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Vontade política é aliada de peso para quebrar barreiras

Veículo: Valor Econômico
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Política externa: Analistas consideram que as negociações com a UE e o México vão gerar oportunidades especialmente para os setores que estão conseguindo enfrentar a taxa de câmbio valorizada

Maria Helena Tachinardi, para o Valor, de São Paulo - 09/12/2009

Autor: Jefferson Dias / Valor

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Azevedo: de todas as frentes negociadoras, a mais benéfica para o Brasil é a Rodada Doha

A Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), iniciada em novembro de 2001, e a negociação do acordo União Europeia-Mercosul, interrompida em 2004, parecem distantes de uma conclusão. Mas, como a vontade política é essencial para a queda de barreiras comerciais, um acordo entre o Brasil e o México poderá avançar em 2010. É o que espera o setor privado brasileiro depois da visita ao país do presidente mexicano Felipe Calderón, em agosto.

"Até o início deste ano, houve resistência do México em discutir o acordo. A grande novidade foi a abertura da discussão na visita do presidente Calderón ao Brasil", diz Sandra Rios, consultora da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e responsável pela coordenação técnica da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB). Os dois países estão trocando informações e "testando possibilidades" de acordo. O próximo passo será a definição de parâmetros e modalidades de negociação.

A visita do presidente mexicano, precedida de intenso trabalho empresarial brasileiro, foi importante para sinalizar que um acordo de liberalização do comércio entre os dois países pode ser mais factível do que as demais negociações. Mas não será fácil definir os temas. Os mexicanos querem incluir no acordo investimentos, serviços, compras governamentais e propriedade intelectual, enquanto o lado brasileiro está mais centrado em acesso a mercado para bens. A principal sensibilidade para o México é o tema da agricultura.

"Haverá um ganho importante para a indústria brasileira. No Brasil, há uma sensibilidade maior apontada pela petroquímica, mas é só", comenta Antonio Josino Meirelles Neto, analista de relações internacionais da CNI. A entidade brasileira e o Conselho Mexicano de Comércio Exterior (Comce) montaram um grupo estratégico com 20 grandes empresários de cada país. Em julho, os capítulos brasileiro e mexicano se reuniram em seus respectivos países. Da parte brasileira saiu a proposta de negociação de um acordo de livre comércio, inclusive para produtos agrícolas, e os mexicanos aceitaram.

Para André Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), "as negociações com a UE e o México não resolverão o problema de competitividade das exportações brasileiras, mas vão gerar oportunidades, sobretudo para os setores que estão conseguindo enfrentar a taxa de câmbio valorizada". Em ambos os casos, México e UE, o Brasil praticamente não tem acesso privilegiado a produtos do agronegócio, setor que tem muito a ganhar, diz Nassar.

"Os exportadores de carne de frango e suína (estes, um pouco menos, porque ainda têm de vencer a barreira sanitária) estão muito interessados em ambas as negociações", comenta.

Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), diz que é positivo o Brasil entrar na rota das negociações bilaterais. "Saindo o primeiro acordo, haverá estímulo para outros. No caso do México é importante que a negociação leve a um corte da tarifa atual de 20% ad valorem para a carne suína e que isso aconteça na hora em que aquele mercado elimine as barreiras sanitárias".

Lucia Maduro, consultora da CNI, explica que a pretensão é realizar uma negociação ampla com o México, mediante a utilização das ferramentas de um acordo já existente entre os dois países registrado na Associação Latino-americana de Integração (Aladi). Trata-se do ACE 53 - Acordo de Complementação Econômica, o mesmo que o México tem com os demais membros do Mercosul. A ideia é prosseguir na via bilateral e, mais adiante, transformar o acordo-quadro ACE 55, de 2007, entre o Mercosul e o México, em um acordo de livre comércio, diz Lucia.

As exportações brasileiras para o México, em 2008, somaram US$ 4,28 bilhões, 2,1% do total das vendas externas do Brasil. As importações provenientes do México foram de US$ 3,12 bilhões e representaram 1,8% do que o Brasil comprou no mercado internacional no ano passado. "Brasil e México são os dois maiores países latinoamericanos e têm um comércio irrisório", comenta Lucia. Segundo ela, a proposta da CNI seria a de um acordo com capítulos de bens, serviços e investimentos. A CNI fez um documento conjunto com setor privado mexicano e a Coalizão Empresarial Brasileira avalia o ambiente do setor público e privado em relação a um futuro acordo.

De todas as frentes negociadoras, a mais benéfica para o Brasil é a Rodada Doha, explica o embaixador Roberto Azevedo, representante do Brasil junto à OMC. "Do ponto de vista sistêmico, os ganhos virão com a retirada das disciplinas assimétricas (usadas em defesa comercial) que favorecem os países desenvolvidos", diz. Já os ganhos econômicos mais palpáveis, caso a Rodada seja concluída, se darão em duas áreas: na redução de subsídios, que têm efeitos deletérios, pois eles deprimem os preços internacionais e expulsam do mercado os produtores não subsidiados, e ganhos com a abertura de mercados, mediante a redução de tarifas para produtos industrializados e expansão de cotas para produtos agrícolas.

"O grande beneficiário da Rodada na área agrícola será o Brasil, pois as cotas serão abertas a todos os países e não serão específicas por país como queriam os EUA", explica Azevedo. Eles queriam que a base para a aplicação de cotas fosse os anos 1990, quando o Brasil ainda não tinha atingido o nível atual de produtividade e competitividade no agronegócio. "Se as cotas fossem por país, o Brasil não seria beneficiado, só os países que já tinham enorme presença agrícola no mercado mundial, como os EUA e a Europa", diz.

Em bens industriais, o Brasil ganhará na área sistêmica, pois boa parte das barreiras não se dá sob a forma tarifária, mas por meio de subsídios ou de barreiras não-tarifárias (aplicação de direitos antidumping e de direitos compensatórios). Além disso, as tarifas para os países desenvolvidos cairão pela metade com a eliminação de picos tarifários, como os aplicados a calçados e a toda a cadeia têxtil.

"Se as negociações forem bem-sucedidas, haverá um reforço do sistema multilateral de regras, que se mostrou resistente à crise. Não houve violações sistemáticas das regras multilaterais", lembra o embaixador Carlos Márcio Cozendey, diretor do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores. "Para o Brasil, que é um país com comércio distribuído, é importante a Rodada porque ganhamos nos vários lados para cada pagamento que fazemos. Daí a importância do multilateral, porque as concessões feitas a um valem para todos", comenta.

Um ganho específico na área agrícola será a eliminação dos subsídios à exportação. "Isso tem um impacto concreto, real, que vai beneficiar os exportadores de carne de frango, pois os europeus embutem subsídios em suas exportações para o Oriente Médio e, com isso, concorrem de forma injusta com o produto brasileiro. No caso do algodão, também. Os subsídios à exportação já estão negociados para serem eliminados quando da conclusão da Rodada", diz Cozendey.

Na Rodada já estão negociados novas disciplinas, novos limites para tornar os subsídios domésticos menos distorcivos. Na parte específica de acesso a mercados, haverá uma redução da escalada tarifária para produtos agrícolas. A fórmula de redução é em bandas. O corte é maior na tarifa mais alta. Já existe um corte importante negociado e outro extra no caso dos produtos com escalada tarifária. Os países desenvolvidos poderão manter uma lista de produtos agrícolas sensíveis com um corte menor. Para compensar essa concessão, haverá uma cota de importação que será operada em proporção do consumo doméstico, o que beneficiará as vendas de carnes e de açúcar do Brasil.

"São ganhos mensuráveis. O Brasil já exporta frango fora da cota pagando tarifa proibitiva. Qualquer aumento de cota, portanto, significará uma elevação das exportações dentro da cota, ou seja, se poderá passar para dentro dela o que hoje é exportado fora", explica Cozendey.

Em produtos industriais, segundo ele, os ganhos serão menores porque haverá redução menor de tarifas para países desenvolvidos. Haverá ganhos onde há picos tarifários, por exemplo, na área têxtil.

O problema é que os EUA não estão demonstrando nenhum interesse negociador desde o impasse surgido em 2008, quando a Rodada empacou.

"O mundo todo espera pelo final da Rodada com base no pacote já negociado, só os EUA estão segurando. Todo mundo quer fechar as negociações. O problema é que os EUA querem mais concessões e defendem mudança nas bases da negociação, o que é inaceitável", afirma o negociador brasileiro.

Nem mesmo o final da crise financeira global favorece um desfecho positivo da Rodada. O presidente norte-americano, Barack Obama, está debruçado sobre outras prioridades. O lobby agrícola não está disposto a perder os polpudos subsídios à produção e exportação e pressiona o Congresso a não fazer concessões. O lobby industrial também pede mais resistência dos negociadores a fim de preservar o instrumento protecionista dos picos tarifários, principalmente na área têxtil. "Não vejo disposição dos EUA para fazerem gasto de capital político", lamenta Azevedo.

Pedro de Camargo Neto, da Abipecs, é taxativo: "se não houver ousadia dos EUA, a Rodada não andará. Não vejo Obama fazendo uma proposta mais ousada. As prioridades dele são outras. Existem mais condições para um avanço em normas do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS, na sigla em inglês) do que em Doha", prevê.

A economista Sandra Rios lembra que "os últimos anos não foram propícios para as negociações. Não houve nenhum acordo relevante, abrangente. Mesmo no período pré-crise houve uma tendência menos favorável à liberalização". Na União Europeia, por exemplo, percebe-se maior preocupação com o bem-estar social, o que se reflete no trato das questões ambientais e sociais, como barreiras aos fluxos migratórios e fechamento à entrada de investimento direto.

 

"Na Europa existe um movimento em prol de mais regulação, o que impacta o comércio", comenta Sandra. "A União Europeia está banindo fertilizantes e defensivos considerados normais em culturas tropicais e não utilizados em plantações de clima temperado. Independente do tema mudanças climáticas, isso mostra um viés protecionista. Ou seja, os europeus estão priorizando os produtos locais. Essa questão tem surgido em reuniões com alguns setores industriais brasileiros, preocupados com a anulação de eventuais ganhos na liberalização comercial devido a esse tipo de regulamentação", diz a consultora da CNI. "Há dúvida se os benefícios das negociações UE-Mercosul não serão neutralizados pelo impacto de barreiras criadas com a regulamentação doméstica de fertilizantes", acrescenta.

O setor privado tem participado de reuniões com funcionários do governo brasileiro para avaliar se é possível o Mercosul e a UE melhorarem ofertas recíprocas nas negociações comerciais interrompidas em 2004. Um acordo nesse sentido beneficiaria o agronegócio brasileiro em geral e mais especificamente as carnes, para as quais haveria ampliação de cotas. "Se a cota for maior, o acesso ao mercado europeu se ampliará", diz Camargo Neto, lembrando que no caso da carne suína já está havendo entendimento para a União Europeia abrir seu mercado, uma vez satisfeitas as exigências sanitárias por parte do Brasil.

No início de 2010 deverá se realizar o terceiro encontro técnico UE-Mercosul "para ver se há condições de uma retomada das negociações", diz o embaixador Evandro Didonet, diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty. Segundo ele, "claramente há disposição política dos dois lados para isso". Contribui para esse novo interesse a mudança de cenário principalmente no Brasil. "Basta olhar a situação econômica do Mercosul em 2004 e a de agora. O quadro é inteiramente diferente. O Brasil, por exemplo, é o quinto mercado automobilístico do mundo e já passou a Alemanha para o mercado de caminhões da Mercedes Benz. O Mercosul virou um polo de atração e de interesse. Isso deve ser um atrativo para a Comissão Europeia e para os empresários europeus", comenta Didonet.

Instituído em 1991, e após avanços na década passada, o Mercosul vive uma longa etapa de recuos na redução de obstáculos ao livre comércio. "2009 foi um ano perdido", avalia Lucia Maduro. "Antes da crise econômica, a perspectiva de crescimento era grande. No ambiente de crescimento econômico, comércio e investimentos empurram o bloco. O contencioso comercial estava contornado. Mas no início deste ano, todo sistema de entendimento foi por água abaixo.

A escalada de medidas que contrariam o livre comércio do bloco teve o seu último episódio em novembro. Cinco dias após a visita da presidente Cristina Kirchner ao Brasil, foram suspensas as disposições 300 e 506 implementadas em 2000, que simplificavam a validação de certificados de garantia dos brinquedos para entrar no mercado argentino.

Para Lucia Maduro, em termos de agenda doméstica, seria importante o Mercosul concluir o código aduaneiro, instrumento que faz parte da união aduaneira, juntamente com a Tarifa Externa Comum (TEC).

"É preciso eliminar a bitributação da TEC e distribuir a renda aduaneira. Em relação ao produto que entra no Brasil e é repassado à Argentina para consumo, a renda não deve ser só do Brasil. A arrecadação da renda aduaneira deve ser distribuída entre os sócios", lembra Lucia.



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