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O retrato dos novos consumidores brasileiros

Veículo: Revista Exame
Seção:
Página: www.exame.com.br

O Brasil passa por uma transformação sem precedentes no perfil de seus consumidores -- são eles que ditarão as regras de um mercado próximo de chegar a 1 trilhão de dólares por ano
 
Germano Lüde
Por Fabiane Stefano, Larissa Santana e Marcelo Onaga
 
Com 190 milhões de habitantes espalhados no quinto maior território do planeta, o Brasil é saudado em seu hino como um "gigante pela própria natureza". Depois de uma longa e tenebrosa hibernação, parece que o gigante começou a se mexer -- e, quando um país desse tamanho resolve sair do lugar, a repercussão costuma ser mundial. É o que se vê atualmente. Crescimento econômico acima de 4% ao ano, multiplicação de empregos, acesso ao crédito e elevação da renda estão reproduzindo no país um fenômeno típico de sociedades avançadas: a criação de um mercado consumidor de massa, forte e cada vez mais complexo. Milhões de brasileiros têm aproveitado o bom momento da economia para experimentar, pela primeira vez, as delícias do consumo -- e legiões de outros esperam, ansiosos, a sua vez chegar. De acordo com um estudo feito com exclusividade para EXAME pelas consultorias Bain & Company, de estratégia empresarial, e Euromonitor, de pesquisa e inteligência de mercado, o consumo anual no Brasil deve crescer de 780 bilhões de dólares em 2007 para 1 trilhão em 2012. Com esse aumento -- de 220 bilhões de dólares --, o mercado brasileiro será o terceiro entre os que mais contribuirão para o crescimento do consumo no mundo nos próximos cinco anos, um adicional calculado em 3,5 trilhões de dólares. Segundo os especialistas da Bain e da Euromonitor, apenas Estados Unidos e China darão contribuições maiores. "O Brasil passa por um momento raro, com forte crescimento da classe média, e esse movimento deve se intensificar nos próximos anos", diz o americano John Naisbitt, pesquisador de tendências de consumo e autor do livro Megatrends. "É natural que uma população mais madura e com mais renda passe a ter acesso a mais e melhores bens e serviços."
O lado mais visível da transformação em curso é a recente escalada de uma massa de pessoas para classes superiores de consumo. A maior variação deu-se na faixa intermediária, a chamada classe C, com renda mensal entre 1 062 e 2 017 reais. De acordo com pesquisa realizada pelo instituto Ipsos para a financeira Cetelem, em apenas dois anos, de 2005 a 2007, um contingente de 23,5 milhões de pessoas passou a fazer parte desse estrato. Com esse deslocamento, a classe C tornou-se a maior em número absoluto de pessoas na pirâmide social brasileira, superando os 86 milhões do ano passado. Somada aos 28 milhões que formam as classes A e B, isso significa que já são 114 milhões os brasileiros que podem ser considerados consumidores. Outro estudo, da consultoria Value Partners, estima que, numa hipótese conservadora, o número de consumidores no país aumentará pelo menos 7,5 milhões até 2010. A ascensão de milhões de pessoas à classe C não é um fenômeno que se esgota em si mesmo. Mais pessoas consumindo na base significa que quem produz e vende -- normalmente aqueles que estão no topo da pirâmide social -- também tem mais chance de enriquecer. Essa progressão da renda é o único lado bom de eventos que viraram notícia nos últimos tempos -- como o caos nos aeroportos ou o virtual estrangulamento no trânsito de metrópoles como São Paulo. A frota de veículos no país aumenta 2,5 milhões por ano. E as viagens aéreas deixaram de ser artigo de luxo, premissa que anos atrás levou à criação da Gol e que hoje atrai novos nomes para o país, como a americana JetBlue. "Nos próximos cinco a sete anos o mercado brasileiro vai dobrar de tamanho", afirma David Barioni, presidente da TAM. Se Barioni estiver certo, o número de passageiros nesse período passará de 50 milhões para 100 milhões por ano. Segundo projeções da operadora de telefonia Vivo, até 2012 o número de celulares no país superará 200 milhões. Até lá, em média, cada brasileiro terá seu telefone móvel. Cifras de crescimento dessa magnitude são inimagináveis em mercados maduros, mas fazem parte do dia-a-dia dos negócios em países emergentes mais pujantes, como a China.
A estabilidade econômica mantida até agora é um dos pilares do atual vigor do mercado brasileiro. Preservá-la é condição para que as coisas continuem assim. O outro pilar, menos perceptível, é a transformação benigna da demografia do país. O Brasil vive hoje uma transição que a grande maioria dos países desenvolvidos já atravessou, resultado de mudanças que começaram a ocorrer seis décadas atrás. Nos anos 50, a população brasileira apresentava elevadas taxas de crescimento, fruto da combinação de uma natalidade alta com a redução da mortalidade infantil. A população crescia à média de 3% ao ano -- taxa que, nas décadas seguintes, caiu até o 1,4% atual. Se o ritmo de crescimento populacional daqueles anos fosse mantido por todo o período, em vez de 190 milhões de habitantes o Brasil contaria hoje com quase 270 milhões -- adicional equivalente a uma Alemanha ou duas Argentinas. Com a tendência de queda da fecundidade, o Brasil deverá alcançar o máximo de 264 milhões de habitantes em 2062 e daí em diante a população entrará em declínio.
AO MESMO TEMPO, A EXPECTATIVA DE VIDA NO PAIS cresceu da média de 51 anos em 1950 para quase 73 atualmente. Nesse ritmo de avanço, em 2050, ao nascer, os brasileiros terão uma esperança de vida de 81 anos -- mesma taxa hoje verificada entre os japoneses, o povo com a maior longevidade do mundo. A contínua queda da taxa de nascimentos e o aumento da expectativa de vida têm ampliado o peso dos adultos na população, criando um fenômeno demográfico favorável à economia do país: os brasileiros na faixa de idade mais ativa -- entre 15 e 64 anos -- já são dois terços da população total, uma proporção inédita na história. Até 2040, haverá acréscimo de 30 milhões de pessoas nessa faixa de idade produtiva. Conhecido como bônus demográfico, o fenômeno ocorre porque a força de trabalho cresce num ritmo maior do que a população que depende dela -- ou seja, crianças e idosos. Com menos dependentes, sobrarão mais recursos para que as famílias aumentem o nível de consumo e de investimento. "Essa situação favorece negócios dos mais diferentes setores", diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE. "O país e as empresas não podem desperdiçar este momento."


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