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Time dividido não controla o câmbio

Veículo: Valor Econômico
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Vera Saavedra Durão

O governo brasileiro deu um passo importante, embora tímido, para proteger o país da nova onda de especulação financeira internacional. Acendeu a luz amarela e começou a agir ao taxar em 2% de IOF a entrada de capital estrangeiro nas bolsas e na renda fixa. Mas ainda há um longo caminho pela frente, que passa por uma atuação forte do Banco Central. A forte apreciação cambial, no longo prazo, pode desestruturar cadeias produtivas e substituir a produção doméstica pela importação. Isto pode enterrar de vez o projeto de crescimento do Brasil com ampliação da sua base industrial. Dados do FED, o banco central americano, mostram que a taxa de valorização média de uma ampla cesta de moedas em relação ao dólar foi de 6% entre 31 de dezembro de 2008 e 22 de outubro de 2009, enquanto a valorização do real foi de 37%. Os números do FED mostram que o real está se valorizando muito mais em relação à média das outras moedas.

Para Francisco Eduardo Pires de Souza, assessor da diretoria de Planejamento do BNDES e professor de economia da UFRJ, a desestruturação de cadeias produtivas já está em curso, como é possível comprovar pelo comportamento da balança comercial, onde a presença dos produtos manufaturados na pauta das exportações brasileiras já encolheu para 30% ante 70% de commodities, reforçando o movimento de reprimarização das vendas externas do país até setembro deste ano. Souza atribui à forte apreciação do real o encolhimento da participação dos produtos manufaturados brasileiros na pauta de exportação do país. O fato está levando a uma redução cada vez maior da competitividade da indústria brasileira no exterior, diz Souza.

Em trabalho intitulado Da Reativação da economia ao Crescimento de Longo Prazo: a Questão da Competitividade e do Câmbio, apresentado no Fórum Especial do Inae, Souza mostra que entre 2006 e 2008, período de retomada do movimento de apreciação do real, o crescimento das exportações de manufaturados em volume foi de 0,1% na média do período. No período anterior, entre 1999 e 2005, quando o câmbio estava melhor, as exportações brasileiras de manufaturados cresceram 12% ao ano.

A cobrança do IOF sobre o capital estrangeiro, segundo o economista, tem a vantagem de punir o smart money, mas Souza acha que o governo tem de ficar acompanhando. A medida não é a salvação da pátria, mas tem o mérito de sinalizar para o mercado que o governo não vai ficar assistindo de forma passiva a um derretimento da taxa de câmbio. Ele não crê que, sozinha, a taxação de IOF vá reverter a tendência de queda do dólar, mas já é um passo importante. Só um cego não vê que estava começando a se armar uma bolha na bolsa brasileira.

Ao contrário do mercado financeiro, que reagiu raivosamente contra a medida de controle de capitais, representantes dos exportadores a consideraram muito tímida. A taxação poderia ter sido muito maior, uns 4% ou mais, para desestimular o especulador, pois temos juro real de 4,5%. O Brasil tem US$ 200 bilhões de reserva e títulos da dívida com rentabilidade de Selic nominal de 8,75%. Isto é tudo que o investidor quer, comenta José Augusto de Castro, vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB). Ele acha que a taxação do IOF não terá força para travar a tendência de desvalorização do dólar frente ao real. E defende que o governo ataque o custo Brasil no âmbito dos altos preços da logística, a burocracia e a alta tributação para melhorar a rentabilidade do exportador.

Entre as novas medidas prometidas por Mantega, ativar o Fundo Soberano para reter dólares de investidores brasileiros lá fora, como funciona na Rússia com os dólares advindos do petróleo, pode ser uma delas. O fundo já foi criado e está sendo usado como instrumento fiscal, disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Apontado pela imprensa como um dos pais da taxação do IOF, Belluzo nega a paternidade e lamenta que o combate ao câmbio apreciado não conte com uma parceria ativa do Banco Central.

Belluzzo criticou a autoridade monetária por não tomar medidas adicionais à taxação do IOF, adotada pela Fazenda, dizendo que o BC devia operar no mercado futuro, por meio de mais margens na operação deste mercado, inibindo a especulação, como as operações de arbitragem. O Banco Central, segundo ele, poderia atuar na política de compra de dólares de forma mais racional, se antecipando ao mercado para balizar o preço do dólar. Mas não o faz. O BC, no entender de Belluzzo, só compra sobras. Não é um participante ativo do mercado. Vai a reboque do mercado, quando deveria ser o contrário. Para Belluzzo, a formação de preço do dólar pelo BC funcionaria como uma centralização branca do câmbio em abundância. Mas, observou, a palavra centralização virou tabu para o mercado.

Júlio Gomes de Almeida, economista e ex-secretário de política Econômica do Ministério da Fazenda, acha que a taxação do IOF é apenas um paliativo. O controle efetivo do câmbio exige regulação dos mercados futuros de câmbio pelo BC. Para Almeida, o governo não controla o câmbio porque é muito dividido em relação a questão. As divergências não existem só entre o Banco Central e a Fazenda, mas em toda a alta esfera do Executivo, como Planejamento, Ministério do Desenvolvimento e até mesmo dentro do Planalto. Almeida vê totais condições hoje para o governo tomar medidas mais fortes para controlar a enxurrada de dólares. Temos um Banco Central forte, uma economia sólida. Assim como o governo conseguiu jogar 30 milhões de pessoas no mercado de consumo e aumentou o acesso ao crédito para a pessoa física, se tiver vontade política pode controlar o câmbio. Só não controla, porque é dividido. Time com bola dividida não faz gol.

Vera Saavedra Durão é repórter especial. O titular da coluna, Sergio Leo, está em férias. E-mail: vera.durao@valor.com.br



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