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O outro lado da "guerra" fiscal

Veículo: O Globo
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O outro lado da "guerra" fiscal

Temos presenciado intensos debates e discussões para os quais empresários, trabalhadores e políticos pregam o combate ao que se convencionou chamar de "guerra fiscal" e "guerra dos portos". No centro dos debates está a concessão de incentivos de ICMS, por governos estaduais, com objetivo de atrair investimentos e promover o fluxo de importações em regiões com menor dinâmica econômica.

O momento é oportuno para a discussão, pois o tema deve integrar qualquer proposta de reforma tributária, e frequenta a mídia especialmente após a apresentação do projeto de resolução nº 72 do Senado. Tal medida propõe a redução a zero das alíquotas de ICMS sobre importação e sobre transações interestaduais de produtos oriundos do exterior e sem valor adicionado no Estado de origem.

A justificativa da proposta do Senado é de que os incentivos fiscais são “prejudiciais à produção nacional, provocando uma explosão das importações com perdas substanciais de produção e empregos”. O projeto de resolução defende que a redução a zero da alíquota retiraria a capacidade de Estados concederem os incentivos, acabando assim com a competição fiscal.

Em nossa opinião, em seu formato original, a proposta é impraticável por não estimular o Estado de origem a fiscalizar sua aplicação, e seria extremamente difícil distinguir, nas transações interestaduais, os produtos importados e aqueles sem nenhuma elaboração no Estado de origem.

A tese que fundamenta a proposta, de um forte impacto dos incentivos sobre as importações, não se confirma nos números. O estudo “Importações e incentivos fiscais:desconstruindo mitos”, elaborado pela Rosenberg & Associados para a Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (Abece), não confirma essa tese. O trabalho mostra que 99% do comportamento das importações brasileiras nos últimos anos se explica pelo crescimento do PIB e pelo câmbio.

Um incentivo fiscal de ICMS pode ter impacto sobre o preço efetivo do produto importado em reais, porém muitos destes produtos têm tratamento diferenciado por tratados internacionais. Além disso, por incidir o ICMS “por cima” do imposto de importação, de até 35% (uma proteção adequada à produção nacional), o impacto dos incentivos torna-se muito reduzido quando comparado aos do câmbio valorizado e do crescimento da economia. Podem ter promovido uma realocação de fluxos de importação por diferentes rotas e portas de entrada, nunca uma expressiva perda de produção e empregos.

O STF já se pronunciou quanto aos incentivos de forma incisiva e por unanimidade. Importa esclarecer apenas que, nas decisões do STF, a ilegalidade refere-se ao fato de as operações não terem sido submetidas à unanimidade do Confaz.

Oportuno observar, também, que a base legal para as decisões, além da Constituição, é a Lei Complementar 24, de 1975, fundamentada na preocupação então existente de que uma autonomia dos Estados poderia levar à perda de arrecadação e à deterioração das finanças estaduais; e no modelo centralizador vigente na época.

Ambos os argumentos estão superados com o advento da redemocratização, que defende a descentralização política, e da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001. É louvável o esforço de se propor uma reforma tributária, mas isso não pode ocorrer com base em uma decisão eminentemente política e pouca avaliação técnica. Não se pode extinguir instrumentos de desenvolvimento regional, que trouxeram grandes melhorias para os estados mais pobres, sem colocar nada em seu lugar. Não evoluiremos se as propostas insistirem em modelos superados e sem que ocorra uma transição segura, em espaço de tempo adequado.



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