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Gangorra do câmbio faz do real moeda instável

Veículo: O Globo
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Gangorra do câmbio faz do real moeda instável

Pior do que ter o real excessivamente valorizado, é o sobe e desce da cotação da moeda que, quanto mais volátil, mais atrapalha as decisões de investimento e o fechamento de contratos de exportação. A avaliação é de economistas e especialistas em Comércio Exterior ouvidos pelo GLOBO. Um ranking das 16 moedas mais negociadas no mundo mostra que a brasileira ficou em quinto lugar na lista das economias com câmbio mais instável no último ano. O país só perde para Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Noruega. A volatilidade da moeda brasileira foi de 13,83% no período. Já na China, que manipula artificialmente sua moeda, o yuan teve uma taxa de 1,74%.

 

Entre os países que integram o grupo das principais economias emergentes do planeta, o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), a situação mais instável é a do real. O rublo russo oscilou 8,98% no último ano, enquanto a rúpia indiana, 7,68%, segundo levantamento da consultoria Tendências com base em dados da Bloomberg. A volatilidade é calculada com base nas cotações mínimas e máximas das moedas a cada mês, chegando a uma média ponderada no ano.

 

— Para o exportador, é pior que o câmbio oscile como vem fazendo desde 2002 do que ficar apreciado em uma mesma taxa, ainda que ela torne o produto brasileiro menos competitivo — afirma o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

 

— O empresário não consegue fixar preços para negociar seus produtos com os importadores. Existe sempre um risco de perda no futuro. Isso inibe a realização de negócios — avalia o diretor-executivo da NGO Câmbio, Sidnei Nehme.

 

‘A competitividade da economia está em jogo’

 

O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, admite que o governo tem que trabalhar principalmente para deixar o câmbio estável. Porém, a estratégia adotada pela equipe econômica de anunciar medidas a conta-gotas contra a enxurrada de dólares é criticada.

 

Segundo Rafael Martello, economista da consultoria Tendências, cada vez que o governo anuncia alguma medida para conter a queda do dólar, ele aumenta a volatilidade da moeda. Somente entre o anúncio de uma coletiva de imprensa de Mantega para falar de câmbio no início deste ano e as declarações do ministro (que não trouxeram novas medidas) poucas horas depois, a cotação do dólar variou cerca de 1%.

 

Os analistas afirmam que o mais importante agora é fazer um ajuste fiscal forte que reduza a demanda do Estado sobre a economia e permita uma queda dos juros o mais rapidamente possível, tornando o país menos atraente a especulações. Os técnicos do governo estão discutindo um corte no orçamento que pode variar entre R$20 bilhões e R$30 bilhões. Alguns auxiliares da presidente Dilma Rousseff defendem até que o corte chegue a R$50 bilhões.

 

— O Brasil desenvolveu instrumentos para se proteger de crises que faziam a moeda desvalorizar. Mas o país não se preparou para momentos de bonança. O resultado disso é que somos um país sem poupança e com juros muito altos. Isso atrai capital de má qualidade e é o que precisa ser discutido — afirma Nehme.

 

Segundo ele, o governo tem anunciado medidas experimentais, como a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para o ingresso de capital estrangeiro, que aumentam a volatilidade, mas não resolvem o problema. O que é preciso, segundo Nehme, é criar condições para que os juros possam cair no país:

 

— Essa sequência de intervenções normativas é o que provoca volatilidade.

 

Segundo o diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni, chegou o momento de o Brasil entender que o regime do câmbio flutuante é volátil por natureza e que a cotação do dólar mudou de patamar. Por isso, o importante é discutir reformas e investir em infraestrutura para que o país tenha condições de ser competitivo.

 

— É preciso entender também que o país vai ter que aprender a gerenciar a tendência do novo câmbio real de equilíbrio, que já não é mais o mesmo de dez anos atrás. Não se sabe ainda se será R$1,60 ou R$1,70, mas o fato é que mudou e isso não é ruim. A volatilidade cambial é uma oportunidade e não um problema. Isso porque obriga o governo a investir em infraestrutura e implementar as reformas. O que está em jogo agora é a competitividade da economia.

 

O governo, paralelamente às ações para evitar o derretimento do dólar frente ao real, tem trabalhado na formatação de medidas que visem à recuperação da competitividade do setor produtivo nacional. Estão sendo estudadas desonerações tributárias, aceleração na recuperação de créditos e incentivos a investimentos em infraestrutura.

 

Langoni também lembra que gerenciar expectativas cambiais é muito mais difícil do que as inflacionárias. Portanto, uma ação como um forte corte nos gastos públicos seria mais efetiva:

 

— Não adianta ficar enxugando gelo.



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