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Há uma oportunidade no ar

Veículo: Folha de S. Paulo
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Ernesto Lozardo

HÁ UMA discussão em torno da valorização do real que tem dificultado o entendimento das pessoas pouco familiarizadas com essa realidade. As premissas sobre a política cambial do passado ainda têm reflexos nas discussões do presente. No passado, o Brasil não adotava políticas monetária e fiscal que assegurassem o crescimento e a estabilidade dos preços. Isso porque o país não tinha orçamentos monetário e fiscal consistentes.
Daquela época, guardamos a seguinte ideia-força de Mário Henrique Simonsen: A inflação mutila, mas o câmbio mata. Nos dias atuais, há quem afirme: A atual valorização do câmbio é um problema real e pode prejudicar a economia (Paul Krugman). Encontramos, também, alarmistas, para quem, por conta da alta do real, haverá desindustrialização. Isso já é demais.
Desde os tempos de Simonsen até os dias atuais, muita loucura foi feita em relação à política cambial. Nem por isso o setor exportador foi aniquilado. O foco da política econômica deve ser a competitividade da economia brasileira. Nesse sentido, precisa-se das reformas fiscais e de política de estímulo às exportações.
A valorização do câmbio resulta de vários fatores. Ela está atrelada à política monetária, especificamente à taxa de juros. Quanto mais elevados os juros, mais o real se aprecia, e, de forma oposta, quanto menores os juros, mais competitivo o real fica.
Os elevados juros resultam do alto gasto corrente do governo federal. Para financiar esse gasto, o governo precisa arredar mais recursos por meio de tributos. De modo que a grande carga tributária sobre a produção e sobre a renda do trabalhador reduz o lucro das empresas, o poder aquisitivo da sociedade e o nível de poupança. Para os bancos, esse risco está incorporado no elevado custo dos empréstimos.
A redução efetiva dos juros e, portanto, da valorização da moeda nacional dependerá de ações concretas dos representantes do Congresso, impondo reduções nos gastos correntes do governo, nos programas assistenciais e nas correções graduais no deficit da Previdência.
Uma das aberrações na política de exportações é o fato de o país exportar impostos. Independentemente do fato de a moeda estar valorizada, prejudicando a competitividade e a lucratividade do exportador, é inconcebível tributar a exportação.
A Fiesp propõe eliminar os tributos que incidem sobre os produtos exportados, modificando os mecanismos de compensações. A indústria brasileira paga em média 22,9% de impostos indiretos sobre o faturamento líquido. Desse total, 5,8% das receitas líquidas com exportações são créditos irrecuperáveis: o governo federal não paga ao exportador. Isso é crime. Mesmo assim, a entidade sugere que o calote do governo federal se transforme em moeda de troca no pagamento de qualquer tributo federal. É mais uma ginástica tributária do setor privado para lhe fazer justiça e amenizar a atual perda de receita. Essa alternativa não visa à competitividade do setor, mas, no momento, ela é necessária.
A inexistência de reformas fiscal e previdenciária tem dado margem a todo tipo de proposta, negando o saber de que a política cambial é parte da política macroeconômica. A política cambial não é a política industrial e muito menos a política de crescimento sustentável. Manter um câmbio competitivo dependerá das reformas apontadas que tornem o Brasil globalmente competitivo, estruturalmente equilibrado e receptivo ao capital, aumentem expressivamente a poupança pública e privada e fomentem o surgimento de ampla sociedade de consumo.

ERNESTO LOZARDO, professor de economia da EAESP-FGV, é autor de Globalização: A Certeza Imprevisível das Nações.

Excepcionalmente, hoje, a coluna de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS não é publicada.


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