípio federativo e em prejuízo da economia nacional e de estados como São Paulo. Para se ter ideia do prejuízo, o fisco paulista está cobrando judicialmente R$ 9 bilhões, entre impostos devidos, juros e multas, de empresas que tiveram diferimentos, isenções ou redução de alíquotas, beneficiadas pelo desrespeito às regras legais, como o crédito presumido do tributo.

A unificação de alíquotas e a melhor fiscalização contribuirão para reduzir a concorrência desigual enfrentada na indústria

Agora, o anúncio do ministro Mantega, objeto de projeto no Senado e de deliberações do Confaz, ataca, de modo muito pertinente, outra perigosa vertente na guerra fiscal, que vem se agravando ultimamente: a isenção ou redução do ICMS para o ingresso de produtos importados nos portos de vários estados. A medida, também à revelia do Confaz, tem contribuído - e de modo potencializado pelo câmbio sobrevalorizado - para a redução da competitividade da indústria de transformação.

O setor têxtil é um dos que mais sofrem com a danosa prática. O déficit de sua balança comercial no Estado de São Paulo, nos primeiros cinco meses de 2011, foi de US$ 400,7 milhões. Isto representa crescimento de 56,1% em relação ao mesmo período do ano passado, em que o saldo negativo foi de US$ 256,7 milhões. Parcela expressiva desse saldo negativo do comércio externo de nossa indústria no Estado de São Paulo deve-se às manobras tributárias feitas ao léu da lei e das normas que regem a Federação.

É preciso considerar, ainda, que há 202 portas de entrada para produtos importados no Brasil. Daí a necessidade de centralizar os desembaracos em determinados portos e unificar as alíquotas. Hoje, 90% do comércio têxtil e de confecção ocorrem por via marítima e 90% das mercadorias chegam em 10 portos, evidenciando uma concentração natural já existente. O que precisamos é aumentar a fiscalizacao, que atinge, no máximo, 5% da carga que chega ao país.

Assim, são muito bem-vindas medidas como a anunciada pelo ministro da Fazenda e ações como a Operação Pomar, na qual a Polícia Federal desmantelou quadrilha que contrabandeava mercadorias e remetia dinheiro ilegalmente para o exterior. É fundamental intensificar o controle nos portos, buscando uma centralização para melhorar a eficiência e o acesso do Inmetro (Instituto Nacional de Pesos e Medidas) ao controle das especificações dos produtos, em respeito ao consumidor brasileiro.

A unificação de alíquotas e a melhor fiscalização contribuirão para reduzir a concorrência desigual, no enfrentamento, pelas indústrias brasileiras, de produtos cuja formação de preços não incorpora custos de legislações previdenciária, trabalhista, social e ambiental avançadas como a nossa. É o caso da China, por exemplo, cujas políticas comerciais provocam resultados desastrosos em nosso mercado!

De 2002 a 2010, as importações brasileiras de produtos têxteis e confeccionados provenientes de lá cresceram 2.185% (U$ 2,15 bilhões, em 2010). Hoje, são chineses 72% de todo o vestuário que importamos. O problema, ao qual se somam os juros e impostos muito altos pagos pelas empresas brasileiras, causa a não geração de empregos e menor produção, apesar dos maciços investimentos que a indústria têxtil e de confecção nacional realiza para fortalecer aquele que já é o quinto maior parque produtivo do setor no mundo.

Nesse contexto, a unificação das alíquotas do ICMS para produtos têxteis importados deve ser comemorada, pois impedirá que, por conta de benesses tributárias concedidas por unidades federativas, o setor enfrente mais uma grave e nociva desvantagem competitiva. A medida também deve servir de estímulo para a concretização de uma reforma tributária mais ampla, que desonere a produção, incentive investimentos e torne equânime a cobrança de impostos no território nacional. Vencemos algumas batalhas, mas ainda não ganhamos essa perniciosa guerra fiscal, que só tem feito perdedores em todo o Brasil.

Alfredo Bonduki, presidente do Sinditêxtil-SP, é engenheiro pela Escola Politécnica da USP com pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas.



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