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Crises, exportações e tributos

Veículo: O Estado de S. Paulo
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Everardo Maciel

A economia mundial tem sido palco de recorrentes crises sistêmicas, de maior ou menor proporção. Suas características são distintas, mas todas elas observam um mesmo padrão de surpresa e velocidade de propagação, como se fossem verdadeiras pandemias econômicas.

Às crises cambiais dos anos 90 se seguiram, nesta década, o recente tsunami do mercado financeiro e agora a crise fiscal instalada na Grécia, que ameaça se reproduzir na Espanha.

Ainda que não se saiba exatamente quais seriam os instrumentos capazes de elidir ou mitigar as crises econômicas, tudo indica que, em cenário de economia globalizada, é indispensável a instituição de normas regulatórias, editadas por organismos multilaterais, que previnam a "exuberância irracional" dos mercados de capitais, a gestão temerária das instituições financeiras e a tributação nociva, tal como já se faz, por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC), em relação às práticas desleais de comércio.

Nenhum país está imune a uma crise sistêmica, variando apenas a dimensão dos danos. Quem poderia prever que a Islândia seria a primeira vítima da crise deflagrada pelo crédito imobiliário nos EUA?

A tese da marolinha, por sua vez, ficou circunscrita ao campo da anedota. Portanto, enquanto não se firma entre os países a convicção para instituir aquelas normas, convém adotar uma atitude prudencial em relação às políticas macroeconômicas e regulatórias, pois na raiz de todas as crises havia algum tipo de desatenção com essas políticas. No Brasil, preocupam as possibilidades de, em futuro próximo, eclodir uma crise fiscal ou no balanço de pagamentos. Ainda que inexista motivo de pânico, é hora de agir com cautela, porque os riscos não são desprezíveis.

O desproporcional e contínuo crescimento das despesas correntes, combinado com as limitadas possibilidades de crescimento da receita, já prescreve a exigência de uma política de austeridade fiscal para a próxima administração federal.

No campo externo, evidencia-se que o superávit comercial segue uma trajetória de queda, desde 2008, o que, associado ao déficit na conta de serviços, acentua os resultados negativos na conta corrente do balanço de pagamentos (cerca de US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões, respectivamente, em 2010 e 2011, dos quais aproximadamente 70% financiados com investimentos diretos estrangeiros).

Admitida, como hipótese, a manutenção da vigente política de câmbio flutuante e considerados os imprevisíveis humores das inversões diretas e financiamentos estrangeiros, é recomendável, ainda que tenhamos confortável reserva de divisas, olhar com atenção fatores que obstaculizam o crescimento das exportações, a exemplo da acumulação de créditos fiscais.

A desoneração do ICMS, IPI, PIS e Cofins, prevista na legislação constitucional e infraconstitucional, não se compadece com a realidade, pois as estimativas de créditos acumulados desses tributos apontam para R$ 30 bilhões.

Afora conspirar contra a competitividade das exportações brasileiras, essa indevida retenção atenta contra a moralidade tributária, porque corresponde a uma espúria forma de enriquecimento ilícito do Estado.

No âmbito da União, o problema é menos dramático, porque, desde 1996, é possível proceder-se à compensação de créditos de um tributo com débitos de outro, à exceção da contribuição previdenciária, o que reduz os riscos de acumulação.

Além disso, em 2002, foi instituído o conceito de empresa preponderantemente exportadora, cujos créditos de matérias-primas e produtos intermediários são diferidos e definitivamente desonerados na exportação dos produtos. A despeito dessas regras, contudo, ainda ocorrem acumulações.

A eliminação da hipótese de acumulação de créditos, na área federal, poderia se dar por meio de duas medidas: permitir a compensação de créditos com débitos relativos à contribuição previdenciária patronal, o que se tornou possível desde que esse tributo passou a ser administrado pela Receita Federal, e redução da exigência relativa à proporção da receita de exportações sobre a total.

No caso dos créditos estaduais, a solução não é simples. A restituição dos créditos acumulados não constitui tradição nos Estados. Uma forma de atenuar o problema seria estender para o ICMS o conceito de empresa preponderantemente exportadora para a qual haveria diferimento do imposto na aquisição de insumos.

Em qualquer hipótese, todavia, é razoável que se estabeleça a incidência de juros compensatórios desde o pedido de restituição, não apenas por simetria com o tratamento dispensado ao tributo em atraso, mas, além disso, como forma de constranger a retenção indevida.



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