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Nordeste quer levar as empresas para os grot?es

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil
Página: A16

   

Epicentro da guerra fiscal no país, o Nordeste começa a redesenhar seus programas de incentivos para a atração de empresas. Em vez de se concentrar apenas na disputa por indústrias e centros de distribuição entre os Estados vizinhos, os governos agora lançam políticas que têm como objetivo levar empreendimentos para os municípios mais afastados das capitais. As discussões sobre formas alternativas para atrair empresas ocorrem ao mesmo tempo em que os Estados nordestinos debatem o fim da guerra fiscal. Porém, como há anos os mais diversos governos já discutiram o tema sem chegar a uma reforma concreta, os Estados estão preferindo traçar em paralelo seus próprios planos.    
Pernambuco, Bahia e Ceará estão definindo quais setores podem levar mais empregos para os grotões. A conclusão é que, em cerca de duas décadas de disputa fiscal, pouco se contribuiu para o desenvolvimento dos Estados de forma uniforme no Nordeste. Muitos empreendimentos ficaram concentrados na capital ou em poucos bolsões no interior dos Estados, como Sobral (CE).     Em Pernambuco, por exemplo, os empreendimentos estão concentrados na região metropolitana do Recife, principalmente em Ipojuca, município que abriga o Porto de Suape. Só neste ano, o governo aprovou a concessão de incentivos fiscais para 15 projetos. Entretanto, apenas dois deles, o da fabricante de produtos de limpeza Icopol e o da indústria de bebidas Comary, preferiram se instalar em municípios do interior, em Vitória de Santo Antão (50 quilômetros da capital) e Petrolina (700 quilômetros do Recife), respectivamente. A atual política de incentivos pernambucana, que é de 1999, prevê maiores vantagens para quem fugir da região metropolitana. A fábrica que optar pelo interior ganha um crédito de 85% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos quatro primeiros anos de funcionamento, caindo depois para 75%. Se ela fosse para a capital, já começaria com 75%. Mas isso não tem sido suficiente. 'A prática mostra que não está compensando os custos da ida para o interior', afirma Jenner Guimarães do Rêgo, presidente da AD Diper, a agência de desenvolvimento de Pernambuco. No interior, as empresas estão mais afastadas do maior mercado consumidor, que é a capital, além de estarem mais distantes de meios de escoamento da produção por meio de portos. Por isso, as novas áreas incentivadas têm passado a receber um tratamento diferenciado. Em maio, o governo anunciou um programa de incentivos para a indústria calçadista. Enquanto o programa prevê um crédito de 47,5% no ICMS para fábricas que se instalarem na capital, empresas que buscarem o interior terão um desconto de 90%.     Agora, analisa-se a criação de instrumentos semelhantes para outros dois setores: indústria têxtil e metal-mecânica. Isso porque dois grandes projetos que estão se instalando em Pernambuco são ligados a essas áreas e ambos já estão instalados em Suape. Um deles é o Estaleiro Atlântico Sul, que deve atrair fornecedores. Outro é a fábrica de poliéster Citepe (Companhia Têxtil Integrada de Pernambuco), com capacidade de 185 mil toneladas do material por ano. 'Como os empreendimentos estruturadores já ficaram próximos à capital, precisamos estimular as demais indústrias a irem para o interior', explica Fernando Bezerra Coelho, secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco. Pelos cálculos do governo, o Estado deixa de arrecadar R$ 700 milhões com os benefícios. O valor representa cerca de duas vezes a atual capacidade de investimento do Estado. 'Se abrimos mão da arrecadação, as empresas precisam contribuir com o desenvolvimento do Estado', argumenta Coelho. Para fugir do eixo Salvador-Camaçari, a Bahia quer passar a incentivar novos tipos de atividades. De acordo com o secretário Rafael Amoedo, da Indústria e Comércio, um dos planos é fortalecer a indústria de pesca, setor intensivo em mão-de-obra e com potencial de descentralização. A Bahia tem a maior costa do país, com mais de mil quilômetros de extensão. O governo argumenta que setores como o de mineração, têm grande potencial de negócios, além de exigir mão-de-obra intensiva e ter o fator adicional de levar empreendimentos para o interior. A mudança de foco na Bahia chegou inicialmente a assustar os empresários. No meio empresarial, temia-se que os incentivos estariam ameaçados no novo governo, já que o governador Jaques Wagner assumiu o posto com o propósito de revisão do programa de benefícios. Entretanto, o Estado está ampliando de seis para dez o número de pessoas que analisam a concessão dos incentivos.     No Ceará, a análise da concessão de incentivos será mais criteriosa em relação à distância dos projetos de Fortaleza. Quanto mais distante da capital, maior o benefício. A atual política, segundo Mauro Filho, secretário da Fazenda cearense, já leva em consideração a descentralização, mas o objetivo é tornar o sistema mais rígido. 'Hoje, o incentivo mínimo que damos a todos é de um abatimento de 25% do ICMS. Isso vai mudar', diz ele.  
Rio Grande do Sul estuda fixação de teto para desoneração
Pressionado pela crise financeira que nos últimos meses já vem provocando parcelamentos dos salários de parte dos servidores, suspensão de investimentos, atrasos médios de oito meses nos pagamentos a fornecedores e desembolsos crescentes para bancar o serviço da dívida, o governo do Rio Grande do Sul começa a estudar mudanças na política de incentivos fiscais estaduais. A idéia é se antecipar à reforma tributária e reduzir a renúncia de arrecadação que chega a R$ 6 bilhões por ano, o equivalente à metade da receita atual de ICMS do Estado, explica o secretário da Fazenda, Aod Cunha de Moraes Junior.  Segundo o secretário, 50% das perdas de receita concentram-se no setor exportador e não podem ser reduzidas porque resultam de normas federais como a Lei Kandir, mas o Estado pode fixar um teto para as demais desonerações. 'Elas não podem ficar em R$ 2,5 bilhões ou mesmo R$ 2 bilhões?', indaga. As renúncias incluem alíquotas mais baixas para determinados produtos, reduções de bases de cálculos, créditos presumidos, diferimentos em diferentes cadeias produtivas e o Fundopem, um programa de concede reduções de até 75% no ICMS a pagar por novos empreendimentos no Estado durante oito anos. O plano do governo gaúcho prevê ainda o estabelecimento de um 'norte estratégico' para a liberação e renovação de incentivos para fugir da guerra fiscal entre os Estados e das pressões empresariais por benefícios 'no varejo', diz Moraes Junior. 'Temos que ser mais seletivos na concessão dos incentivos e definir setores dinâmicos para a economia (gaúcha)', comenta. De acordo com ele, a proposta é criar uma espécie de política industrial local, com estímulo a empresas capazes de investir em inovação, tecnologia e produtos de alto valor agregado e que não sejam 'eternamente dependentes' da ajuda do governo para sobreviver. O nível atual de desoneração coloca o Estado entre os quatro com a menor relação entre receita de ICMS e Produto Interno Bruto (PIB), com um índice de 7,6% ante a média nacional de 8,2%. Segundo um ranking elaborado pela secretaria a partir de dados do IBGE e do Comitê Técnico Permanente do ICMS do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Rio Grande do Sul deve ficar neste ano apenas à frente do Amapá, Distrito Federal e Rio. Para o secretário, o elevado nível de renúncia fiscal é um dos fatores mais importantes do 'desequilíbrio estrutural' das finanças públicas do Estado.     'Se nossa relação fosse como a de São Paulo e de Minas Gerais (14º e 16º colocados no ranking da secretaria, respectivamente), teríamos R$ 2,3 bilhões a mais por ano', calcula Moraes Junior. O valor equivale quase ao dobro do déficit de caixa projetado pelo governo gaúcho para 2007. Segundo ele, o Estado também está suspendendo incentivos fiscais das empresas que não cumprem as cláusulas contratuais relativas à geração de empregos e de renda. Ele não revela os nomes das envolvidas, porque na maior parte dos casos a questão vai parar na Justiça. 'Se (os compromissos) não estão sendo cumpridos, temos que notificar as empresas ou então os contratos não são sérios', comenta. Segundo Moraes Junior, as mudanças na política de incentivos do governo do Rio Grande do Sul serão discutidas com as entidades empresariais, mas precisam ser implantadas antes da reforma tributária porque esta, depois de aprovada, terá um longo período de transição pela frente até apresentar resultados palpáveis. 'Primeiro (o recolhimento do ICMS) passa da origem para o destino e depois de cinco anos vem o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).' Mesmo assim, segundo ele, a reforma será a única maneira de acabar com a 'anarquia' na concessão de incentivos fiscais pelos Estados. 'Tenho defendido a proposta de reforma tributária da União, com alguns acertos, preservando algum tipo de autonomia, porque a simplificação do sistema levará a um aumento dos investimentos privados', explica Moraes Junior. Para ele, além dos custos com a montagem de equipes encarregadas de acompanhar o 'emaranhado' de legislações sobre incentivos fiscais no país, as empresas enfrentam um quadro de instabilidade provocado pelas modificações 'incessantes' dos benefícios.   
Política de incentivos tornou região atrativa
A nova roupagem que os Estados nordestinos querem dar às políticas de incentivos fiscais está longe de significar que até o momento eles foram predatórios. A avaliação dos governos, de uma forma geral, é que eles foram responsáveis pela atração de empreendimentos antes impensáveis para a região. 'Não havia outra forma de tornar o Nordeste atrativo para as indústrias. Aqui, elas estavam longe do mercado consumidor e ainda sem infra-estrutura', avalia Jenner Guimarães do Rêgo, presidente da AD Diper, agência de incentivos pernambucana. A chegada da Ford à Bahia em 1999, por exemplo, trouxe ao Estado 7 mil empregos. Com três turnos em operação, a unidade de Camaçari é a segunda maior exportadora da Bahia. As vendas ao exterior foram de US$ 913,5 milhões no ano passado. Entre 2005 e 2006, os embarques cresceram 5%.     Em Pernambuco, das 20 maiores empresas arrecadadoras de ICMS, 17 recebem incentivos fiscais. Ou seja, apesar de não ficar com todo o recolhimento do imposto, ainda assim as empresas são de grande importância. Têxteis e calçados, dois dos setores prioritários para o governo da Paraíba na política de atração de investimentos, estão se reforçando no Estado por meio de incentivos. A Coteminas, que tem três fábricas em Campina Grande e João Pessoa, está investindo cerca de R$ 150 milhões. Com incentivos, a Alpargatas amplia as unidades de Campina Grande e Santa Rita com recursos de R$ 130 milhões. No Ceará, a opção de dar maiores incentivos ao setor têxtil tem rendido frutos. Só no ano passado, as vendas das indústrias cresceram 26,98%. Neste ano, até abril, a alta é de 10,83%. 
Ceará pode baixar ICMS de diversos produtos
O Ceará estuda a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de diversos produtos acabados. De acordo com Mauro Filho, secretário da Fazenda cearense, o Estado deve reduzir o imposto de dez mercadorias a cada quatro meses. 'Com essa fórmula, esperamos aumentar a arrecadação do Estado porque as empresas vão vender mais. Outras também vão buscar se formalizar', afirma o secretário. 'Sempre cobra-se a reforma tributária do governo federal. O Ceará quer mostrar que os Estados já podem começar a colocá-la em prática.' A expectativa do governo cearense também é fazer com que, ao comercializar mais, as empresas acabem, conseqüentemente, gerando mais empregos. Seria uma forma alternativa à concessão de benefícios às indústrias. Para que o Estado não acabe perdendo arrecadação com essa medida, o secretário da Fazenda afirma que o governo ficará monitorando regularmente a arrecadação para verificar os efeitos da ação sobre a receita estadual. Por enquanto, Mauro Filho não revela quais são os itens que serão beneficiados. Apenas diz que entre as prioridades estão itens relevantes na economia cearense, como alimentos, calçados e artigos têxteis. Do lado das tradicionais concessões de benefícios fiscais para a instalação de novas empresas, o secretário cearense diz que elas devem sofrer uma pequena redução neste ano, de R$ 320 milhões em 2006 para R$ 300 milhões em 2007. 'O modelo de incentivo já está se tornando bastante oneroso. Por isso seremos mais seletivos a partir de agora', diz ele.
Governos vão propor adoção de 'bandas de alíquotas'
Na reunião desta semana do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os Estados nordestinos vão apresentar propostas conjuntas sobre os oito temas propostos pelo Ministério da Fazenda na discussão da reforma tributária. Entre as sugestões está a adoção de 'bandas de alíquotas' de impostos. Segundo a proposta, passariam a existir tetos de alíquotas por setores de produtos, mas com uma pequena margem de manobra. 'Dentro dessa margem, cada Estado determinaria sua alíquota', diz o secretário da Fazenda da Bahia, Carlos Martins. Se acatada, a idéia seguiria para o Senado.     Na reunião, os governos nordestinos insistirão na criação de alternativas de compensação para o fim da guerra fiscal. Em alguns casos, em paralelo à discussão nacional sobre o fim dos benefícios, alguns Estados estudam o impacto que elas tiveram até o momento. Um dos setores que podem receber mais incentivos é o de centrais de distribuição. Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte preferem esperar por uma definição da reforma tributária para mexer em seus incentivos, mas não abrem mão de mantê-los até lá. 'Ninguém é a favor da guerra fiscal, mas ninguém quer dar o primeiro passo sozinho (para a interrupção dos benefícios)', diz o secretário da Receita Estadual da Paraíba, Milton Soares. Como nem todo incentivo é guerra fiscal, há nordestinos que se dizem comedidos na concessão de benefícios. 'No máximo, a gente só se protege, tentando equilibrar nossa carga tributária com a dos vizinhos para não ficarmos atrás', diz o secretário da Tributação do Rio Grande do Norte, João Batista Soares de Lima.


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