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Forte na Argentina, El Loco joga duro com os brasileiros

Veículo: Valor Econômico
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Da Redação

É com um incômodo frio na barriga que empresários e executivos entram no gabinete do secretário de Comércio Interior da Argentina, Guillermo Moreno, El Loco, homem muito mais forte do que qualquer outro secretário e com atribuições muito além do comércio interior.

Moreno é o idealizador das licenças não automáticas para frear importações do Brasil, responsável por medidas como a exigência de certificação para brinquedos, defende o jogo duro com o sócio do Mercosul e uma política do dente por dente: a liberação de licenças somente se e quando os produtores argentinos garantem vendas de igual valor para o mercado vizinho, a fim de assegurar o equilíbrio da balança comercial.

Com executivos brasileiros, Moreno mantém uma relação normalmente cordial, mas nem sempre imune a hostilidades. Há alguns meses, chamou o diretor de uma companhia brasileira na Argentina para discutir o controle de preços e a expansão dos investimentos. O diretor o ouviu atentamente e terminou com a seguinte frase: Tudo bem, secretário. Eu estou de acordo, mas essas coisas são decididas na matriz, no Brasil. É a resposta que Moreno odeia receber. No dia seguinte, já pela manhã, dez fiscais da Afip (a Receita Federal argentina) estavam vasculhando papéis na empresa, tentando encontrar irregularidades tributárias, contou ao Valor um alto executivo brasileiro, pedindo para não ter o nome publicado.

Moreno, nascido um mês depois do fatídico golpe contra Juan Domingo Perón em 1955, economista paradoxalmente formado pela Universidade Argentina da Empresa (Uade), reduto de ortodoxos e adeptos do livre comércio, iniciou o governo de Néstor Kirchner como secretário de Comunicações. É chamado de Lassie pelo ex-presidente, por sua fidelidade canina. No fim de 2006, foi deslocado para a Secretaria de Comércio Interior, onde se manteve no governo de Cristina Kirchner. Dali planejou e executou mudanças no Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), o IBGE argentino.

Uma das primeiras atitudes de Moreno, diante da aceleração da inflação que a Argentina começava a viver, foi impulsionar acordos de preços com o setor privado. Os jornalistas Diego Cabot e Francisco Olivera, autores de uma biografia do secretário, contam que ele sempre mantém tom ameaçador - um revólver seria constantemente exposto em sua mesa de trabalho -, mas se mostra disposto a encontrar soluções inventivas.

A um empresário do ramo de alimentos, que foi a seu gabinete informar sobre a impossibilidade de segurar os preços em meio ao aumento dos insumos, teria ordenado: Não suba os preços. Se os seus custos subiram, diminua um pouco o tamanho da embalagem, mas mantenha o preço.

O que houve no Indec foi pura intervenção, disse a ex-coordenadora do índice de preços ao consumidor, Graciela Bevacqua. Aumentos de preços coletados nas pesquisas foram maquiados e até a metodologia mudou. Além de esconder a alta da inflação, a maquiagem patrocinada por Moreno reduzia os juros pagos pelo governo argentino, que saiu da moratória de 2002 emitindo novos títulos públicos atrelados à variação de preços. Para cada ponto a menos no IPC, o governo economiza cerca de US$ 400 milhões.

O poderoso secretário comprou briga com a Telecom Italia, que controla a maior operadora de telefonia nacional. Em agosto, deu prazo de 12 meses para a venda dos ativos da empresa italiana, alegando que a entrada da Telefônica em sua estrutura societária distorcia a concorrência no mercado argentino. Sua mais nova obsessão é a Papel Prensa, uma das maiores gráficas do país, controlada pelos jornais Clarín e La Nación, com participação minoritária do Estado.

Na guerra do casal Kirchner contra a imprensa, a empresa tornou-se alvo do governo, que mudou seus diretores e ameaça com intervenção. Moreno pediu ao chefe da Comissão Nacional de Valores (a CVM argentina) para apontar irregularidades na administração da gráfica, supostamente com o objetivo de facilitar a intervenção oficial. O diretor não cedeu à pressão e acabou se demitindo. Católico fervoroso, Moreno trabalha no meio de pequenas imagens da Virgem Maria e de fotos do papa João Paulo II, segundo observa quem já frequentou seu gabinete, que dividem espaço com outras fotos peculiares: de Evita e Juan Perón.

Louco por futebol, é capaz de romper com o estilo durão quando descobre que o interlocutor compartilha a paixão pelo Racing, a decadente e sofredora equipe de Buenos Aires. Depois de uma tensão reunião com um executivo do setor de energia, descrita por seus biógrafos, Moreno descobriu a paixão em comum pelo clube e mudou radicalmente o tom da conversa: Se você torce para o Racing, esqueça o que eu lhe disse. Quando precisar de alguma coisa, me ligue e conversamos.



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