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Grifes vão para as mãos de chineses e indianos

Veículo: Valor Econômico
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  Luxo:   Com desvalorização dos ativos nos EUA e na Europa, asiáticos passam de consumidores a donos das marcas

Henny Sender e Vanessa Friedman, Financial Times
01/09/2010


Dennis Brack/Bloomberg News

É um dia úmido e quente em Manhattan, mas os compradores na Bloomingdale ' s, Saks Fifth Avenue e outras renomadas lojas de departamento têm sido seduzidos a deixar suas tocas refrigeradas e se dirigir aos escritórios de uma companhia indiana chamada S. Kumars Nationwide Limited no centro da cidade. A atração? As mais recentes coleções de ternos masculinos de nomes veneráveis dos Estados Unidos como Hickey Freeman, o alfaiate predileto do presidente Barack Obama.

À medida que passam por descomunais cartazes promocionais fotografados por Annie Leibovitz, eles vão considerando qual será o visual dos trajes masculinos de alta qualidade na primavera (local) de 2011. Uma conclusão: muito mais global do que tem sido.

Poucas semanas depois que Obama assumiu vestindo um terno Hickey Freeman, a HMX, de Chicago, detentora daquela grife, bem como da Hart Schaffner Marx, entre outras, requereu recuperação judicial. Depois de um leilão realizado em agosto do ano passado, a SKNL de Mumbai tornou-se o mais recente grupo asiático a comprar uma coleção de marcas de moda europeias de alta qualidade.

Com a aquisição, ela se juntou à Megha Mittal, da dinastia siderúrgica indiana Mittal, que em 2009 comprou a grife de luxo Escada; à Li & Fung, de Hong Kong, que há dois anos arrebatou a Hardy Amies, a casa de costura da família real.

De consumidores de artigos de luxo, os chineses e indianos se tornaram compradores de companhias de artigos de luxo, numa mudança que traz implicações de longo alcance para o setor que fatura US$ 82 bilhões ao ano. Muitas aquisições recentes têm sido motivadas por um desejo de elevar os padrões na Ásia e, no longo prazo, de mudar um dogma do setor de luxo: a importância da produção no "país de origem". A noção de que, para fazer jus a seu preço, um item de luxo precisa ser feito no país em que ele é projetado e onde sua marca nasceu está em decadência. O objetivo de muitos novos proprietários é o de mudar a inscrição das etiquetas para "feito na Índia" ou "feito na China".

A primeira etapa na transformação - transferência de titularidade - não só começou, mas, como diz Luca Solca, analista-chefe do setor de luxo no Sanford Bernstein na Suiça "é uma tendência que só agora está tomando impulso".

Inevitavelmente, tudo isso está sendo impulsionado pela prosperidade crescente e por expectativas de uma classe média explodindo nos dois maiores mercados emergentes do mundo. Na China, as vendas de artigos de luxo deverão alcançar US$ 14,6 bilhões até 2014, segundo a consultoria Bain.

Toda cidade chinesa de segunda ou terceira categoria atualmente ostenta shoppings elegantes. Na Índia, estima-se que o mercado de luxo, embora ainda pequeno, esteja crescendo a um ritmo de 25% ao ano - e o empresariado local está em um "incrível processo de acúmulo de riqueza que considera essas companhias como ativos com preços bem razoáveis", diz Solca.

Muitas empresas asiáticas acreditam que possuem uma vantagem comparativa ao assumir o controle de marcas de luxo de vestuário, porque elas podem mudar a produção para instalações de menor custo próximas da sede e elevar as margens, ao mesmo tempo em que também usam a mágica dos nomes de grife e seus canais de distribuição nos EUA ou Europa para elevar as vendas.

Sung-Joo Kim, o magnata sul-coreano que em 2005 comprou a MCM, a marca de bolsas de luxo, conseguiu dobrar as suas receitas em parte graças a um enfoque na Ásia. A estratégia da SKNL, por sua vez, inclui usar as tecelagens de lã que comprou na Escócia como parte da aquisição da HMX e as fiações de seda que controla na Itália para elevar a qualidade dos têxteis que usa na sua produção de vestuário na Índia.

"Queremos introduzir a criatividade e o profissionalismo americanos na Índia", diz Tushar Maloo, que supervisiona as operações de Nova York da SKNL, fabricante de tecidos, roupas e têxteis de cama mesa e banho.

Os demais, igualmente, estão à espreita. A Welspun, outra companhia indiana, tentou sem sucesso comprar uma produtora do setor de cama mesa e banho dos EUA como a Stevens Point há alguns anos. Agora, com a ajuda de um grande investimento do Temasek, o fundo soberano de Cingapura, ela retomou suas buscas ativamente.

Podem ocorrer reveses, sem dúvida. "As marcas não significam nada, a menos que se saiba o que fazer com elas", diz o CEO de uma das mais bem-sucedidas redes de vestuário dos EUA.

No horizonte mais próximo, seja como for, há quem admita a lógica corporativa. "A vantagem competitiva das companhias chinesas e indianas é a sua capacidade de terceirizar de forma barata", diz o diretor de uma grande firma de aquisições de ativos de Nova York. "A Ásia é eficiente em produção em massa. O jeito de ganhar dinheiro é partir pra o mercado de baixa renda. Não é fino, mas é lucrativo."

Apesar de no papel muitas aquisições parecerem lógicas, a execução pode representar trabalho árduo. As companhias indianas, por exemplo, estão acostumadas a sobreviver num ambiente com capital caro e altas taxas de juros. Isso lhes confere um foco no retorno sobre seus investimentos. Mas muitas vezes eles podem não dispor dos recursos necessários para investir nas marcas que adquirem.

"Assim como na década de 1970, [quando] o 'Fabricado no Japão' tinha uma mancha negativa, hoje o mesmo ocorre com o 'Fabricado na China' ou o 'Fabricado na Índia'", diz Mark Bandak do Blackstone. A questão é: como se muda essa imagem?

Com o reposicionamento de todo o processo industrial na Ásia, as empresas podem arriscar desvalorizar as marcas pelas quais pagaram. Além disso, diz Alessandra Coppola, analista financeira no Standard & Poor ' s em Londres, os países europeus onde as grifes estão lutarão para proteger seus legados. 'A Itália já tem leis sobre o que é necessário para que um produto porte a etiqueta 'Fabricado na Itália'", ela diz. Para se capacitar, duas etapas do processo de produção devem ocorrer no país.

"Nós temos marcas que cobrem a pirâmide toda", diz Maloo da SKNL, cujo patrão pagou US$ 25 milhões pela HXM , mas assumiu US$ 125 milhões em dívidas da grife que, além de marcas próprias, possui termos de licenciamento com outras, incluindo a Austin Reed, do Reino Unido. "Nós não pegamos marcas sofisticadas como a Hickey Freeman para o mercado de baixa renda. Somos uma companhia empenhada em fazer clientes gastarem centenas de dólares, não como o Walmart, que está focado nos gastos de centavos."

Existem também outras formas de aperfeiçoar o desempenho. A SKNL aproveitou a flexibilidade na lei de recuperação judicial nos EUA para racionalizar a estrutura da sua aquisição. A HMX possuía oito fábricas nos EUA e no Canadá, nenhuma operando a plena capacidade, cada qual gerida como um feudo. Hoje, só três unidades estão funcionando e a força de trabalho foi reduzida de 3,8 mil pessoas para aproximadamente 1,7 mil.

Apesar de a Giorgio Armani ter por anos usado a China para fabricar apenas a Armani A/X, sua linha mais barata, hoje a linha intermediária Armani Collezione também é produzida na Ásia, diz Solca, da Sanford Bernstein. Ou, nas palavras de Coppola, da S&P: "Na realidade, está ficando cada vez mais evidente que artigos de luxo poderiam ser produzidos fora dos seus ' países de origem ' com a mesma qualidade". No fim, mais e mais companhias precisarão enfrentar a questão formulada por John Studzinski, executivo-chefe da Blackstone Advisory Partners: "Vai se contentar em apenas comprar o leite, ou será mais inteligente possuir a vaca?" (Tradução de Robert Bánvölgyi)


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