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Jaraguá cresce com design e formalização

Veículo: Valor Econômico
Seção: Capa
Página: A20

   

O ano de 2007 tem sido bastante positivo para a empresa de confecções Complemento. Integrante do arranjo produtivo local (APL) de Jaraguá, em Goiás, a companhia deve ver neste ano o faturamento crescer 25% e a produção, 20%, segundo o proprietário Gil Luciano de Castro Ribeiro. Como grande parte das empresas jaraguenses, a Complemento tem como principais mercados cidades do Norte e do Nordeste, atendendo também municípios em Minas Gerais e no próprio Estado de Goiás. O carro-chefe são roupas de jeans, com diferencial, que chegam ao consumidor entre R$ 100 e R$ 120.
Ribeiro planeja aumentar a produção em 2008 em até 30% com terceirização, contratando os serviços de facções - pequenas empresas familiares que prestam serviços às confecções maiores. Ele emprega diretamente 22 funcionários e já terceiriza parte da produção por meio de duas facções, prática muito comum na cidade.

Depois de ficar conhecida como centro de produção de roupas piratas em meados dos anos 90, a cidade de cerca de 38 mil habitantes conseguiu aos poucos se livrar do estigma, ainda que não totalmente. O investimento em marcas próprias se intensificou, dando fôlego à economia do município, onde tudo gira em torno das confecções. "Queira ou não, tudo na cidade é ligado à confecção. Sem o setor, não haveria padarias, salões de beleza, farmácias ou restaurantes", resume Gilmar Maurício da Silva, assessor de planejamento e desenvolvimento do gabinete da prefeitura de Jaraguá. "Quem sabe costurar não fica sem emprego, quem não sabe não fica na cidade", diz ele.

A mudança ocorrida em Jaraguá nos últimos anos mescla maior formalização, apoio institucional, e ação conjunta dos empresários locais. Essa saudável "conjunção" chamou a atenção do economista Mansueto Almeida, pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisa a evolução do APL da cidade para a sua tese de doutorado no Massachusets Institute of Technology (MIT).

Almeida ressalta especialmente a combinação de maior crescimento e maior respeito à lei - como o aumento da formalização de empresas e empregos -, ainda que a crescente observância à legislação ocorra de modo gradual. "Mesmo que gradual, é um fenômeno extremamente positivo." De janeiro a setembro, o emprego formal em Jaraguá aumentou 10,14% - acima dos 8,6% registrados em Goiás no período.

 


Almeida vê com bons olhos a parceria entre a Associação Comercial e Industrial de Jaraguá (ACIJ) e o Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae), que ganhou força nos últimos anos. Para ele, a atuação conjunta de uma organização de empresários com uma instituição pública explica, em parte, o crescimento da formalização, além de incentivar as confecções a trabalhar com marcas próprias e a investir em design diferenciado para as roupas de jeans, o segmento em que Jaraguá mantém a competitividade.

A Feira Anual da Indústria de Confecções de Jaraguá (Expofashion), realizada desde 2002, é uma das iniciativas que, na prática, mostraram ao empresário, antes informal, o potencial de ganhos futuros que poderiam vir de uma maior legalização do seu negócio. O Sebrae banca boa parte dos custos do evento, do qual só participam empresas formais. A gestora do projeto APL de confecções de Jaraguá do Sebrae de Goiás, Sandra Rodrigues, conta que a entidade paga estadia e transporte de potenciais compradores das roupas produzidas na cidade.

Segundo ela, o grande evento da feira é a rodada de negócios entre os donos de confecções e os possíveis compradores. Na feira deste ano, em agosto, foram fechados contratos na casa de R$ 18 milhões, diz Sandra. Ela destaca também outra ação do projeto APL, que envolve o Sebrae, a ACIJ e a prefeitura: o selo Pequi Brasil, a ser conferido a empresas formalizadas, com o objetivo de atestar a qualidade do produto de Jaraguá e dissociar a cidade da pirataria.

Nesse cenário, a arrecadação de impostos em Jaraguá aumenta a um ritmo razoável. Silva, da prefeitura, diz que ela tem crescido a um ritmo de 10% ao ano. A receita, porém, ainda é muito baixa, na casa de R$ 300 mil por mês. "A informalidade ainda é muito grande", afirma Silva. Mais de 80% das facções são informais, de acordo com estimativa da prefeitura.

Jaraguá consegue se destacar no segmento de confecções por contar com um custo relativamente baixo - menor que nos grandes centros do país, segundo Castro - e por dominar os processos de produção de roupas jeans de boa qualidade. Para completar, o comércio varejista cresce com força no país: de janeiro a setembro, as vendas de tecidos, vestuários e calçados aumentaram 10,1% em relação ao mesmo período do ano passado.

Por uma questão de competitividade e sobrevivência, as empresas de Jaraguá optaram maciçamente por trabalhar com jeans. Segundo o secretário municipal da Indústria, Comércio e Turismo, Henrique Bernardes de Barros Filho, cerca de 90% das empresas locais trabalham com esse produto. Nesse nicho, os empresários reclamam pouco ou quase nada da concorrência chinesa. José Gonçalves de Oliveira, proprietário da D'Tonar, diz que, como os produtos de jeans da empresa são mais diferenciados, não sofrem a competição direta dos produtos da China. Ele também fazia camisetas, mas aí sim percebeu o poder de fogo dos chineses - uma peça que ele vendia por R$ 29 a R$ 34 tinha similares chineses por R$ 9,90.

A D'Tonar conta desde janeiro com uma estilista, mais um trunfo para desenvolver produtos de maior valor agregado. A Complemento também conta com uma profissional da área. Sandra, do Sebrae, diz que os empresários de fato passaram a investir mais em design, porque perceberam a importância de que os produtos sejam de fato diferenciados. No momento, Castro e Oliveira participam de um curso de consultoria, capacitação e treinamento do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (CETIQT) do Serviço Nacional da Indústria (Senai). O Sebrae banca mais de 80% do valor do curso.

Para Oliveira, a situação dos negócios em 2007 está apenas razoável. Produzindo 3 mil peças por mês, ele acredita que seu faturamento e produção vão se manter nos mesmos níveis de 2006. A concorrência paulista tem incomodado o empresário, que abriu a D'Tonar em 2001 com dois irmãos. Desde o fim do ano passado, ele toca o negócio sozinho, dando ainda mais ênfase à produção de roupas de jeans diferenciados.

Segundo Oliveira , um dos problemas de Jaraguá é a falta de mão-de-obra qualificada, reclamação feita por vários empresários da cidade. Os cursos do Senai não seriam suficientes para capacitar

No segmento de confecções, a oferta de emprego supera a demanda. Oliveira diz que já perdeu funcionários para outras empresas da cidade, e também já tirou empregados dos concorrentes. Ele considera elevado o custo da mão-de-obra, que muitas vezes chega despreparada à empresa e tem de ser formada na prática. Em Jaraguá, uma costureira registrada costuma ganhar de R$ 500 a R$ 600 por mês.

O setor terá mais um trunfo em Jaraguá a partir de 2008. Próximo à entrada da cidade, às margens da BR-153, um shopping center de confecções deverá ser inaugurado no fim do primeiro trimestre do ano que vem. Planejada para ficar pronta em 36 meses, a obra pode ser finalizada 12 meses antes do previsto. O construtor Dinomarques Moreno Peixoto, de Caldas Novas, diz que o investimento total deve ficar na casa de R$ 4,5 milhões. "O shopping tem 160 lojas, e todas já foram vendidas", diz ele, apostando que quem viaja pela BR-153 pare no local para comprar produtos feitos em Jaraguá. Peixoto conta que toda a mão-de-obra empregada na obra veio de Caldas Novas, pois há dificuldade em contratar trabalhadores de Jaraguá, cidade que não enfrenta problemas de desemprego.

Silva nota que o setor de confecções absorve grande parte da mão-de-obra da cidade, seja nas empresas de maior porte, seja nas facções. "Aqui, há dificuldade para se contratar uma empregada doméstica e não há um monte de gente querendo trabalhar na prefeitura, como costuma ocorrer em cidades do interior", afirma ele. "Em vez de ganhar um salário mínimo da prefeitura, as pessoas preferem trabalhar nas confecções ou abrir uma facção, porque os salários são maiores."



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