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Mercado externo cria emprego, mas ninguém liga

Veículo: Estadão
Seção: Economia & Negócios
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Alberto Tamer*

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O Brasil tem um novo desafio que ainda hesita em enfrentar: exportar mais. Mas está exportando menos. Não se trata apenas de manter o superávit comercial, que definha, ou evitar um déficit. Isso está sendo resolvido pela entrada de investimentos externos e o aumento das reservas cambiais já se aproxima de US$ 250 bilhões. O desafio é fazer com que esses investimentos criem empregos para crescer sem depender excessivamente da expansão do mercado interno. Afinal, ele está sendo sustentado por uma política fiscal e anticíclica de incentivos fiscais e tributários acertada sim, mas certamente terá de ser afrouxada no próximo ano, inevitável diante de um quadro fiscal cada vez mais delicado.

Estou exagerando? Pois sim! Sabem quantos empregos diretos e indiretos foram criados em 2008 pela produção de bens para exportação? Tomem nota: 4,8 milhões! Sim,tudo isso e pode até ter sido mais.Quem estima é o secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Welber Barral.

"De acordo com a metodologia do IBGE, na média, cada US$ 1 milhão exportado por empresas ligadas às atividades econômicas - como os setores agrícola, eletroeletrônico, químico e de mineração - gera 24 empregos diretos e indiretos no Brasil. Na mesma comparação, se considerarmos que o Brasil recebeu US$ 17,7 bilhões em investimentos estrangeiro até agosto, podemos vislumbrar a criação de 500 mil empregos, tendo em vista que 52,2% foram destinados à indústria no Brasil."

MAS AS EXPORTAÇÕES RECUAM!

Mesmo assim, as exportações estão recuando. Ou seja, é no mínimo ousado acreditar que os novos investimentos externos estão sendo aplicados em setores industriais voltados ao mercado externo. Aponta-se como causa a desaceleração do comércio mundial, o real valorizado. É isso, sim, mas, a verdade é que faltam estímulos especiais, como ao mercado interno, para que possamos competir num mercado mundial renascente e enfrentar países que ainda não saíram da crise e não têm espaço para crescer. (O desemprego deles é de quase 10%!)

O caminho que o próprio Ministério do Desenvolvimento reconhece com muita precisão é criar condições para que as empresas brasileiras exportem mais. Afinal, lá fora eles estão exportando subsídios, enquanto nós exportamos impostos.

Mas, mesmo assim estamos criando empregos, deve estar dizendo o leitor. Sim, mas é pouco, se consideramos que o mercado interno forçosamente irá desacelerar com a redução ou retirada dos incentivos fiscais.

EMPRESÁRIOS SE ACOMODAM

Mais sério é que as empresas brasileiras estão preferindo voltar-se ao mercado interno, pois é mais fácil e estimulado pelo governo; preferem isso a lutar lá fora num mercado restrito, com competição crescente, intensa e riscos. Em 2008, exportamos o equivalente a US$ 197,8 bilhões. Neste ano, mesmo com sinais de recuperação do comércio mundial, "seguramente as exportações serão inferiores a US$ 160 bilhões". "Levaremos de dois a três anos para chegar ao nível do comércio de 2008", prevê Welber Barral. São milhões e milhões de empregos perdidos e a busca crescente do consumo interno, gerando pressões sobre a a inflação.

Barral não mostra desânimo - muito ao contrário, o Ministério do Desenvolvimento está lutando como um leão para aumentar as vendas externas! - mas registra: "Muita gente não se convenceu da importância do comércio exterior. Tanto governo quanto empresas precisam fazer um esforço para reduzir os custos".

Há um efeito inegável das exportações na criação de empregos em toda a cadeia produtiva, no efeito-renda e têm uma incontestável dimensão qualitativa dos produtos vendidos no exterior, diz ele. "As empresas exportadoras pagam salários que ficam acima da média nacional, investem na qualificação de funcionários, além de exigirem profissionais capacitados e de alta produtividade." É o que mercado externo qualificado exige. E nós estávamos atendendo bem. Não estamos mais, como antes.

QUEREM O MERCADO INTERNO

Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet, reconhece que o investimento direto estrangeiro (IDE) está entrando no Brasil atraído pelo potencial do mercado doméstico. Mas, ressalva ele, isso não significa que não favoreça as exportações. "Ao contrário, no mundo, o porcentual de IDE voltado a setores industriais e produtores de bens comercializáveis é pouco superior a 30%, e em declínio. No Brasil, observa-se situação inversa: 52% dos investimentos que entraram este ano foram para setores industriais, ante 32% em 2008. Ou seja, há uma parcela crescente de ingressos de IDE nesses setores", diz Lima. Ele observa que não apenas em termos relativos, mas também absolutos, os fluxos para estes setores vêm aumentando. De fato, nos primeiros meses deste ano os fluxos de IDE para estes setores foi de US$ 9,1 bi, ante US$ 8,5 bi no mesmo período do ano passado.

DÁ PARA CONFIAR?

No fundo, não. E simplesmente pelo que Nelson Rodrigues chamava de "óbvio ululante": "As empresas investem onde há mercado para sua produção, onde podem vender mais. E isso, no Brasil, só está ocorrendo num mercado interno anabolizado pelos incentivos do governo. Só se voltarão ao mercado externo se forem estimuladas, ao contrário do que acontece hoje, não sejam criados obstáculos. Não estamos fazendo isso. É evidente, mas parece que o óbvio ululante em Brasília não é tão ululante...

*Email: at@attglobal.net


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