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Fábricas do Brasil perderam guerra para importados, diz economista dos EUA

Veículo: Correio Braziliense Online
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Às voltas com medidas para conter a valorização do real frente ao dólar e atento ao desenrolar da crise nos Estados Unidos e na Europa, o Brasil vive um processo de desindustrialização. Para o brasilianista, economista e professor norte-americano Werner Baer, da Universidade de Illinois, o fato de a proporção de carros importados estar aumentando no mercado interno é uma prova do baque sofrido pelas fábricas nacionais. Ele concorda com a gritaria dos empresários brasileiros, os quais o governo quer acalmar amanhã com o lançamento da política industrial de Dilma Rousseff — o Programa de Inovação Brasileira (PIB). Mas há dúvidas se o pacote será capaz de devolver a competividade perdida. “Setores como o de calçados comprovam a dificuldade. As fábricas do Rio Grande do Sul e de São Paulo estão sofrendo muito. Isso é um caso de desindustrialização”, disse Baer, em entrevista ao Correio.

Em meio à crise internacional, o dólar tende a cair ainda mais frente ao real. Que impactos o senhor vê para o Brasil?
O grande problema é que, de um lado, os produtos brasileiros estão menos competitivos no exterior e, de outro, a disputa interna com itens importados cresce cada vez mais. Os artigos estrangeiros, especialmente os chineses, estão concorrendo com os domésticos. Isso me parece uma situação muito séria. Além disso, as fábricas começam a comprar componentes no exterior. A pergunta é se esse cenário vai resultar numa desindustrialização no Brasil.

Qual é o risco real da desindustrialização?
Ela já está ocorrendo. O fato de a proporção de carros importados estar aumentando mostra muito bem isso. Esses veículos, que poderiam ser produzidos domesticamente, estão vindo de fora. Outros setores, como o de calçados, também comprovam a dificuldade do Brasil. As fábricas do Rio Grande do Sul e do interior de São Paulo, por exemplo, estão sofrendo muito. Esse é, de certa maneira, um caso de desindustrialização. Espero que isso não seja permanente. Mas, se essa política de desvalorização do dólar continuar, há o sério risco de a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) reduzir substancialmente.

E a importação? Ela não é boa para o consumidor?
Para o consumidor, a entrada do produto mais barato é boa. Mas, se os brasileiros ficarem desempregados por causa da desindustrialização, de que adianta ter itens com preços baixos? Da mesma maneira, muitas pessoas dizem que a economia melhorou porque, no supermercado, você tem uma cesta maior de produtos do que há 15 anos. Se há renda, aproveita-se isso. Se não há, de que adianta? A questão é que essa mudança ocorre a longo prazo. O desemprego diminui nos últimos meses, mas tenho minhas dúvidas se essa taxa pode continuar caindo.

Das 58 principais economias do mundo, o Brasil tem a moeda mais valorizada. Por que isso?
Atribuo isso à taxa de juros, que é a mais alta do mundo. Ela atrai capital de curto prazo, que valoriza a moeda. E tem aí toda a consequência negativa para a indústria.

Mas o governo elevou os juros, a 12,50% ao ano, para conter a inflação.
Esse aumento pode diminuir a expansão do crédito e, com isso, reduzir a pressão sobre os preços. Tudo depende naturalmente do que está acontecendo no exterior. Como os problemas nos Estados Unidos e na Europa não estão resolvidos, pode haver uma recessão mundial, que também vai afetar o Brasil.

A atividade caiu em junho. Já é um efeito das medidas restritivas adotadas pelo governo?
Em geral, pode-se dizer que o aumento da taxa básica de juros vai prejudicar a indústria. Mas, do outro lado, você tem o poderoso BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Quase 25% dos empréstimos são dados a pequenas e médias indústrias. Ele oferece juros baixos e, com isso, a possibilidade de crescimento é real. De um lado, a política quer frear a inflação. Mas, do outro, as fábricas contam com financiamento subsidiado.

Como alterar a carga tributária para tornar a indústria competitiva?
O Brasil deveria diminuir os tributos indiretos. Por exemplo, aumentar o imposto sobre a renda, no contracheque mesmo. A arrecadação dos Estados Unidos em imposto de renda é muito maior, proporcionalmente, do que no Brasil. Isso melhoraria a distribuição de renda. Se o tributo sobre um item custa R$ 50 tanto para o rico quanto para o pobre, o pobre acaba pagando mais.

Onde mais o Brasil precisa mudar?
Além da educação, há o atraso na infraestrutura. As estradas estão muito precárias, especialmente fora de São Paulo. Os portos estão numa situação lamentável. Nas épocas de safra, há filas de 25 quilômetros de caminhões esperando para descarregar suas mercadorias. A infraestrutura de geração e distribuição de eletricidade também é atrasada. Tudo isso ocorre a despeito do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que é ambicioso, mas, infelizmente, anda muito lentamente. E não sei por que é tão difícil o governo liberar verbas e fazer contratos. É importante lembrar que o Brasil vai sediar Copa do Mundo e Olimpíadas, o que vai exigir um aumento de gastos. O desafio é fazer com que as mudanças voltadas para essas competições possam servir para a economia e para a sociedade a longo prazo.


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