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Desencontros marcam relação de exportadores com o governo

Veículo: Valor Econômico
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Marco Damiani

O tombo é silencioso, mas o impacto está reverberando. Apesar de ter sua repercussão abafada pelo aquecimento do consumo interno, a baixa nas exportações industriais brasileiras é responsável por nada menos que metade da queda de 10% verificada na produção fabril ao longo de 2009. A conta é da Fiesp, que identifica a redução de 24,1% nas exportações de produtos manufaturados como o motivo de exatos 50,3% do total da contração na atividade industrial. Pode-se, é claro, questionar tamanha precisão, mas um fato incontestável é a diminuição das vendas externas de 17 entre 22 famílias de produtos classificados como industrializados - cujo desempenho é acompanhado, mês a mês, por diferentes radares que monitoram as exportações.

Se o governo não mudar de atitude, estaremos condenados a viver do mercado interno e sermos provincianos em plena era da globalização, diz o professor Roberto Gianetti da Fonseca, ex-secretário executivo de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento. A atual política econômica tem um viés nitidamente antiexportações.

Na extensa lista de baixas, os artigos de ferro ou aço foram os campeões em perdas, com vendas externas 42,8% menores na comparação entre outubro deste ano e o mesmo mês do ano passado. Veículos (-39,2%), maquinaria e mecânicos (-34,2%) e aviões (-25,9%) vêm a seguir. Dissipou-se pelo caminho, apenas nestes quatro ítens da pauta industrial, US$ 1,05 bilhão, diferença entre o volume exportado em outubro de 2008 e outubro de 2009.

O governo joga no colo da crise financeira internacional os maus resultados apurados ao longo do ano. Nas medições feitas em Brasília, a queda nas exportações de manufaturados foi ainda maior do que a apurada pela entidade paulista, chegando a 28,9% entre janeiro e novembro. Sabemos que o crescimento das exportações depende do aquecimento dos mercados estrangeiros, afirma o secretário de comércio exterior Welber Barral. Acreditamos que haverá, em 2010, uma recuperação de pelo menos 10% das exportações. Com essa expectativa, o governo anunciou uma projeção de US$ 168 bilhões para as vendas externas em 2010. O fechamento de 2009 deve ficar entre US$ 150 bilhões e US$ 152 bilhões.

A julgar pelos primeiros resultados das exportações em novembro, ainda não se sabe ao certo onde se apoia a previsão otimista do governo. O documento Raio-X do comércio exterior Brasileiro, produzido pela Fiesp, indica déficit de US$ 147 milhões na balança comercial na primeira semana de novembro. É o terceiro maior déficit semanal do ano, perdendo apenas para a terceira e a quarta semanas de janeiro. As manufaturas de origem industrial (MOI) tiveram um resultado 33,6% menor nas exportações de janeiro a outubro deste ano em comparação com o mesmo período de 2008, decrescendo de US$ 78,6 bilhões para US$ 52,2 bilhões.

A verdade é que, na agenda de combate à crise, o setor exportador ficou em segundo plano, assinala o gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flavio Castelo Branco. Poucos alimentam esperanças de que o governo aceite desvalorizar o real, a moeda mais apreciada do mundo nos últimos anos, mas outras medidas podem ser tomadas para aliviar o sufoco do setor. É unânime entre os exportadores a opinião de que a taxa de câmbio praticada no Brasil representa o principal fator de encolhimento das vendas externas. Mais determinante, até mesmo, do que a crise mundial. Eles se mostram, no entanto, resignados e abrem novas frentes de debate.

Agilizar a restituição do PIS, do Cofins e do ICMS recolhidos nas exportações já seria um grande primeiro passo, defende Castelo Branco. Estima-se em R$ 30 bilhões o volume de recursos nos cofres federais e estaduais fruto de recolhimento de impostos com direito a devolução em razão da atividade exportadora. O problema é que a volta desse dinheiro ao exportador chega a demorar até três anos, reclama o ex-secretário Gianetti. O governo se faz de rogado e obriga o empresário ir à Justiça para obter o que a lei já lhe garante, ecoa o executivo Castelo Branco, da CNI. Segundo as entidades empresariais, a demora média na devolução dos impostos recolhidos é de onze meses para as companhias que ingressam na Justiça para ter o ressarcimento.

O reduzido número de empresas exportadoras é outro fator que contribui para a forte queda nas vendas externas não ter alcançado, ao longo do ano, uma repercussão proporcional ao seu tamanho. Ocorre que não mais que cem companhias são responsáveis por 60% do total de negócios com o exterior. Além disso, boa parte do que se contabiliza como exportação são produtos encomendados pelas sedes de multinacionais às subsidiárias brasileiras.

Será difícil, porém, o assunto permanecer em segundo plano à medida que as vendas externas continuarem a cair - ainda que o governo tenha uma previsão otimista para 2010. A descida a patamares mais baixos pode espraiar um fenômeno que já sendo apurado em alguns Estados importantes: a baixa no nível de emprego. De acordo com relatório oficial da Federação das Indústrias do Paraná, a redução no Estado de 7,37% nas vendas industriais externas nos primeiros dez meses de 2009 resultou, também, em um recuo de 4,27% no nível de emprego em relação a igual período de 2008. Esse baixo crescimento confirma as previsões que fizemos no primeiro semestre, de que 2009 seria muito parecido com 2007, afirma o coordenador do departamento econômico da Fiep, Maurílio Schmitt. Como a indústria paranaense é altamente integrada no comércio global e suscetível às crises, e com o real apreciado, torna-se cada vez mais complexa a tarefa de extrair resultados positivos nas operações de exportação.

 

Enquanto, internamente, os desencontros entre o que querem os exportadores e o que faz o governo parecem não ter fim - e, igualmente, ninguém se lembra de quando exatamente começaram -, no exterior a briga por espaços está cada vez mais árdua. Entre os países do chamado Bric - Brasil, Rússia, Índia e China -, é este último o maior e mais temível adversário das pretensões brasileiras.

Simplesmente não temos margem financeira de competição contra os chineses, reconhece o diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria Calçadista, Heitor Klein. Na ponta do lápis, eles chegam a vender sapatos com preços até 50% inferiores aos que nós praticamos. A preocupação com a concorrência chinesa é de tal ordem que a Abicalçados já traça projeções sombrias para o desempenho das vendas externas em 2010. Com exportações de janeiro a dezembro calculadas entre 110 milhões e 120 milhões de pares, o setor deve faturar no comércio exterior em 2009 uma soma entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,3 bilhão. Mas cairemos para pouco mais de US$ 900 milhões no próximo ano se as coisas continuarem desse jeito, avalia Klein.

A queda mais sentida se deu no mercado dos Estados Unidos, onde as exportações calçadistas brasileiras recuaram nada menos que 50% ao longo deste ano. Se não fosse pela imposição de medidas antidumping aos calçados chineses, o setor também estaria enfrentando grandes dificuldades no próprio mercado nacional, acredita o presidente da Federação das Indústrias dos Rio Grande do Sul (Fiergs), Paulo Tigre. Com efeito, o governo brasileiro impôs este ano uma multa de US$ 10,4 por cada par de sapato chinês com acesso ao Brasil. Essa medida impediu que tivéssemos o nosso mercado invadido com um custo social que seria extremamente elevado, acredita Tigre.

Na mesma ocasião em que projetaram um resgate de 10%, em 2010, das perdas exportadoras em curso agora, as autoridades do governo definiram os EUA como a principal arena para esse combate. Afinal, apenas neste ano as vendas brasileiras de produtos industrializados para a maior economia do planeta declinaram 43,7%.

Os Estados Unidos são uma prioridade para o Ministério do Desenvolvimento, uma vez que nossas exportações para lá são majoritariamente de produtos industrializados e de alto valor agregado, aponta Barral.

Responsável por um dos mais importantes saltos de qualidades na logística das exportações brasileiras, o ex-presidente da Apex-Brasil (Agência de Promoção das exportações) Juan Quirós imagina um outro caminho para a dinamização das vendas industriais brasileiras no exterior. Estados Unidos e Europa são mercados de nicho, define. À medida em que são extremamente protecionistas, só aceitam nossa entrada exatamente nos setores nos quais identificam necessidades. De pouco adianta insistir. Na gestão de Quirós, entre 2003 e 2007, a Apex estabeleceu centros de distribuição de produtos nacionais em diferentes cidades do mundo, incrementou o modelo de missões comerciais, realizando no período mais de cinco mil encontros dentro e fora do Brasil e, por fim, contribuiu para o fato de as exportações saírem do patamar dos US$ 60 bilhões (2002) para o de US$ 178 bilhões (2007). Para ele, o ideal seria a renovação da antiga cruzada pela abertura de novos mercados, especialmente na Ásia e nos países árabes. Diante dessa taxa de câmbio e de todas as nossas deficiências em infraestrutura, só vai conseguir exportar quem tiver inovação tecnológica, alto valor agregado a seus produtos e conhecer o mais possível as necessidades de seus cliente, acredita.



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