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Europa, de novo

Veículo: O Globo
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A crise europeia voltou a se intensificar. É a segunda vez no ano que economistas e autoridades da Zona do Euro admitem que os problemas dos países da região podem virar uma crise da moeda em si. Há contradições insanáveis: países com a mesma moeda têm taxas de risco totalmente diferentes. Os credores calculam que o risco de um calote da Irlanda é quatorze vezes maior que o da Alemanha. O economista Eduardo Giannetti da Fonseca voltou de Portugal impressionado com o agravamento iminente da crise: — Países como a Irlanda e Portugal terão que recorrer ao fundo de resgate europeu mas, por imposição da Alemanha, os credores terão que sofrer perdas também e não apenas os contribuintes. Isso significa que os bancos e os aplicadores em títulos das dívidas dos países também terão perdas nesse caso e isso eleva o spread de alguns países em relação aos demais, apesar de serem todos da mesma união monetária. A diferença é assim. A taxa de seguro contra o risco de calote da Alemanha (CDS) é de 38 pontos. A da Grécia, 957; da Irlanda, 523; de Portugal, 434. Para se ter uma ideia, a do Brasil é 110. — Os países periféricos da Europa estão com dívida alta, déficit alto, taxas de risco altíssimas, não crescem e não criam emprego. Portugal não é competitivo, não tem o que vender. Falta horizonte de recuperação. Portugal demorou a aprovar o orçamento e agora já se sabe que os cortes não serão suficientes — explica Giannetti. Ele acha que a contradição básica da Zona do Euro é que países que compartilham a mesma moeda têm políticas fiscais autônomas. — Nesse momento é preciso sair da emergência com a ajuda do fundo de estabilização, depois será necessário mudar regras porque estas não funcionaram — diz. Giannetti acredita que a Alemanha fará tudo para salvar a Zona do Euro, mas há várias questões: até que ponto os alemães estão dispostos a pagar pela crise dos outros? Até quando se pode conviver com essas contradições, de países que têm a mesma moeda e custo totalmente diferentes de dívidas soberanas? Com quem a Alemanha pode contar? A França para fazer uma pequena mudança na previdência parou por vários dias; a Itália não pode entrar em nenhum sistema de socorro sem que se lembrem que ela mesma tem suas próprias dificuldades. Isso sem falar que o European Financial Stability Fund tem regras agora que punem os credores. Ou seja, bancos e aplicadores também perderão dinheiro em caso de resgate de qualquer dos países da fila dos encrencados, que começa com Irlanda e Portugal. A crise de 2008 quebrou os bancos. Para evitar o colapso da economia, os governos injetaram montanhas de dinheiro no sistema financeiro. A dívida dos países disparou, e agora os bancos cobram mais caro para rolar dívidas soberanas. A recuperação lenta deixa o quadro crítico porque com menor crescimento há menos arrecadação. Fica mais difícil reduzir o déficit e cresce o risco de calote. As contas da Irlanda saíram de superávit de 3%, em 2006, para déficit de 14,4%, em 2009. A dívida subiu de 25% para 65,5% do PIB. Para reduzir o déficit, o país deve sofrer nova recessão este ano, de 0,3%. Pior, a economia vive período de deflação, que desestimula o consumo porque consumidores adiam compras à espera de preços mais baixos. O FMI prevê deflação de 1,6% este ano, e de 0,5%, no ano que vem. Há duas soluções de emergência para países em risco de moratória: desvalorização da moeda e aumento de juros. A primeira combate a deflação e estimula exportações, enquanto a segunda atrai financiamento da dívida pública. O país entra em recessão, mas em contrapartida evita a bancarrota. Ganha meses de oxigênio e pode se recuperar via comércio externo. O problema é que Irlanda e Portugal são da Zona do Euro. Não possuem moeda própria e os juros do bloco são determinados pela Banco Central Europeu. A UE tornouse uma camisa de força. Quando a união monetária foi criada, havia o pilar do acordo de Maastricht, que estabelecia limite de 3% de déficit nominal. Alguns países se esforçaram, como a Irlanda, outros maquiaram contas, como a Grécia. A crise bancária elevou a dívida de todos. A Grécia recebeu C110 bilhões de ajuda. Agora, sabese que o déficit e a dívida de 2009 foram piores. Ao invés de 13,6%, o déficit foi de 15,4%. Já a dívida atingiu 126% do PIB, e não 116%. A Irlanda foi atingida pelo estouro da bolha imobiliária. O preço dos imóveis já caiu quase 50% desde 2007. Há 100 mil irlandeses renegociando dívidas imobiliárias e 300 mil imóveis vazios no país. — Embora o país não tenha de voltar aos mercados antes de meados de 2011 para cobrir suas necessidades fiscais, o governo se comprometeu com a provisão de pelo menos C 31 bilhões — cerca de 20% do PIB — para recapitalizar os bancos até o fim de 2010 — explica Monica de Bolle, da Galanto Consultoria. A Espanha tem C 18 bi em dívida para rolar nos próximos 12 meses. O superávit de 1,9% de 2007 virou déficit de 11,1% em 2009. A dívida foi de 36% para 53,2% do PIB. Portugal tem 19% de sua dívida vencendo em 2011. O déficit subiu de 2,9% do PIB em 2008 para 9,3% em 2009. A dívida foi para 76,1% do PIB. A Europa olha para a Alemanha à espera de socorro.


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