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Dólar e poder de competição

Veículo: O Estado de S. Paulo
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Editorial

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto, cobrou do governo medidas extraordinárias para conter a valorização do real. Seus pares dificilmente o perdoariam se ele deixasse de apresentar essa cobrança ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, na abertura do 4º Encontro Nacional da Indústria, em Brasília, na terça-feira. O dólar barato encarece a exportação, barateia a importação e deixa o produtor nacional em séria desvantagem tanto no mercado externo quanto no interno. Reclamações têm partido não só de industriais, mas também de empresários do agronegócio. Monteiro Neto não se limitou, no entanto, a pedir medidas excepcionais. É preciso, segundo ele, atualizar a política de câmbio. O ministro Mantega prometeu medidas para tornar a indústria brasileira mais competitiva. Mas o governo, acrescentou, manterá o regime de flutuação cambial. Apesar disso, apontou a cotação de R$ 2,60 por dólar como ideal para a solução de todos os problemas. Esse foi o valor de equilíbrio recentemente indicado pelo banco de investimentos Goldman Sachs. Uma instituição privada pode fazer isso. Autoridades financeiras não costumam entrar nesse tipo de especulação.

O presidente da CNI atendeu à expectativa de seus companheiros, mas não obteve, em troca, mais que uma vaga promessa de novas ações a favor da indústria. No dia anterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa entrevista em Roma, havia sido ainda menos animador. Segundo ele, a solução é evoluir tecnologicamente para ganhar dinheiro exportando mesmo com o dólar mais barato. O governo, de acordo com Lula, já fez sua parte, com a cobrança do IOF sobre o capital aplicado em ações ou em papéis de renda fixa. Essa medida, acrescentou, leva um tempo para surtir efeito. Mas a taxação provavelmente não produzirá mais efeito do que produziu até hoje.

Mas a discussão está mal orientada. Empresários e funcionários do governo têm dado atenção insuficiente às questões mais importantes. Para começar, o dólar barato não é problema só do Brasil. A maior parte do mundo tem sido afetada pela depreciação das moedas americana e chinesa. O Brasil se diferencia de vários de seus concorrentes em outro aspecto. O câmbio é crucial para os produtores brasileiros, tanto do campo quanto da indústria, por causa de várias desvantagens competitivas de caráter crônico. A maior parte dessas desvantagens não está dentro das fábricas ou das fazendas. O presidente da CNI mencionou, em seu discurso, vários passos necessários para a elevação da competitividade, como a desoneração do investimento e a melhora do sistema de regulação.

A lista poderia ser muito mais longa e incluiria, naturalmente, a eliminação dos tributos sobre a exportação, a ampliação e a melhora da infraestrutura, a redução dos entraves burocráticos, a ampliação dos canais de financiamento, a elevação da segurança jurídica e a multiplicação de acordos de livre comércio com os grandes parceiros, sem preconceitos terceiro-mundistas.

O desajuste cambial seria possivelmente menor, no País, se os juros fossem mais baixos, mas para isso seria necessária uma gestão bem mais severa das contas públicas. Essa mudança não está na agenda.

Vários concorrentes do Brasil têm acesso preferencial aos mercados do mundo rico. Alguns negociaram ou preparam-se para negociar acordos comerciais com os EUA e com a Europa. Europeus e americanos estão cada vez mais próximos dos emergentes e isso foi demonstrado mais uma vez pela viagem do presidente Barack Obama à região, nos últimos dias. O Congresso americano ainda não ratificou o acordo com a Coreia, mas o fato de um acordo ter sido assinado pelos dois países deveria bastar para acender um sinal de alerta em Brasília.

Um sinal desse tipo deveria ter brilhado quando o senador Aloizio Mercadante, líder do PT, decidiu atribuir à falta de coragem política o atraso de reformas importantes. É inaceitável, disse ele, discursando na reunião da indústria, o fato de o Congresso não ter ainda votado a reforma tributária. Mas a bancada governista é majoritária nas duas Casas e ele é líder partidário. Ou faltam lâmpadas vermelhas, na capital, ou houve um efeito retardado do apagão.



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