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País precisa aprender a poupar, diz Barros

Veículo: Folha de S. Paulo
Seção: Dinheiro
Página:

Para economista e diretor do Bradesco, Brasil tem oportunidade histórica de desenvolvimento se não se acomodar

Octavio de Barros não vê uma ruptura drástica na economia global pós-crise e diz que "todos querem" investir no "Brasil Novo"

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O economista Octavio de Barros, diretor de Pesquisas Econômicas do Bradesco, diz que o Brasil tem uma oportunidade histórica de se tornar um país desenvolvido num horizonte de 25 anos.
"Precisa querer. Pode ser que não queira, se achar que essa conquista é uma questão de destino já traçado... Se o país simplesmente achar que vai surfar na onda do mundo e não tiver sentido de urgência, poderemos nos frustrar muito e desperdiçar uma bela janela de oportunidade", afirma o economista do Bradesco.
"Pela primeira vez em muitos anos de carreira como macroeconomista, começo a receber consultas de grandes empresas estrangeiras solicitando cenários com horizonte de dez anos ou mais para a economia brasileira", afirma Octavio de Barros.
Para ele, se a China precisa aprender a consumir, "o Brasil precisa aprender a poupar".
O economista acha ainda que a crise global não trouxe uma ruptura do modelo econômico, como alguns chegaram a dizer no início.
Leia trechos da entrevista.

FOLHA - Há ainda temor de rupturas na economia mundial?
OCTAVIO DE BARROS -
Não acredito nisso. Concordo que tem gente ainda achando que o mundo pós-crise é o reverso do mundo pré-crise. Eu tenho uma visão diferente. Não vejo ruptura. O que muda e que não tem nada de ruptura é que o mundo crescerá a partir do ano que vem um pouco menos do que a média histórica e bem abaixo dos anos dourados 2003-2007 simplesmente porque o crédito global será menos abundante. Nada mais do que isso. O mundo não mudou nada, exceto a exigência de melhor regulação bancária e do maior foco que passa a ser dado à gestão do risco. A dinâmica da economia global é rigorosamente a mesma, e agora já estamos em processo lento de recuperação de economias que reagem bem aos incentivos dados no auge da crise. Vejo apenas a confirmação de tendências que já estavam delineadas antes da crise: a China exerce papel fundamental de nova locomotiva. Bem antes da crise, o eixo vibrante do capitalismo vinha se deslocando da América para a Ásia, e alguns países como o Brasil pegam carona.

FOLHA - E o crescimento brasileiro?
BARROS -
Os dados do segundo trimestre são positivos, mas talvez frustem um pouco quando divulgados porque o comércio está vindo bastante bem, mas a indústria está melhorando mais lentamente por causa da queda das exportações e dos investimentos. Acho que o segundo semestre vai surpreender para cima, e a indústria eliminará a ociosidade bem mais rápido que no resto do mundo.
Estamos trabalhando com um crescimento em torno de zero em 2009 (cenário base de -0,5%). Para o ano que vem, o crescimento projetado é de 4% com viés de alta. Na verdade, o que diferenciou países como o Brasil nesta crise foi a qualidade de seu sistema bancário e o fato de o crédito no varejo ter sofrido muito menos. O Brasil também está sendo beneficiado pela recuperação da Ásia, particularmente da China. O preço das commodities, ainda que tenha se ajustado bem, está em patamar similar ao do início de 2007, o que é muito bom.
Vejo o investimento direto de US$ 25 bi neste ano e algo acima de US$ 30 bi em 2010. O mundo quer ter exposição mais forte em Brasil. Isso vale tanto para investidores como para poupadores. Todos querem capturar esse suposto "Brasil Novo", e há recursos de todos os cantos identificando oportunidades únicas no Brasil.

FOLHA - O que os investidores procuram no Brasil neste momento?
BARROS -
O interesse é bastante amplo porque o Brasil é o país do mundo com a maior diversificação de commodities entre metálicas e agrícolas e possui o segundo mais diversificado tecido industrial dos emergentes depois da China. Duas outras coisas que jogam a favor do Brasil: todo mundo reconhece que o setor privado é de grande gabarito e que a democracia está consolidada. Pela primeira vez em muitos anos de carreira como macroeconomista, começo a receber consultas de grandes empresas estrangeiras solicitando cenários com horizonte de dez anos ou mais para a economia brasileira. O significado disso é intuitivo: as mais importantes empresas do mundo passam a ver o Brasil como uma economia com atributos diferenciados e com perspectivas inéditas e já fazem planos de longo prazo.
Tenho dito que o Brasil tem uma oportunidade histórica de se tornar um país desenvolvido num horizonte de 25 anos. Se tomar algumas atitudes rapidamente, tem chances de ser o próximo país a ingressar nessa categoria. Precisa querer. Pode ser que não queira, se achar que essa conquista é uma questão de destino já traçado.
Tudo vai depender de o país aprender a poupar recursos em vários sentidos. Para ser mais exato, o Brasil precisa aprender a poupar e cruzar os dedos para que a China aprenda a consumir no mesmo período, dada a complementaridade das duas economias. O Brasil precisaria radicalizar em três ou quatro grandes reformas estruturais (previdência, trabalhista, tributária e autonomia do Banco Central) e, com extrema determinação, redirecionar os investimentos públicos para infraestrutura e educação/inovação.
Claro, tudo isso tendo como pressuposto a manutenção de uma macroeconomia previsível e de políticas sociais de alta qualidade. O salto de produtividade seria simplesmente espetacular. Além disso, o Brasil tem a seu favor dois elementos: tende a se tornar superavitário estruturalmente na balança comercial com o pré-sal e com o aumento de preços relativos das commodities (população mundial alimentável passará de 6,7 bilhões para 8,3 bilhões em 2030) e o chamado bônus demográfico (se reduz a taxa de idosos e crianças sobre a população em idade de trabalhar, favorecendo a maior produtividade) nos próximos 25 anos.
Se perder a oportunidade histórica, seremos em 2035 um país de velhos sem Previdência, com baixo grau de educação e problemas sociais importantes.
Se fizer o que tem que ser feito com responsabilidade ambiental, o benefício será ainda mais inequívoco na qualidade de vida dos brasileiros. Mas, se o país simplesmente achar que vai surfar na onda do mundo e não tiver sentido de urgência, poderemos nos frustrar muito e desperdiçar uma bela janela de oportunidade.



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