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Na tentativa de barrar capital externo, governo volta a subir o IOF

Veículo: Correio Braziliense Online
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Gabriel Caprioli

Diante da falta de perspectivas para a reversão da tendência de derretimento do dólar em relação ao real, o governo brasileiro ampliou o calibre da munição que vem usando na guerra cambial e tomou novas medidas para barrar a enxurrada da divisa norte-americana que vem inundando o país. Ontem à noite, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou outro aumento na alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para o capital estrangeiro aplicado em renda fixa, agora de 4% para 6%. Há menos de 15 dias, logo após o primeiro turno das eleições, a taxa foi elevada de 2% para 4%. O governo decidiu também fechar o cerco ao movimento especulativo no mercado futuro de câmbio. As medidas valem a partir de hoje.

O arrocho no imposto vai afetar os contratos derivativos — operações que apostam na variação de ativos como o dólar —, também pagarão 6% de IOF. Atualmente, o investidor que fecha um acordo para ser concluído futuramente é obrigado a depositar uma parte do valor da negociação como garantia. Até ontem, a taxação sobre essa parcela era de apenas 0,38%. A intenção do governo é desestimular os fluxos de recursos de curto prazo, que procuram obter lucro com a desvalorização do real.

Até o fim de setembro, os negócios fechados com aposta na queda do dólar totalizavam mais de US$ 25 bilhões, dos quais cerca de US$ 11 bilhões foram em contratos na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&Fbovespa) e os outros US$ 14 bilhões, expressos nas chamadas posições vendidas dos bancos — operações em que vendem o dólar sem ter a moeda, esperando um momento em que poderão comprá-la por um preço mais baixo e lucrar com a diferença.

Sinalização
A expectativa é que as novas medidas surtam efeito, já que, até agora, as alterações foram praticamente inócuas na tarefa de conter a queda do dólar. “O Brasil é hoje um país muito atraente, é um país sólido, e, além disso, oferece taxa de juro elevada. É muito difícil segurar a valorização (do real). O que estamos fazendo é atenuar a alta”, afirmou Mantega. Justamente em função dessa forte atratividade, alguns analistas que não acreditam na eficácia das novas medidas. “Estão enxugando gelo. Em um primeiro momento pode até ter impacto, mas (o país) continua atrativo. O investidor vai colocar recursos onde? No Japão, com juro zero?”, questionou o diretor da corretora Pionner, João Medeiros.

Mas outra parte do mercado recebeu o comunicado como uma sinalização positiva. “As medidas vão diminuir o fluxo (de dólares para o Brasil), com certeza. A taxação sobre o investimento em derivativos foi na veia. Vai afetar a rentabilidade das operações rapidamente”, observou o economista Roberto Luis Troster, ex-presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Além das mudanças na taxação de investimentos, o governo também já havia ampliado o limite de compra de dólares do Tesouro Nacional, para honrar dívidas que vencerão nos próximos quatro anos, e deu a possibilidade ao Fundo Soberano Brasileiro (FSB) de adquirir a divisa norte-americana a título de investimento.

DÓLAR MENOR QUE EM 1999
Apesar da relativa manutenção das cotações nos últimos três dias, a batalha cambial travada no mercado financeiro global derrubou o valor do dólar em comparação com a moeda brasileira a um patamar inferior ao de dezembro de 1998, se for descontada a inflação do período. Estimativas do mercado mostram que o real está cerca de 8% mais valorizado do que no mês que antecedeu a implantação do regime de câmbio flutuante no Brasil. O fato continua preocupando o governo, que mantém diariamente os leilões de compra de dólares via Banco Central — uma forma de enxugar a liquidez e tentar conter o derretimento ainda mais rápido das cotações — e o discurso oficial de que continua pronto para agir em todas as frentes necessárias.

De acordo com levantamento feito pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o índice da taxa de câmbio real — número que considera a variação da moeda, descontando a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) — passou de 52,85 pontos em dezembro de 1998 para 48,30 pontos. “Se você desconsiderar apenas a inflação de 2003, que ficou em torno de 15% quando o governo Lula assumiu, a cotação do dólar hoje já cairia para
R$ 1,40”, exemplificou o economista André Sacconato, da Tendências Consultoria.

O dólar fraco diminui o poder de compra de potenciais consumidores de produtos brasileiros, como os próprios Estados Unidos e os países da União Européia, e dificulta as exportações. A trajetória de queda acentuada, entretanto, pode estar próxima do fim, segundo avaliação de Sacconato. Para ele, a moeda norte-americana deve se estabilizar entre R$ 1,65 e R$ 1,70. “Enquanto houver disponibilidade de dólares no mercado internacional, eles certamente virão para cá, mas, por outro lado, o governo deu mostras claras de que vai continuar tomando medidas para evitar que o real continue se valorizando. Claro que ele não vai inverter a tendência, mas suavizará o processo”, avaliou.

Ontem, a moeda norte-americana abriu os negócios em alta, mas encerrou o dia relativamente estável em relação à cotação de sexta-feira, com um leve recuo de 0,06%, vendida a R$ 1,664. No ano, entretanto, a queda da moeda chega a 4,4%. “Não dá para imaginar que o dólar vai continuar caindo indefinidamente. Com certeza, se romper o piso de R$ 1,60, a equipe econômica vai entrar na jogada com mais força ainda”, afirmou.

Tributação
Para o chefe da mesa de operações da corretora Interbolsa do Brasil, Eduardo Duarte, caso o derretimento do dólar continue, uma das medidas mais incisivas que podem ser tomadas é a tributação de Imposto de Renda sobre as aplicações estrangeiras. “Acho que (as medidas anunciadas ontem) vão ter efeito sim. O fato de o Mantega (ministro da Fazenda) ter deixado a porta aberta para novas ações é superimportante. Se o dólar continuar caindo, a medida mais bombástica seria se o governo retornasse com a cobrança do Imposto de Renda sobre o estrangeiro”, comentou. Atualmente, a entrada de recursos externos no mercado acionário é isenta da cobrança do IR. (GC)

IMPORTADOS PROVOCAM DEFICIT 
Com o dólar no chão, o país continua abarrotado de produtos importados. Os reflexos do derretimento da moeda se evidenciou na terceira semana de outubro, quando a balança comercial brasileira apresentou um deficit — diferença entre importações e exportações — de US$ 265 milhões. Números divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostram que, entre 11 e 17 deste mês, as empresas brasileiras exportaram US$ 3,018 bilhões, com média diária de US$ 754,5 milhões, e compraram US$ 3,283 bilhões em mercadorias do exterior, com média de US$ 820,8 milhões. Houve aumento de 9,5% na entrada de produtos de fora em relação à segunda semana de outubro.



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