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Não é hora de mexer no câmbio, avalia Eris

Veículo: Valor Econômico
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O ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris recomenda cautela aos que propõem intervenções no câmbio para deter a trajetória de valorização do real. Para ele, o momento não é adequado para esse tipo de mudança na política cambial. A questão, segundo Eris, é que a situação da economia global continua incerta, o governo Lula está próximo do fim e haverá uma transição no BC, uma vez que Henrique Meirelles deve sair da instituição para se candidatar a algum cargo público em 2010. Para nossa grande sorte, o Brasil é visto como um país melhor posicionado nesta crise. Eu teria medo de qualquer coisa que pudesse mexer com isso neste momento.

Apesar dessa análise, Eris pede para não ser mal entendido. Quando eu recomendo cautela, não é porque eu ache que o câmbio não pode vir a ser um problema, afirma ele, presidente da Eris Consultores. Segundo Eris, um dólar barato por muito tempo sem duvida influencia decisões empresariais, e não apenas de quem exporta, mas de qualquer companhia que tenha potencial de competição com o exterior.

Se o câmbio fica muito valorizado por um periodo prolongado, isso efetivamente altera a estrutura da economia, a relação entre tradables os bens comercializáveis internacionalmente e non tradables, entre commodities e indústria, diz Eris, para quem a preocupação que uma ala de economistas expressa em relação à valorização do câmbio tem razão de ser.

O ex-presidente do BC diz que há mecanismos que podem influenciar a taxa de câmbio, como fazer com que alguns fluxos externos sejam fechados diretamente no BC, sem passar pelo mercado. Intervenções menos previsíveis no câmbio também poderiam funcionar. Já a cobrança do imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações de renda fixa é vista com mais reservas, porque tenderia a provocar distorções na curva de juros. Mas a questão é que qualquer tentativa de sustentação do câmbio vai significar uma mudança nas regras, e eu tenho minhas dúvidas se este momento é adequado para fazer mudanças nas regras do jogo, resume ele, que acrescenta outro motivo para prudência: apesar da tendência de apreciação do real, há incertezas quanto à velocidade com que isso vai ocorrer. O dólar subiu para R$ 2,50 e voltou para R$ 1,85. Esse é um fato um pouco diferente de dizer que agora vai para R$ 1,50.

Tradicional crítico do nível dos juros, Eris afirma que, desta vez, o diferencial entre as taxas externas e internas não é o principal motivo para explicar a queda do dólar. Para ele, um ponto importante é que o real se valorizou tanto, porque tinha se desvalorizado exageradamente. No auge da crise, os mercados globais avaliaram erradamente as perspectivas da economia brasileira, subestimando uma barbaridade o potencial do Brasil e os estoques do país em termos de reservas, diz Eris. A forte valorização recente é, em parte, uma correção desse erro.

Outro motivo é que, com as perspectivas pouco favoráveis para a moeda americana, os investidores passam a buscar outras divisas, como o real, que passa a ser visto como um porto seguro para determinadas circunstâncias. Quando as coisas começam a melhorar, um dos primeiros mercados que o mundo olha é o Brasil. Nós temos que admitir que o Brasil é outro país, diz Eris, para quem a economia brasileira deverá crescer 4,5% no ano que vem, podendo até chegar a 5%. Sobre o Brasil, eu estou na ala otimista. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Por que o câmbio voltou a se valorizar com tanta força?

Ibrahim Eris: Primeiro, o real se valorizou tanto porque tinha se desvalorizado exageradamente. Num primeiro momento, os mercados globais entraram em pânico. Havia uma dúvida sobre a capacidade de os países emergentes se protegerem da situação econômica, que foi muito grave, e houve um ataque contra as moedas de países que foram julgados como potencialmente vulneráveis à crise. A impressão de vulnerabilidade derivava um pouco da experiência passada. No caso de um país como o Brasil, reconhecidamente dependente de commodities, havia também a ideia de que os preços desses produtos despencariam, como despencaram, o que poderia criar uma situação de crise, até eventualmente cambial. Foi uma avaliação totalmente errada, que subestimou uma barbaridade o potencial do Brasil e os estoques do país em termos de reservas. A perda de reservas foi muito pequena. A economia brasileira também mostrou que é dependente de commodities, mas é muito mais diversificada. A valorização posterior do real foi uma correção desse erro. Além disso, houve a demonstração de que o Brasil é um outro país, de que o que foi feito nos últimos 20 anos transformou a economia, que é muito mais sólida.

Valor: O que mais levou à valorização do câmbio?

Eris: A segunda coisa é que, depois que esse pânico inicial passou, os investidores começaram a analisar as perspectivas dos países no futuro. A economia americana tem sérios problemas. Os instrumentos utilizados para combater essa situação criam incertezas sobre o futuro da moeda dos EUA, especialmente por causa do alto nível de liquidez injetada na economia e do déficit fiscal enorme. Isso criou uma ideia de que algumas moedas, entre elas o real, talvez sejam mais seguras do que outras, como o dólar. O real virou também uma espécie de moeda de...

Valor: .... de reserva de valor?

Eris: Por que não dizer isso? Ele virou de fato uma moeda conversível, um porto seguro para determinadas circunstâncias. Há também um terceiro fator, que é um dos motivos pelos quais a crise aconteceu efetivamente. É um desequilíbrio global que ainda não foi resolvido: a questão China x resto do mundo. Apoiada numa altíssima taxa de poupança, a China tem um elevado superávit em conta corrente. De algum modo, isso tem que ser partilhado pelo mundo. Na partilha anterior à crise, um grande pedaço disso quem pegava eram os EUA, que chegaram a ter um déficit em conta corrente de 6,5% do PIB. Esse desequilíbrio foi um dos pilares que criaram a crise, que não foi apenas uma questão ligada a derivativos, à falta de regulação do mercado financeiro. O equacionamento desse desequilíbrio poderia ser feito de diversas maneiras. Os EUA, tendo uma recessão forte, poderiam reduzir o déficit em conta corrente e, crescendo menos do que antes, diminuiriam esse déficit. Se a China valorizasse a moeda, subindo a taxa nominal, poderia ser uma solução. Mas, com ela mantendo a taxa desvalorizada, o que tem que ocorrer? Outras moedas têm que se valorizar em relação ao dólar. Num certo sentido, nós pagamos parte do custo dos pecados dos EUA e da China, como esta teimar em manter o câmbio desvalorizado.

Valor: E o diferencial entre os juros externos e internos?

Eris: Neste episódio, o diferencial de juros contribuiu pouco, embora sem dúvida também influencie o movimento. Eu às vezes leio artigos de um lado que dão a impressão que o diferencial de juros não tem nada a ver com o câmbio. De outro lado, parece que o diferencial de juros explica todo o movimento. Não é uma coisa nem outra. E nós vamos ter que aceitar uma ideia. Quanto melhor a economia, mais valorizada a moeda resultante disso. Você pode combater isso, como a China combate. Uma vez que nós mais ou menos deixamos as forças de mercado operar livremente, a nossa moeda vai se valorizar à medida que o Brasil melhore. O mundo olha oportunidades de investimento e de aplicação no Brasil com melhores olhos. Quando as coisas começam a melhorar, um dos primeiros mercados que o mundo olha é o Brasil. Nós temos que admitir que o Brasil é outro país.

Valor: O BC poderia ter baixado mais os juros?

Eris: Pedir hoje ao BC que baixe mais rapidamente os juros é um pouco perigoso, sinceramente. Já houve uma substancial redução dos juros. Pode-se argumentar se poderia ter sido feito antes e mais rapidamente, mas não vou entrar nessa discussão agora. A questão é que a redução foi feita e uma parada neste momento é perfeitamente aceitável e desejável. Nós não podemos pedir que os juros sejam exclusivamente dirigidos por considerações quanto ao câmbio. Eu fui muito crítico do nível dos juros por muito tempo, mas tenho também que admitir que, quando chegam a um determinado patamar, é necessário olhar com mais cuidado. Há implicações sobre a atividade econômica, sobre a inflação.

Valor: Há instrumentos para deter a valorização do câmbio?

Eris: Há quem defenda a ideia de que não há como influenciar o câmbio nominal. Eu já li alguns bons analistas transmitindo a ideia de que não adianta, de que o dólar vai cair de qualquer jeito. Por que não ocorre isso na China, ou na Argentina? É claro que o BC sempre pode influenciar a taxa de câmbio nominal. A taxa real é outra coisa, mas há vários instrumentos para influenciar a taxa nominal. Uma possibilidade é fazer algumas operações serem liquidadas automaticamente no BC, sem passar pelo mercado. Isso faria o mercado ficar mais equilibrado, um pouco apertado em termos de dólares, e o BC reverteria o seu papel. Em vez de comprar o excesso, ele administraria a eventual escassez. Mas nós temos que pensar bem nessas medidas. Quando se fala em cobrar um imposto, como o IOF, na entrada de capitais, é importante colocar no papel como vai funcionar, ver quais são as implicações sobre a curva de juros. E é difícil implementá-las sem distorcer as curvas de juros.

Valor: E o sr. acha que é o momento de intervir no câmbio?

Eris: Qualquer tentativa de sustentação do câmbio vai significar uma mudança nas regras, e eu tenho minhas dúvidas se este momento é adequado para fazer mudanças nas regras do jogo. Nós estamos vivendo um momento muito incerto, muito delicado na situação global. Para nossa grande sorte, o Brasil é visto como um país melhor posicionado nessa crise. Eu teria medo de qualquer coisa que pudesse mexer com isso neste momento. A segunda coisa é que nós estamos no fim de um governo. Sempre surgem ideias de que, no fim de um governo, as decisões tomadas são eleitorais. Não estou dizendo que até agora foi o o que ocorreu, embora eu veja alguma coisa disso no lado fiscal. Nós temos também um presidente do BC que, potencialmente, vai ser candidato nas eleições do ano que vem.

Valor: Em abril de 2007, o sr. disse ao Valor que o BC poderia ter uma postura menos previsível, mais errática, o que poderia ajudar a deter a valorização do câmbio. Essa sugestão continua válida?

Eris: Eu falei isso numa outra situação. Acho de fato que o BC, com uma atuação que seja menos previsível, poderia influenciar o câmbio. Mas, neste momento, eu não sei se a previsibilidade do BC não é um ativo para o país, em vez de ser um passivo. Este é um momento delicado. Enquanto o presidente do BC, Henrique Meirelles, ficar no cargo ele vai ser questionado, porque poderá ser candidato. Quando ele sair, vai haver o questionamento se o BC terá o mesmo o prestígio, a mesma independência, porque quem o substituir vai ser percebido como alguém que vai ficar por um período curto. O mundo está complicado, o Brasil vai viver um momento delicado, e a política fiscal brasileira deverá ser questionada ao longo de 2010, como já está sendo. Acumular fatores que deem a impressão de que o Brasil está mudando a política econômica não é desejável. Mas não me entenda mal. Quando eu recomendo cautela, não é porque eu ache que o câmbio não pode vir a ser um problema. A questão é que o momento não é o ideal para discutir mudanças na política econômica.

Valor: Qual o impacto sobre a economia de uma taxa de câmbio muito valorizada?

Eris: Uma coisa importante no caso dos salários, do câmbio e dos juros é que eles têm impactos duradouros sobre a economia. Eles são muito poderosos, especialmente a dupla juros e câmbio. O câmbio valorizado por períodos muito prolongados sem dúvida influencia decisões empresariais. É uma das variáveis que as empresas analisam. E eu não estou falando apenas dos exportadores, mas de qualquer setor que tenha potencial de competição com o exterior, direta ou indiretamente. Se o câmbio fica muito valorizado por um periodo prolongado, isso efetivamente altera a estrutura da economia, altera a relação entre tradables e non tradables, entre commodities e indústria. A preocupação que uma ala de economistas está externando em relação à valorização excessiva do câmbio tem razão de ser. Talvez eles o façam de modo muito entusiástico, mas a preocupação tem razão de ser.

Valor: Quais as implicações negativas que uma mudança no câmbio pode causar ao país?

Eris: Há uma real possibilidade de ter continuidade no governo, no sentido de Dilma Rousseff ministra da Casa Civil, ou quem quer seja, substituir Lula. Qualquer conjunto de atos que seja percebido pelo mercado como uma mudança de política econômica será projetado para o próximo governo. É necessário tomar cuidado. Já existe a questão da política fiscal. O mundo tem sido muito tolerante com a nossa política fiscal neste momento, porque a identifica como uma política expansionista, mas nós sabemos que ela não é. A menos que nós revertamos essa tendência, essa tolerância vai virar intolerância rapidamente quando passar o momento de dificuldade na economia global. Está na hora de ser um pouco mais conservador.

Valor: O sr. acha que o câmbio vai se valorizar rapidamente?

Eris: Vamos ver os fatos primeiro. Há uma ideia de que o câmbio vai continuar a se valorizar. A época é muito incerta para fazer essas afirmações com tanta convicção. Eu não estou convencido disso. Não estou dizendo que o câmbio vai se desvalorizar, acho que a tendência é mesmo de valorização, mas vamos ver com que velocidade vai ocorrer. O dólar subiu para R$ 2,50 e voltou para R$ 1,85. Esse é um fato um pouco diferente de dizer que agora vai para R$ 1,50.

Valor: Quais as perspectivas para a economia no segundo semestre deste ano e para o ano que vem?

Eris: Sobre o Brasil, eu estou na ala otimista. A mistura de sorte e competência nos colocou num trilho de saída da crise com razoável rapidez, de um modo saudável. Nós não precisamos fazer grandes estragos nas nossas políticas monetária e fiscal, ainda que eu tenha restrições a esta última. A economia está intacta e saindo da crise.

Valor: O que foi sorte e o que foi competência?

Eris: A sorte foi que a crise nos pegou num momento em que, por n motivos, nós tínhamos acumulado um nível elevado de reservas. Além disso, como nós vínhamos de um ciclo de aumento dos juros, então o espaço para reduzi-los foi maior. Isso reverteu as expectativas com mais força. Por fim, nós já estávamos embutindo na política fiscal uma trajetória expansionista por outros motivos que não tinham nada a ver com a crise. Mas o BC e o governo em geral atuaram com competência. O discurso de Lula, nesse caso, mesmo com aquele jeito dele, foi efetivo. Impressionou o grande público. O BC operou muito bem as expectativas, com uma mistura de cautela e ativismo, por meio da redução dos compulsórios e das medidas de financiamento à exportação e dos vencimentos de dívidas lá fora. Mesmo que não tenham sido muito utilizadas, elas estavam disponíveis. Quando os bancos menores tiveram problemas, o BC operou bem, cirurgicamente. As reduções do IPI feitas pela Fazenda também foram bem feitas, foram até imitadas por outros países. O governo foi para o cerne da economia manufatureira e pegou o que tem mais links para frente e para trás, como a indústria automobilística. Perdeu-se receita, mas foi o estímulo que a economia precisava.

Valor: A economia pode crescer 5% no ano que vem?

Eris: Pode. Eu estou trabalhando com 4,5%, mas pode ser 5%. Neste ano vai ser em torno de zero, não há mais jeito, mas eu sou da ala otimista em termos de crescimento em 2010. Há impulsos que já foram injetados na economia. Há o driver monetário e o fiscal, além da dinâmica positiva que se criou.

Valor: Quais fatores jogam contra um crescimento mais forte?

Eris: Um é o setor externo, especialmente as exportações. Se de um lado eu sou otimista em relação à economia brasileira, eu sou razoavelmente cauteloso sobre o resto do mundo. A recuperação da economia americana será muito lenta, assim como na Europa. Eu trabalho com um cenário no qual não haverá um segundo mergulho, mas acho que é mais provável uma lenta e gradual recuperação global, que não vai permitir às exportações um dinamismo forte. A segunda fragilidade são os investimentos. O governo não consegue engrenar nos investimentos e o setor privado, com razão, está muito cauteloso. A utilização de capacidade é baixa, o quadro econômico é grave e o comércio global ainda está em colapso. Não é possível esperar uma recuperação rápida dos investimentos.



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