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Indústria importa mais e desarticula cadeia produtiva

Veículo: Valor Econômico
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Conjuntura: Setor reclama da concorrência externa, mas é maior responsável pelo aumento das compras

João Villaverde | De São Paulo
03/11/2010

 

Claudio Belli/Valor


Nelson Marconi, professor da FGV de São Paulo : "O salto das importações está desarticulando as cadeias produtivas"
Nos primeiros nove meses deste ano, a importação de produtos industriais aumentou 42% em relação ao mesmo período de 2009. Embora reclame desse aumento de concorrência externa, é a própria indústria a principal responsável por essas compras, revela um estudo do professor Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Mais do que isso, as compras ocorrem dentro de uma mesma cadeia produtiva, o que torna o aumento das importações uma espécie de "autofagia" industrial que desarticula toda uma rede de fornecedores.

Marconi separou a produção industrial por grau de agregação tecnológica (commodities, derivados de commodities, baixa e média baixa tecnologia e média-alta e alta tecnologia) e procurou identificar, em cada categoria, onde o segmento compra seus insumos. Ele constatou, por exemplo, que quase metade das peças, máquinas e insumos adquiridos pelas fábricas de manufaturados de média-alta e alta tecnologia vem do próprio segmento, isto é, dos fabricantes de bens de média-alta e alta tecnologia.

Situação semelhante ocorre entre os produtores de bens de baixa e média-baixa tecnologia, onde o equivalente a 31,6% dos insumos adquiridos vêm do próprio setor. Essa participação é três vezes superior a do segundo setor que mais fornece insumos para esse grupo, o de derivados de commodities agrícolas e minerais, que fornece o equivalente a 11,9% das matérias-primas. No segmento mais avançado, que produz bens manufaturados de média-alta e alta tecnologia, a maior parte dos insumos, o equivalente a 46%, sai do próprio setor - mais que o dobro dos 20,6% fornecidos pela indústria de média-baixa e baixa tecnologia.

"A indústria calçadista adquire couro como insumo, e ambos estão inseridos no segmento de média-baixa e baixa tecnologia, tal qual as fábricas de vestuário, que compram tecidos das têxteis", afirma Marconi, que trabalhou com os dados mais recentes das contas nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes a 2007.

A situação é semelhante ao que ocorre nos segmentos de menor valor agregado do parque industrial brasileiro - fabricantes de derivados de commodities agrícolas e minerais, como os produtores de alimentos processados, refino de petróleo e o processamento de grãos, como café e açúcar. Nesse segmento, o equivalente a 31,3% dos insumos saem do próprio setor, e outros 43,9% diretamente do campo e das minas - as fazendas produtoras de commodities agrícolas e as minas que fornecem os metais.

A crescente competição com importados tem alterado o modo como as coisas funcionam. No segmento de alta tecnologia, os insumos adquiridos do exterior já representam, no mínimo, 22,5% do total consumido pelo setor para produzir seus bens. "No mínimo", porque esse grau da participação de importados no setor refere-se a 2007, quando o saldo comercial brasileiro fechou o ano em US$ 40 bilhões - em 2010, o saldo deve ficar em torno de US$ 15 bilhões. Entre todos os segmentos da indústria, foi entre os produtores de bens de média-alta e alta tecnologia que os insumos importados passaram por seu maior salto - 60,9% nos dez anos entre 1997 e 2007.

"O salto das importações está desarticulando as cadeias produtivas, uma vez que os setores estão se autodesmontando", diz Marconi, para quem a valorização cambial tem sido "decisiva" para acelerar e amplificar esse processo. Ao longo de 2007, ano que serviu de base para o estudo, o dólar foi de R$ 2,13 para R$ 1,77, valorização que culminou em R$ 1,56, em agosto de 2008, antes da explosão da crise mundial, que levou o dólar a atingir R$ 2,33, três meses depois.

"O governo, que agiu corretamente durante a crise, perdeu, no entanto, a oportunidade de manter o câmbio mais desvalorizado, uma vez que não houve repique inflacionário naquela ocasião", diz Marconi. Ao longo de 2009, o dólar perdeu mais valor, caindo a R$ 1,80, cotação que voltou a cair em 2010 - R$ 1,70 foi a cotação de segunda-feira.

Além do câmbio valorizado, os bens importados têm inundado a indústria nacional, porque a desaceleração do crescimento mundial reduziu a demanda em outros mercados e levou os produtores mundiais de diversos bens a reduzir os preços de exportação para ganhar novos mercados. O Brasil, em crescimento, virou alvo preferencial dessa política.

"Vamos continuar vivendo com câmbio muito valorizado", avalia Marconi, para quem é preciso, ao novo governo, "uma política industrial que dê prioridade às compras entre os setores, para aquecer todas as cadeias de fornecedores ".



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