Para especialistas, avanço no deficit brasileiro passa por motivos como alta do real, falta de políticas comercial e industrial e crise americana
O Brasil vem perdendo espaço no comércio com os Estados Unidos graças a uma combinação que, segundo especialistas, envolve a valorização do real, a perda de competitividade das empresas, a alta carga tributária brasileira, a falta de política comercial e a própria crise da economia norte-americana. Pelos dados do governo norte-americano (que não são iguais aos do brasileiro), os Estados Unidos acumulam superavit de US$ 4 bilhões com o Brasil até setembro, um aumento de 284% em relação ao mesmo período de 2008. Além do Brasil, somente Hong Kong teve um aumento no deficit no comércio com os EUA, mas bem mais modesto: de 5,4%. Essa diferença não é reflexo de uma invasão de produtos norte-americanos no Brasil, mas de uma queda mais acentuada nas vendas brasileiras para os EUA. Enquanto as exportações brasileiras tiveram queda de 37%, as importações de bens norte-americanos pelo Brasil recuaram 23%. Com isso, o Brasil, que em 2004 era o 14º país que mais vendia para os EUA, hoje é o 16º. Nesse mesmo período, o país passou de 15º principal destino das exportações americanas para o décimo lugar. Ao mesmo tempo, os EUA continuam a ser o país que mais vende para o Brasil. Mas, com o avanço das exportações chinesas ao Brasil, deve perder neste ano o posto de principal parceiro comercial brasileiro. Por usar metodologia diferente -que não leva em conta custos como frete e seguro-, os dados do governo brasileiro são distintos (o Ministério do Desenvolvimento calcula em US$ 3,5 bilhões o deficit do país até setembro e que o país teve superavit em 2008), mas continuam a mostrar o essencial: o Brasil hoje compra mais do que vende aos Estados Unidos, o maior importador mundial e que, mesmo sendo o epicentro da maior crise global em mais de 70 anos, continua a acumular deficit de dezenas de bilhões de dólares todos os meses.
Motivos Para o presidente da Abracex (Associação Brasileira de Comércio Exterior), Roberto Segatto, a principal razão para o superavit americano é a alta do real (a moeda brasileira foi a que mais se valorizou neste ano em relação ao dólar). Ele critica ainda a alta carga tributária, a falta de financiamento para pequenas e médias empresas, a ausência de política industrial e a dificuldade de importação de equipamentos. Produzimos a alto custo, com equipamentos antiquados e sem financiamento. Tudo isso é complicado, diz o dirigente. A consequência, afirma ele, é que empresas norte-americanas que importavam do Brasil estão preferindo comprar de companhias do Leste Europeu e da Ásia, como China e Índia, que têm custo menor. Segatto reclama ainda da política comercial. Ela é praticamente zero. A gente só vê propaganda de café da Colômbia no exterior. É revoltante. Para Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA, o principal problema das vendas para os Estados Unidos não passa pelo câmbio, mas pela crise americana, que faz a principal economia global reduzir seu ritmo de consumo. Se a nossa economia crescer mais que a dos Estados Unidos e a da União Europeia a previsão da LCA é que o avanço do PIB brasileiro em 2010 seja mais que o dobro do desses dois blocos, tende a corroer o superavit na balança comercial. Nesse cenário, Borges projeta que o superavit de todo o comércio brasileiro com o exterior dê uma bela secada no ano que vem: os US$ 26 bilhões estimados para este ano cairiam para US$ 10 bilhões. A OCDE (organização que reúne 30 das maiores economias) disse, em previsão divulgada na semana passada, que esse cenário de queda acentuada no superavit do comércio brasileiro vai ocorrer em 2011.
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