Notícias

Antidumping como mecanismo legítimo de defesa comercial

Veículo: Valor Econômico
Seção:
Página:

Cinthia Battilani e Fernando Bueno

Durante muito tempo, alguns países buscaram proteger suas economias, principalmente em tempos de crise, com o aumento de tributos incidentes sobre as importações. Foi assim após a grande crise de 1929. Não obstante, desde a criação do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) em 1947, sucedido pelo GATT 1994, momento da constituição da Organização Mundial do Comércio (OMC), as medidas protecionistas têm se diversificado cada vez mais.

Hoje, medidas burocráticas relativas às importações, tais quais os sistemas de licenciamento não-automático de importação, preços de referência, barreiras técnicas, barreiras sanitárias e fitossanitárias têm sido aplicadas constantemente por muitos países. Apesar de normalmente essas medidas terem justificativas na proteção do meio ambiente, na saúde pública ou outro aspecto de interesse nacional, na realidade, elas muitas vezes se apresentam como medidas meramente protecionistas, restritivas ao comércio internacional, quer por se apresentarem excessivas, quer por estarem fundamentadas em legislações complexas que dificultam o cumprimento por parte de quem está sujeito à aplicação das mesmas. Estas situações tendem a levar a um aumento das disputas no âmbito da OMC.

Seguindo essa tendência, as medidas antidumping, em tempos de crise, têm sido utilizadas como uma alternativa legítima para a defesa da indústria doméstica que sofre com exportações a preços de dumping, ou seja, quando as importações de um determinado produto chegam a um determinado país com preços inferiores àqueles praticados no mercado interno do país exportador. As medidas antidumping se materializam, após a condução de uma investigação, com aplicação de uma sobretaxa ao imposto de importação. Esta poderá ser aplicada por meio de uma alíquota específica ou ad valorem sobre o valor do produto importado.

Sua frequente utilização deve-se aos seguintes fatores: (i) serem permitidas pelas normas da OMC, desde que cumpridos os requisitos aplicáveis; (ii) caracterizarem-se pela natureza privada, tendo em vista que é uma empresa ou um conjunto de empresas que solicitará (ão) a abertura de uma investigação; e (iii) seletividade, uma vez que a investigação deve especificar e se limitar ao produto e ao país que está praticando o dumping. Essas características restringem o seu alcance como uma medida protecionista e, em sendo assim, minimizam possível resistência por parte dos países que sofrem com a aplicação dessas medidas.

Nesse cenário, vale relembrar que a crise russa culminou com o início de 366 investigações em 2001, e, desde então, é possível observar uma queda no número de investigações. Entretanto, o número de investigações, em 2008, voltou a crescer, aumentou 27% em relação ao ano anterior, atingindo 207 novas investigações. Este comportamento revela uma tendência, pois, segundo o último relatório da OMC, foram estimadas a abertura de 77 novas investigações antidumping até 19 de junho de 2009.

No segundo semestre de 2008 foram iniciadas 120 investigações antidumping, com destaque para os seguintes setores: metal de base (43 investigações), químico (22), têxtil (19), plásticos (14) e máquina e equipamentos elétricos (7). Naquele semestre, o Brasil figurou como o segundo maior usuário de medidas antidumping, com 16 novas investigações iniciadas, 8 a mais que no segundo semestre de 2007 e apenas atrás da Índia, com 42 novas investigações iniciadas. Destaque também para a Argentina que ficou em 3º lugar, com 11 investigações iniciadas.

Atualmente, 26 investigações antidumping estão sendo conduzidas no Brasil. Produtos originários da: China, Estados Unidos da América, Índia, Bangladesh, Argentina, Chile, Áustria, Equador, Peru, Indonésia, Tailândia e Taiwan, poderão ser afetados pela aplicação de direitos antidumping. Estas investigações abrangem uma ampla gama de produtos, tais como: calçados, pneus, resinas de polipropileno, fios de viscose, cobertores, resina de PET, canetas esferográficas, entre outros.

Por outro lado, o grande destaque entre os países que sofrem com aplicações de medidas antidumping é a China que, entre 1995 e 2008, sofreu com a aplicação de 479 medidas, sendo que o Brasil aplicou 38 dessas. Esta tendência não deve parar por aí, uma vez que a forte política de subsídio às exportações chinesas, reforçada pelo anúncio de redução de imposto de exportação de cerca de 600 artigos, bem como a queda na demanda por produtos nos Estados Unidos da América e na União Europeia deverá deslocar as exportações chinesas para os países em desenvolvimento com grandes mercados consumidores, como o Brasil.

A China também ganha destaque como alvo das medidas antidumping por ser autorizada pelas regras da OMC e ser tratada como uma economia não predominantemente de mercado por diversos países até o ano de 2016. Isso significa dizer que o país que aplica uma medida antidumping poderá desconsiderar os preços praticados no mercado interno chinês, elegendo um terceiro país, para realizar a comparação deste preço com o preço exportação que o determinado produto chega ao país investigador.

Como vimos, o Brasil aparece como um importante aplicador dessas medidas. Entretanto, é importante notar que também temos sido alvo dessas medidas. Nesse aspecto, vale destacar que a Argentina, somente este ano, iniciou cinco investigações antidumping que incluem o Brasil como país alvo. Estas investigações poderão afetar os setores têxtil, de talheres, de eletroportáteis no segmento de aparelhos multiprocessadores de alimentos, de tintas para impressão e de compressores de gases.

Apesar dos altos custos e complexidade, muitos países optam por contestar as medidas antidumping a eles aplicadas diante da OMC. Desde o estabelecimento da OMC, 60 disputas foram originárias de investigações antidumping. Essas disputas surgem em função das divergências quanto ao cumprimento adequado das regras estipuladas no Acordo antidumping, em especial às que dizem respeito ao devido processo legal e à discricionariedade que o referido acordo confere às autoridades no procedimento investigatório.

Portanto, as medidas antidumping têm ganhado destaque entre os países aplicadores, principalmente em momentos de recessão, pelas suas próprias características que delimitam o seu alcance como uma medida de defesa comercial legítima, ao contrário de outras medidas que usualmente estão sendo adotadas. Tratando-se de medida de defesa comercial legítima, estas investigações antidumping devem observar as normas aplicáveis, com destaque para as relativas à publicidade, transparência, contraditório e devido processo legal.

Cinthia Battilani e Fernando Bueno são integrantes da equipe da equipe de comércio internacional do Demarest e Almeida Advogados



Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar