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Sem engenho, nem arte

Veículo: Valor Econômico
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Antonio Delfim Netto

Inovação e desoneração tributária. É o que a indústria brasileira precisa para voltar a ter condições de enfrentar a competição interna e vencer a externa. Com a queda do ritmo da economia em todo o mundo houve forte retração nos investimentos da indústria em inovação tecnológica, inclusive no Brasil. Nosso setor manufatureiro sustentou um nível razoável de atividade graças à redução temporária de impostos e à capacidade de conciliação de empresários e trabalhadores, o que manteve empregos, a renda salarial e , em consequência, o consumo.

Com um progresso muito lento na política monetária, as altas taxas de juros continuam dando suporte a uma supervalorização cambial, que desencoraja os investimentos no setor exportador e reduz a competitividade de nossa indústria. Já que não se tem no horizonte perspectiva próxima de reversão desse castigo, restaria concentrar atenções naqueles dois fatores citados no início.

Quanto à desoneração tributária, em primeiro lugar: tornou-se evidente que a sustação da cobrança de impostos em produtos de grande apelo de consumo das famílias não resultou em nenhuma ameaça ou dano ao equilíbrio fiscal. Na emergência da crise, o governo Lula acabou realizando uma minirreforma tributária com grande sucesso, cujos efeitos benéficos são irrefutáveis. É algo que pode ser reproduzido, com inteligência, elegendo-se gradativamente os setores da indústria com potencial de expandir as exportações.

Após um ano de crise, os investimentos em novas tecnologias foram abandonados em muitos países. E a redução dos níveis do comércio global deixou de favorecer o intercâmbio e a absorção de moderna tecnologia entre os países.

Num balanço preliminar, já começam a aparecer os resultados de pesquisas quantificando a queda dos investimentos em inovação tecnológica nos Estados Unidos e nos demais países da OCDE. De acordo com informações, citadas numa reportagem especial da revista The Economist (21/9/2009), os gastos em P&D das grandes companhias diminuíram e os investimentos em empresas novas e inovadoras entraram em colapso. Historicamente, esses gastos flutuam de acordo com a renda: quando o crescimento declina em 2%, o investimento cai 3%. Pior, os cortes incidem geralmente naqueles projetos de longo prazo, que podem produzir as maiores inovações.

O conhecimento desses fatos fez renascer rapidamente a discussão nos países desenvolvidos sobre a necessidade uma nova política industrial, sustentada pelo estímulo aos investimentos em tecnologia. Aquilo que era uma heresia, condenável nos países em desenvolvimento (nos anos 50 e 70, no Brasil por exemplo), voltou à moda, com força. A estrela do prêmio Nobel de Economia, Robert Solow, voltou a brilhar: ele demonstrou que, dentre os fatores que produziram o desenvolvimento econômico nos primeiros 50 anos do século XX, a engenhosidade foi de longe o mais importante, pois respondeu por 88% do crescimento da produtividade por hora de trabalho.

As primeiras conclusões são que os países desenvolvidos, se não quiserem perder a corrida do crescimento para os emergentes mais ágeis, deverão realizar políticas industriais que deem suporte aos investimentos em tecnologia inovadora. As iniciativas do governo americano, anunciadas pelo presidente Obama em diferentes oportunidades, não deixam dúvidas sobre o volume gigantesco de recursos que estão colocando à disposição das universidades, centros de pesquisa e diretamente nas empresas que apresentam projetos inovadores e avançada tecnologia.

O Brasil tinha desenhado todo um projeto de política industrial, que deixou de ser iniciado no segundo semestre de 2008 por conta da emergência produzida pela crise financeira. Ela se propunha a acelerar as desonerações tributárias e estimular os investimentos em tecnologia para aumentar a produtividade e a competitividade da indústria exportadora.

O atual estágio de emergência não justifica o adiamento ou o abandono da nova política. Se olharmos o comércio exterior brasileiro, atualmente temos emergências graves, representadas pela queda de 30% do valor das exportações da indústria em um ano, e por um avanço cada vez maior das importações de produtos que recebem subsídios (de crédito, cambiais e salariais) escandalosos, competindo deslealmente com nossos pequenos, mini e médios empresários.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.

E-mail contatodelfimnetto@terra.com. br



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