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Nuvem de gafanhotos

Veículo: O Estado de São Paulo
Seção: Economia
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Nuvem de gafanhotos

Mais uma vez, nos últimos dias, uma nuvem de gafanhotos passou pelos mercados financeiros globais. As cotações das commodities em geral despencaram. Os preços do petróleo, em um dia, registraram uma queda histórica e inédita de quase 10%. Cobre, soja, algodão, prata - esta com um recuo de 30% numa única semana -, tudo veio abaixo. Nos dias seguintes, alguns desses mercados reagiram, mas ainda sem a força e a certeza de uma reviravolta.

Não apareceram explicações convincentes para o fenômeno, desencadeado por uma chamada forte de margem no mercado futuro da prata. A mais aceita e difundida delas, mas sem qualquer consistência, creditou a derrubada generalizada, que também atingiu os mercados de ações, a um mínimo aumento na taxa mensal de desemprego nos Estados Unidos. Não fazia o menor sentido, já que, ao mesmo tempo, eram divulgados os dados da oferta de postos de trabalho, com um aumento bem acima do previsto.

Restou a sensação de que uma nova bolha estava começando a ser estourada, com as consequências globais já conhecidas. Reunidos, a partir do domingo, num encontro a portas fechadas na Basileia, sede do Banco das Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), presidentes de bancos centrais de todo o mundo não esconderam temores com uma possível correção mais profunda nas cotações das commodities.

As baixas históricas da semana passada acrescentaram argumentos aos que localizam na fartura da liquidez internacional, que alimenta cortes nas taxas de juros e desvalorizações no dólar, moeda de reserva global, fertilizantes para a atuação aberta de especuladores nos mercados de commodities. Ficou mais difícil acreditar que a trajetória de alta nesses mercados se devesse exclusivamente à demanda de grandes consumidores, como China e Índia.

O fato é que a volatilidade das cotações, num aparente paradoxo, aumentou na razão direta em que foi se tornando hegemônica a formulação de modelos econômicos de equilíbrio dinâmico, baseados nas premissas da eficiência dos mercados e, portanto, presumivelmente capazes de administrar as incertezas na atividade econômica. A crença em sistemas de equações complexas, expressas em cada vez mais sofisticada linguagem matemática, foi o motor do paulatino descolamento dos ativos financeiros da economia real. A sólida casa erguida não tinha telhado, mas isso não era problema, pois a presunção era a de que não iria chover.

É chocante o ritmo em que se deu esse descolamento, nas últimas quatro décadas, com a primeira crise dos petrodólares, nos anos 70, e até 2008, quando o processo parcialmente se esgotou. Nesse período, o total de ativos financeiros globais - depósitos bancários, títulos de dívida (pública e privada), ações e outros papéis - saiu de uma posição em que igualava a riqueza obtida com a produção de bens e serviços - a base, em última análise, dos papéis em circulação - para algo como quatro vezes a produção da economia real.

Levantamentos do McKinsey Global Institute, braço de pesquisas da grande consultoria global, mostram que o volume total de ativos em circulação em todo o mundo mal chegava a US$ 12 trilhões em 1980. Mas já somava US$ 117 trilhões, em 2003, escalou para US$ 142 trilhões, em 2005, e voou até US$ 167 trilhões, em 2006. Em 2007, o total de ativos alcançou o pico de US$ 194 trilhões. O freio veio com a crise de 2008, quando a conta fechou em US$ 178 trilhões. Dados mais recentes, embora incompletos, mostram que o volume total voltou a subir, a partir de meados de 2009, porém em ritmo mais lento.

Se acentuados e prolongados, novos movimentos de ajuste nos preços das matérias-primas trariam, de fato, graves dificuldades adicionais à recuperação da economia mundial. Para os países emergentes exportadores de commodities, caso do Brasil, ajustes para baixo nas cotações das commodities poderiam ter importantes consequências. Um presumível alívio em parte das pressões inflacionárias talvez não fosse compensado por previsíveis e substanciais perdas no balanço de pagamentos.

Seria mais do que ingênuo, a esta altura do campeonato, pretender reverter completamente o fenômeno da financeirização da economia, razão primária da volatilidade nos mercados. Como no caso dos terremotos, não se pode impedi-los, mas é possível desenvolver mecanismos para conter seus piores efeitos. O problema é que ainda não foram encontradas soluções de contenção satisfatórias.


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