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Internacionalização volta a ser foco nos planos de negócios

Veículo: Valor Econômico
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Maria Helena Tachinardi

A crise financeira global marca uma nova etapa na internacionalização de empresas brasileiras. Fortes no mercado interno e ávidas por competir no mercado externo, onde enxergam oportunidades de aquisições e de expansão de seus negócios, as companhias brasileiras estão recorrendo em peso ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em busca de crédito.

Elas estão retomando planos de investimentos pré-crise, diz Leonardo Botelho Ferreira, chefe do Departamento de Internacionalização de Empresas do banco, que desde 2008 registra um aumento de 600% nas consultas sobre apoio a investimentos no exterior. Com a desvalorização do dólar de cerca de 25% em relação ao real, está mais barato para as companhias que faturam em reais investir no exterior.

Parte do governo Lula, que até recentemente tinha uma visão negativa da internacionalização, associada à exportação de emprego, passou a reconhecer os aspectos positivos da atividade, revelados em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Com base nisso, está surgindo uma nova política de incentivo.

Há três meses, um grupo de trabalho com o envolvimento de seis ministérios vem se reunindo para estudar o assunto, fazer um levantamento das ações do governo e das demandas apresentadas pelas empresas. A equipe é coordenada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) e dela participam, entre outros órgãos, o BNDES, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e a Agência Brasileira de Promoção de exportações e Investimentos (Apex).

O investimento produtivo no exterior só acontece porque a empresa tem presença forte no mercado brasileiro. Além disso, a internacionalização ajuda a dividir os riscos do investimento, aumenta a escala de produção, gera um valor maior para a marca no mercado internacional, cria empregos no país e lá fora, resume o titular da Secex, Welber Barral.

O grupo de trabalho está preparando propostas em diferentes áreas que serão apresentadas a empresários no dia 7 de dezembro, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Com essas sugestões o governo dirá o que pretende fazer para incentivar a internacionalização. As áreas de atuação incluem negociações comerciais (acordos de investimento e para evitar a bitributação), financiamento, inovação e marcos regulatórios. Precisamos atualizar a legislação de tradings, que é de 1972, defende Barral. A Camex recebeu mandato da Presidência da República para contatar o setor privado e submeter as propostas à crítica das empresas, diz.

Um setor que deverá aumentar sua internacionalização é o de alimentos, prevê Barral. Há empresas interessadas em comprar fábricas de alimentos no Leste Europeu. Elas vão importar carne daqui e beneficiá-la no exterior.

As candidatas a múltis se espelham no sucesso de empresas industriais do setor de carnes, como JBS Friboi, Marfrig, Bertin, Perdigão, Minerva e Sadia, que estão entre as 57 empresas mais internacionalizadas do Brasil, de acordo com pesquisa elaborada pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) em parceria com o Valor.

A JBS, número um no ranking das transnacionais brasileiras, fez 30 aquisições nos últimos 15 anos, que lhe renderam a liderança mundial em carne bovina. Em setembro, adquiriu a brasileira Bertin e uma das maiores empresas de aves norte-americana, a Pilgrim s Pride Corporation.

A JBS marcou um momento importante na política do BNDES para a internacionalização. Foi a primeira a receber crédito em 2005, três anos depois da reforma nos estatutos do banco. O financiamento foi usado na compra da Swift na Argentina. Até 2002, havia restrições estatutárias no BNDES que só permitiam financiamento vinculado às exportações brasileiras.

De 2003 a 2007, houve excesso de liquidez no mundo e crédito abundante para as empresas, que pouco recorreram às linhas de financiamento do BNDES, comenta Leonardo Botelho Ferreira. As empresas foram para fora com capital próprio ou com recursos do exterior, sem a ajuda do banco. Em 2008, veio a crise. Num primeiro momento, houve suspensão dos planos de expansão de várias empresas brasileiras. Porém, a crise sinalizava que em poucos meses começariam a aparecer ativos a preços interessantes, diz.

Hoje, mais da metade dos projetos em análise pelo BNDES na área de internacionalização referem-se a investimentos de greenfield (construção de fábricas). As demais consultas se relacionam a projetos para aquisições no exterior e investimento em pesquisa e desenvolvimento.

As empresas se internacionalizam em busca de competitividade, para acompanhar o cliente, atender a demanda global, reduzir a dependência do mercado interno, estabelecer plataformas de exportação e obter economias de escala, apurou a pesquisa da Sobeet.

De acordo com a pesquisa da Sobeet, Argentina, China e EUA são os países que as empresas brasileiras veem com mais interesse para uma futura expansão. Em seguida, elas citam África do Sul e Índia, e, logo abaixo, Rússia e Reino Unido. O BNDES, que já tem um escritório de representação em Montevidéu, está criando uma subsidiária em Londres para apoiar a internacionalização.

Comparado aos outros membros dos Brics - Rússia, Índia e China-, uma conclusão que salta à vista é que o Brasil teve uma internacionalização tardia. O Brasil é um país caro. Tem imposto alto. Mas isso não impede que nossas perspectivas sejam positivas, diz Reynaldo Passanezi, vice-presidente da Sobeet.

Com as novas medidas que estão para ser tomadas, o governo parece estar despertando para o que as empresas consideram como entrave externo à internacionalização. Na pesquisa da Sobeet elas mencionam, por exemplo, bitributação e impostos sobre variações cambiais e custo do dinheiro no mercado interno.

Melhorar os mecanismos de financiamento é fundamental. Também é preciso aumentar o volume de recursos, eliminar a bitributação das empresas e instituir políticas de apoio à internacionalização em áreas críticas e sensíveis da tecnologia, defende Glauco Arbix, coordenador-executivo do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).



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