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Empresas japonesas já 'exportam' deflação do país

Veículo: Valor Econômico
Seção: Internacional
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Empresas japonesas já 'exportam' deflação do país

A deflação está tão arraigada no Japão que as empresas do país começam a exportá-la.

A Fast Retailing, maior rede de roupas da Ásia, cuja bandeira Uniqlo vende casacos de lã por 790 ienes (US$ 9,50), vai inaugurar 44 lojas no exterior e 36 no Japão neste ano fiscal. A Aeon Co., que conseguiu elevar as vendas graças a produtos da marca de baixo custo Topvalu, planeja investir 207,5 bilhões de ienes em três anos para abrir lojas na China e no Sudeste Asiático. A Daiso Industries, maior rede do Japão de lojas do tipo "100 ienes", cujos produtos têm esse preço por base, possui pontos de venda em mais de 20 países.

Sua maior vantagem talvez seja a desvantagem do Japão. Os preços no país, segundo o deflator do Produto Interno Bruto (PIB), vêm caindo de forma quase ininterrupta desde 1994. A queda atenuou o impacto da queda dos salários e serve de história de alerta para o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), que vem dando sermões sobre os perigos da deflação desde que entrou na instituição em 2002.

"Varejistas como a Uniqlo conseguiram surfar a onda da deflação e crescer", afirmou Yoshimasa Maruyama, economista sênior da Itochu Corp., em Tóquio. "Para ganhar essas guerras de preço em casa, as empresas tiveram de continuar reduzindo salários dos funcionários e isso entrou em espiral descendente com os preços caindo e, então, caindo ainda mais, com a deflação nunca acabando."

As vendas da Daiso, com unidades em países como Indonésia, Cingapura e Bahrain, atingiram o recorde de 341 bilhões de ienes no ano encerrado em março. A empresa tem capital fechado e sede em Hiroshima.

Pelos números de agosto, a Aeon tinha 94 lojas na Malásia, Tailândia e China. A Fast Retailing pretende abrir pelo menos 200 lojas nos EUA até 2020.

"Por causa da recessão, as pessoas estão se importando mais com o valor, mas não querem um produto ruim", disse o executivo-chefe da unidade da Uniqlo nos EUA, Shin Odake, em entrevista à "Bloomberg Television", em dezembro. "Eles querem assegurar-se que estão recebendo um produto de boa qualidade."

Embora a tentativa da Fast Retailing de afastar-se do modelo de baixo custo e concorrer com redes de moda como a Zara, da Inditex SA, tenha levado a uma queda de 26% em suas ações no ano passado, os papéis ainda tiveram retorno de 66% nos últimos três anos. Isso se compara ao declínio, em retornos totais, de 28% do índice acionário Topix.

Em março, o executivo-chefe da Fast Retailing, Tadashi Yanai, previu que as vendas internacionais podem superar as domésticas dentro de quatro anos.

Nos últimos 12 meses, as ações da Aeon, cuja sede fica na cidade de Chiba, valorizaram-se 19%. Em outubro, a empresa divulgou planos para inaugurar lojas na Índia, Indonésia e Camboja.

"As varejistas mais próximas aos consumidores empreenderam muita energia para oferecer produtos que são baratos mais ainda assim oferecem alto valor e estamos vendo alguns efeitos positivos disso", afirmou o analista Naozumi Nishimura, da TIW Inc., em Tóquio, que classifica as ações da Aeon com recomendação neutra "plus".

O êxito das empresas no Japão ajudou os consumidores a adaptar-se à deflação. A família média no país tem 1,4 carro e 2,4 televisões em cores, cerca de 25% a mais do que em 1990, segundo pesquisa da agência japonesa equivalente à Casa Civil. A proporção de pessoas satisfeitas com seu padrão de vida era de 63,9% em 2010, em comparação aos 63,1% em 1989, de acordo com relatório do governo.

"Todos sabiam que a deflação era ruim para os empregos e ruim para a economia, mas gradualmente, as famílias e empresas simplesmente foram se acostumando a isso", observou Martin Schulz, ex-analista do Banco do Japão, a autoridade monetária do país, e atualmente economista sênior em Tóquio do Fujitsu Research Institute. "O risco é que, da mesma forma, isso se consolide nos EUA."

O McDonald's Holdings Co. (Japan), unidade japonesa do McDonald's Corp., de Illinois, como parte de estratégia iniciada em 2004 para reverter sete anos de declínio nas vendas das lojas com mais de 12 meses, criou uma oferta de 100 ienes em 2005, reduzindo o preço do cheeseburger, panqueca e sorvete. O sanduíche da rede que hoje custa 100 ienes custava 210 ienes em 1990. As ações do McDonald's japonês deram retorno de 17% nos últimos três anos.

"Queríamos que nossos clientes soubessem que havíamos mudado, portanto, precisávamos atrair muitas pessoas", afirmou Kazuyuki Hagiwara, gerente sênior de marketing da empresa, em Tóquio.

Desde o corte nos preços no McDonald's japonês, as vendas das lojas com mais de 12 meses aumentaram todos os anos, o que elevou o lucro líquido para 12,8 bilhões de ienes em 2009, recorde desde a abertura de capital da unidade.

O que parece bom para consumidores e varejistas de desconto está obrigando a maioria dos outros setores empresariais a cortar preços e salários para poder concorrer, dificultando a captação de empréstimos e os investimentos.

"É extremamente corrosivo", disse Richard Jerram, coordenador econômico da Macquarie Securities Ltd. na Ásia, que trabalha em Cingapura. "O problema é que não se trata de um problema extraordinário [se observado apenas] em um determinado mês ou trimestre."

A deflação corroerá de forma constante o crescimento nominal, privando o governo de arrecadação até que, certo dia, o Japão não terá mais condições de financiar suas captações, afirmou Jerram. O país terá ficar inadimplente em uma dívida de quase o dobro de sua economia ou desvalorizar a moeda para reduzir o valor real de suas dívidas.

"Esse é o fim inevitável do jogo", alertou Jerram, que analisa a economia japonesa desde 1997. "Enquanto for algo [apenas] para o futuro, todos podem fingir que será um problema para outros" resolverem, disse ele.



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