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Ind?stria monitora crise na Argentina

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil
Página: A3

  

 Com a memória ainda recente do 'apagão' no Brasil em 2001, as empresas estão monitorando com atenção a crise energética na Argentina. Os efeitos ainda não apareceram, mas, se a crise perdurar pode ter efeito de mão-dupla: ela pode reduzir as exportações de manufaturados e também afetar o fornecimento de peças para o Brasil, prejudicando a produção industrial. Por enquanto, as companhias mantém seus planos de vendas e investimentos na Argentina, apostando que a falta de energia será passageira. Para as montadoras de veículos e os fabricantes de autopeças, a luz amarela já acendeu, porque o setor é o mais integrado das economias dos dois países. Fábricas instaladas no Brasil são abastecidas parcialmente com peças adquiridas na Argentina. A CNH, fabricante de tratores e colheitadeiras, adquire na Argentina entre 10% e 15% das peças que utiliza na fábrica de Curitiba. 'O fornecimento está normal, mas estamos acompanhando com preocupação', diz Milton Rego, diretor de relações externas e de comunicação. A Argentina também é um mercado importante para a CNH, respondendo por 15% das vendas. Também é comum as montadoras no Brasil e na Argentina trabalharem de forma integrada para abastecer a América do Sul. É o caso da Ford, que produz a Ranger e o Focus na Argentina e o restante da linha no Brasil. Segundo Rogelio Golfarb, diretor de relações institucionais, a Ford investiu US$ 5,7 milhões na Argentina, expandindo a capacidade para 380 veículos/dia. 'Estamos investindo na Argentina, porque o mercado latino-americano cresceu significativamente', diz Golfarb, acrescentando que as vendas de veículos vão bater recordes no Brasil, Argentina, Venezuela e Colômbia em 2007. A Ford tomou precauções para não ser surpreendida pelo 'apagão'. A fábrica na Argentina trabalha apenas no primeiro turno, já que no segundo é mais comum o corte de energia, por conta do aumento do consumo nas residências. A empresa também possui geradores de energia próprios para utilizar em caso de emergência. 'Não acreditamos que a crise na Argentina vai perdurar', diz Golfarb. Na avaliação de Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), ainda não está claro a extensão da crise no país vizinho. Se o problema for grave, a tendência é reduzir a produção, gerando um aumento dos preços porque a demanda ainda está forte no país. 'Tudo vai depender da resposta do governo argentino na política econômica', diz.    
Se o consumo seguir forte, as importações da Argentina devem aumentar, favorecendo os bens de consumo duráveis e não duráveis do Brasil. 'Pode ter um efeito no curto prazo, mas não é sustentável', diz Ribeiro. Ele explica que, com a queda da produção local, o desemprego aumenta, afetando também a renda. Se a Argentina crescer menos, as exportações brasileiras vão sofrer no médio prazo, principalmente de produtos manufaturados. O Brasil destina 13,5% das exportações de produtos industrializados para o sócio do Mercosul. 'Uma crise na Argentina seria muito ruim para a exportação, porque temos a vantagem de não pagar tarifa de importação no país, o que é cada vez mais importante com o atual patamar do câmbio', avalia Domingos Dragone, diretor industrial da Black & Decker. A empresa destina 30% das exportações de ferramentas elétricas para a Argentina. Ele diz que, por enquanto, o consumo está normal, mas que a filial na Argentina está preocupada. Para o presidente da Embraco, Ernesto Heinzelmann, 'uma crise na Argentina será muito ruim para o Brasil'. Ele avalia que o consumidor argentino tende a reduzir a compra de geladeiras se houver um apagão, que é um produto que gasta energia. A Embraco é um dos maiores fabricantes mundiais de compressores para geladeiras.  Há, contudo, pelo menos um setor lucrando com a situação. A gaúcha Stemac, fabricante de geradores, recebeu só na última semana mais de 50 pedidos de cotações de equipamentos por empresas argentinas. O volume equivale a cerca de um ano de vendas normais para o mercado daquele país, disse a coordenadora de exportações da companhia, Jéssica Lacorte. 'Por enquanto ainda não houve vendas efetivas, mas esperamos que elas se confirmem', comentou a coordenadora. Segundo ela, as consultas partem de empresas de diversos setores, 'algumas que nunca haviam ouvido falar em grupo gerador', à procura de equipamentos de todos os portes.
Têxteis e calçadistas vêem oportunidades de curto prazo
Fabricantes de calçados e têxteis do Sul do país - que tem na Argentina um tradicional cliente - vêem na crise energética do vizinho uma oportunidade de curto prazo para elevar vendas. A médio e longo prazo, contudo, as perspectivas são pouco animadoras. O temor é de uma desaceleração que contamine o consumo. Mesmo que um cenário de menor crescimento se confirme para a Argentina, contudo, os reflexos serão bem menores do que no início deste século, seja porque hoje as empresas brasileiras diversificaram o destino de suas exportações, seja porque o cenário argentino é de desaceleração e não de recessão econômica.  De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), os embarques para o mercado argentino cresceram 3,5% em volume nos cinco primeiros meses do ano em relação ao mesmo período de 2006, para 4,26 milhões de pares, e 24,2% em valor, para US$ 58,69 milhões, graças a um acordo entre as empresas e os governos dos dois países ainda no fim de 2006 para acelerar a liberação das licenças de importação.  'Ainda não identificamos impacto (da crise energética) no setor', afirma o diretor executivo da Abicalçados, Heitor Klein. Segundo ele, a indústria calçadista apresenta baixa demanda de energia e pode facilmente substituir o suprimento da rede pública pelo uso de geradores a óleo. 'No Brasil as empresas usam este recurso nos momentos de pico de consumo, no fim da tarde, quando a energia comprada fica mais cara', explica.  A West Coast, fabricante de calçados masculinos com sede em Ivoti (RS), confirma a tese. 'As exportações para a Argentina já vinham crescendo e não sentimos qualquer mudança', diz o gerente de marketing, Sérgio Baccaro Júnior. Os argentinos absorvem 8% da produção mensal de 180 mil pares da empresa gaúcha e o volume atual é cerca de 15% superior ao de um ano atrás.  Conforme Baccaro, os problemas enfrentados pelo país vizinho não alteram os planos da West Coast de produzir lá, a partir de novembro, em fábricas terceirizadas, parte dos 50 mil pares que exporta todos os meses para mais de 70 países. 'Quando a produção iniciar, o consumo de gás para aquecimento das casas já terá diminuído', explica.  'Boa parte da produção de calçados da Argentina está no interior, onde a crise (energética) não é tão séria', acrescenta o representante naquele país da calçados Picadilly, de Igrejinha (RS), Denílson da Silveira. De acordo com ele, as vendas àquele mercado vêm crescendo em função da expansão da economia local. Conforme a Abicalçados, a produção doméstica supre cerca de 80% da demanda argentina de 120 milhões de pares por ano. O Brasil é o principal fornecedor externo, com participação de 70% na importação.  Sônia Hess de Souza, presidente da indústria têxtil Dudalina, acredita que no curto prazo a crise da Argentina poderá trazer oportunidades para as indústrias brasileiras. 'Os argentinos terão que suprir o consumo e os parceiros mais próximos têm mais vantagens pela rapidez com que podem fazer isso', diz. Por enquanto, porém, não há reflexos nas vendas nem nos pedidos. 'Como vendemos uma roupa mais leve, acredita que os reflexos virão somente a partir de agosto, quando poderão ser reforçados pedidos de primavera-verão'. Apesar da oportunidade de curto prazo, Sônia avalia que o cenário seja bom para as empresas brasileiras no longo prazo por conta do recuo na atividade econômica.  Um recuo da atividade econômica da Argentina hoje, embora seja significativa, terá impacto menor nos negócios de algumas indústrias têxteis. A própria Dudalina, que sofreu com a crise de 2001, teria uma situação mais tranqüila. Naquele episódio, a Argentina era, ao lado do Chile, o principal mercado externo comprador da empresa. Hoje, ela tem em países como Venezuela e Paraguai parceiros mais importantes e os argentinos, respondem por apenas 2% do faturamento total da empresa.  João Henrique Marchewsky, presidente da Buettner, acredita que haverá oportunidade para as indústrias têxteis brasileiras avançarem na Argentina, principalmente no curto prazo. 'Uma crise lá agora vai estancar o crescimento do país, mas o que já cresceu e o que já existe de demanda precisará ser suprido, abrindo oportunidade para os brasileiros', diz.  Marchewsky, no entanto, pondera que essa 'janela' maior para os produtos do Brasil poderá não ser tão boa por conta do câmbio. Ele explica que a Buettner não exporta mais para os argentinos não por falta de demanda, mas por não conseguir negociar um bom preço em dólar, que compense a exportação, dada a relação real-dólar. O raciocínio é que se a crise argentina perdurar e atingir o emprego, ficará ainda mais difícil negociar preços melhores. Por enquanto, a Buettner não sentiu mudanças nas vendas para a Argentina.  Marchewsky acredita que uma crise no país vizinho hoje traria reflexos diferentes daqueles da crise de 2001. 'Em 2001, a dependência da Buettner era muito maior. A Argentina respondia por 22% do volume exportado, que era de US$ 30 milhões. Hoje, responde por 15% de US$ 18 milhões', diz.


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