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Economia global volta a crescer, mas exige cautela

Veículo: Valor Econômico
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Krishna Guha


A economia mundial bateu no fundo do poço e está saindo da recessão com mais vigor inicial do que muitos julgavam possível, preparando o palco para um aquecido terceiro trimestre em praticamente todos as regiões do mundo.

Assim como a atividade econômica caiu sensivelmente no mundo inteiro após a crise do Lehman, em setembro de 2008, a primeira fase da recuperação parece notavelmente sincronizada, pois as economias estão esquentando simultaneamente pelo mundo.

Entretanto, discute-se acaloradamente se essa vitalidade pode se sustentar. Os ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais que vão se reunir nesta semana na cúpula do G-20, em Londres, estão cautelosos. Embora as bolsas de valores tenham tido grande alta recentemente, o rendimento de títulos permanece baixo, sugerindo que investidores em renda fixa veem um longo caminho até a recuperação plena. Mas não há como negar a inesperada e vigorosa retomada em âmbito mundial.

"A zona do euro provavelmente terá crescimento acima da tendência, juntamente com os EUA, Japão e economias emergentes" - um fenômeno raro nos primeiros estágios de uma recuperação, diz Bruce Kasman, do JPMorgan Chase.

Tudo indica que, em termos anualizados (isto é, projetando a taxa trimestral para todo o ano), no terceiro trimestre os EUA crescerão em torno de 3,5%; a Alemanha, até 4%; e o Japão, uns 3,2%.

A zona do euro deverá crescer a uma taxa anualizada superior a 2%, e o Reino Unido, embora retardatário, deverá ter algum crescimento. A China deverá crescer a uma taxa de cerca de 10%, mas a Índia será freada devido a fracas chuvas na estação das monções.

Nos EUA, como em outros países, as empresas parecem estar recompondo seus estoques, após as liquidações arrasadoras deste ano. A produção de automóveis aqueceu-se novamente, devido ao sucesso do esquema de troca subsidada de carros velhos por novos.

Os gastos do governo estão aquecendo a demanda, o mercado habitacional parece estar em inflexão e o mais recente relatório sobre venda de bens duráveis sugere que o investimento das empresas também pode estar crescendo.

"Nos EUA, todos os sinais, exceto indicadores de gastos do consumidor, apontam para uma recuperação vigorosa", disse Christian Broda, da Barclays Capital.

A China, que liderou a saída do mundo da recessão, teve uma notável recuperação, de crescimento quase zero no quarto trimestre do ano passado para estimados 17% de crescimento anualizado no segundo trimestre deste ano.

A recuperação chinesa foi consequência de estímulo fiscal e da enxurrada de empréstimos bancários induzidos pelo governo, o que triplicou os novos empréstimos na primeira metade do ano em comparação com o mesmo período em 2008 - embora essa explosão do crédito esteja sendo freada.

"A reação oficial à crise deu algum tempo ao governo, ao permitir que a China evitasse um derretimento da economia e mantivesse as engrenagens girando", disse Arthur Kroeber, da Dragonomics.

O outro gigante asiático emergente, a Índia, sofreu o impacto das chuvas insuficientes. Embora a produção industrial, as vendas de veículos e a confiança empresarial estejam em alta e o governo esteja gastando 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em estímulo fiscal, o efeito sobre o setor agrícola provavelmente comprometerá o crescimento no segundo semestre deste ano. Entretanto, isso terá influência relativamente pequena sobre as condições mundiais.

O Japão está se beneficiando de um reaquecimento dos fluxos comerciais, especialmente na Ásia, e deverá ter um bom terceiro trimestre. O volume das exportações cresceu 2,3% em julho, puxado por vendas de carros e de componentes para motores, para atender a demanda chinesa induzida pelo estímulo governamental. "Parece provável que a contribuição das exportações líquidas para o crescimento do PIB no terceiro trimestre chegará perto do crescimento anual de 6,5 pontos percentuais, trimestre sobre trimestre, registrado no segundo trimestre", disse Richard Jerram, da Macquarie.

Na Europa, o indicador de expectativa econômica da Comissão Europeia (CE) para os 16 países da zona do euro prosseguiram, em agosto, sua recuperação em forma de V, segundo dados divulgados na sexta-feira. A recente recuperação "cria alguma confiança de que as perspectivas poderão revelar-se um pouco melhores do que o contemplado quando estávamos no abismo", disse Jacques Cailloux, do Royal Bank of Scotland.

A reversão na Alemanha foi particularmente notável. Até agora, a retomada foi energizada por gastos governamentais e os incentivos à compra de automóveis. Mas as exportações voltaram a crescer vigorosamente, partindo de níveis baixos.

Comparativamente, o Reino Unido está atrasado, mas o crescimento britânico também parece estar saindo do vermelho. Alan Clark, do BNP Paribas, diz que duas pesquisas com gerentes de compras entraram decisivamente em território de crescimento. "Isso está acontecendo cerca de nove a 12 meses antes do que eu previa."

Além disso, o mercado imobiliário britânico parece estar se estabilizando antes do que muitos economistas acreditavam, devido ao financiamento mais barato. "Os mercados habitacionais são uma área onde estamos realmente surpresos", diz Vicky Redwood, da Capital Economics.

Muitos analistas temem que o ímpeto mundial não será sustentado. Os gastos do consumidor americano (exclusive compras de carros) continuam muito fracos, e a renda mal está crescendo, em meio a cortes de postos de trabalho e fraco crescimento salarial.

O boom de crédito na China está sendo contido, e o mercado acionário chinês caiu 18% em relação a seu pico em agosto, em meio ao temor de que o país poderá cair para um ritmo de crescimento mais lento. Kroeber disse que, se o governo não seguir em frente com reformas estruturais, "a taxa de crescimento seguirá mais lenta".

O Japão (e até certo ponto a Alemanha) parece ainda confiante nas exportações. O desemprego recorde no pós-guerra e a renovada deflação - heranças do brutal choque no fim do ano passado - sugere que a demanda interna permanecerá anêmica.

Em muitas economias, inclusive na zona do euro e no Reino Unido, perduram temores com o aperto de crédito. Os bancos continuam frágeis, ao passo que os mercados americanos de crédito securitizado continuam em níveis de atividade muito abaixo do pré-crise.

Além disso, embora o estímulo fiscal vá assegurar apoio ainda em 2010, a demanda do setor privado terá de assumir seu papel de liderança, e continua incerto quando e como isso acontecerá.

Ainda assim, otimistas argumentam que as perspectivas são sempre nebulosas no início de uma retomada, e que o caráter mundial sincronizado dos primeiros passos da recuperação aumentam a probabilidade de que a recuperação se revele sustentável.



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