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Complexidade e insegurança jurídica

Veículo: Diário da Manhã
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 13 de agosto último que a vigência do crédito-prêmio do IPI, benefício fiscal criado em 1969, se extinguiu em 1990. As empresas exportadoras entendiam que o mecanismo nunca foi extinto, ou seja, ainda estaria em vigor e gerando créditos que poderiam ser abatidos no pagamento do IPI no mercado doméstico.

O crédito-prêmio do IPI é, seguramente, a maior de todas as disputas tributárias do País. Foi um dos principais esqueletos retirados dos armários da lodosa burocracia tributária e do gongórico cipoal jurídico brasileiros. O imbróglio envolvendo esse benefício não teria ocorrido se o Brasil tivesse um sistema tributário menos complexo, se as pessoas valorizassem o pragmatismo das soluções simples e objetivas e se reconhecessem que é sempre melhor chegar a um acordo do que persistir em uma demanda judicial.

O acordo ao qual me refiro poderia ter sido obtido a partir da emenda à MP 460/09 (PLC 12/2009), aprovada no Congresso, que sensatamente solucionaria essa questão que se arrastou durante anos. A decisão do STF pode inviabilizar muitos exportadores.

O crédito-prêmio do IPI, benefício fiscal criado há 40 anos com o objetivo de estimular as exportações, é um método de rebate semelhante ao détax francês, ao reintegro argentino ou aos mecanismos de devolução de tributos usados na China e por muitos outros países em todo o mundo. Nada a estranhar, pois é amplamente conhecido e aceito pela Organização Mundial do Comércio, órgão regulador do comércio internacional planetário. Através desse mecanismo, os exportadores brasileiros utilizavam 15% do valor das vendas externas para deduzir do IPI devido sobre as operações no mercado interno.

Em 1979, dez anos após a instituição do crédito-prêmio do IPI, dois decretos-leis determinaram que o incentivo fosse extinto em junho de 1983. No mesmo ano, e novamente em 1981, outros dois decretos-leis trataram do benefício, sem mencionar seu prazo de vigência. Ambos definiram competências ao ministro da Fazenda para alterá-lo. Estava preparado o angu. Os tribunais entenderam que os dois últimos decretos-leis seriam inconstitucionais, e surgiu a questão sobre qual seria o prazo de validade do benefício aos exportadores.

Num primeiro momento, o Judiciário acolheu a validade do crédito prêmio sem qualquer restrição temporal. Esse posicionamento se manteve até 2004, quando a data de vigor do benefício retroagiu para 1983. Porém, em 2006 uma nova posição foi adotada pelo Poder Judiciário, que passou a entender que sua vigência se deu até o ano de 1990. Esse impasse perdurou até agosto deste ano, quando o STF votou favoravelmente à União.

No momento em que o Brasil atinge grau de investimento e se torna uma alternativa atraente para investidores internacionais, teria sido mais conveniente ter colocado uma pedra sobre essa questão através de um acordo entre governo e contribuintes. Desta forma, poderíamos ter mostrado ao mundo que o País aprendeu com os erros do passado e espera não repeti-los. Mas há quem prefira manter as feridas abertas e escancarar aos investidores nossas fraquezas institucionais, como a absurda insegurança jurídica.

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas



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