Notícias

Novas carreiras surgem no concorrido mundo da moda

Veículo: Jornal Valor Econômico
Seção: São Paulo
Página: D8

 Gabriel Del Corso não sabe costurar. Mas é um profissional bastante requisitado no meio da moda. Marilda Ferraz não desenha roupas, mas por suas mãos passa a produção de grifes como a de Tereza Santos e de empresas como o grupo espanhol Inditex - dono da Zara. Del Corso e Marilda são exemplos de novos profissionais que o mercado de moda criou - por pura necessidade. Eles não entram nas estatísticas oficiais que contabilizam os empregos na indústria têxtil e de vestuário mas, certamente, engrossam o caldo de profissionais que, todos os anos, tornam esse setor cada vez mais forte. Del Corso entrou no mundo na moda como a maioria, nos anos 90: abrindo uma grife, ao lado do estilista Jeziel Moraes. Antes da virada do milênio, a grife faliu e ensinou aos sócios duras lições sobre os mecanismos de uma empresa de moda. E são elas que, hoje, garantem o sustento de Del Corso - um hábil consultor de varejo, especialista em dar a destinação correta a estoques de roupas 'vencidos'. Não é preciso entender de moda para saber que estoque de roupas e acessórios de mais de duas coleções atrás são sinônimo de vendas não realizadas e prejuízo quase irreversível. Não para Del Corso e sua atual sócia, Lele Nakao - criadores do Happy Bazaar, que reúne várias grifes, num mesmo espaço, para vender coleções passadas. Além de montarem o bazar coletivo, a dupla também faz negociação de estoques individuais. Recentemente, os sócios foram contratados por uma grife paulistana para 'se livrar' de um estoque de 8 mil peças de quatro coleções passadas. 'As roupas já tinham sobrevivo à liquidações e a bazares', relembra Corso. O jeito encontrado por ele foi vender as peças - a R$ 30 cada - para um empresário do Nordeste, que revendeu as roupas no mercado local. 'Eram roupas que valiam entre R$ 50 e R$ 300. Mas era isso ou ficar no prejuízo'. A venda rendeu R$ 240 mil e financiou o mostruário da nova coleção da grife. 'Alguns empresário costumam brincar que odeiam nos procurar, porque isso significa que os negócios não vão bem', diz Del Corso, que também atua como consultor na área reposicionamento de produto. Traduzindo: é ele quem tem a difícil tarefa de substituir artigos que não vendem por peças que são sucesso garantido de vendas - mesmo que isso signifique abrir mão de coleções de moda mais 'autorais'. 'Tem hora que o que interessa são as vendas.' Del Corso e Lele Nakao são também responsáveis pela produção geral e coordenação do FW House, o salão de negócios do São Paulo Fashion Week. Marilda Ferraz também tem uma atividade difícil de definir. Formada em estilismo de moda pela faculdade Santa Marcelina, de São Paulo, Marilda gosta de tratar a moda não como arte - mas como negócio. E foi com essa mentalidade que ela conquistou o respeito de empresas como o grupo espanhol Inditex - para quem Marilda criou uma rede de fornecedores de malharia circular (camisetas) para abastecer o mercado da América Latina. 'Comecei a montar a rede pelos fornecedores de fios', diz Marilda, que cuidou de todo o processo de desenvolvimento de produto para o Inditex. 'Eles queriam fornecedores também de malharia retilínea (tricôs), mas não encontrei empresas aqui dispostas a fornecer 100 mil peças por mês para um único cliente', lamenta Marilda. A especialidade da executiva é montar uma cadeia produtiva. Basta que exista uma grife e um investidor, que Marilda faz o resto - arrebanhando desde estilistas, para desenhar a coleção, até confeccionistas, passando por tecelagens, malharias e fiações. Ou seja, a profissional realmente cria um processo que começa com o desenvolvimento da matéria-prima e termina com a roupa na loja. 'Eu monto a estrutura toda, mas não toco a produção nem palpito na gestão da empresa', diz Marilda, que montou toda a estrutura de produção da grife Tereza Santos, de Belo Horizonte, especializada em roupas femininas de tricô. 'Optei por verticalizar radicalmente. Hoje, sou apenas um estúdio de criação', diz Tereza, que já foi dona de uma confecção - a Patachou. 'Foi a forma de tornar minha operação mais ágil.' Atualmente, Marilda possui nove clientes ativos - sendo quatro internacionais. Entre eles, está a grife de maiôs americana Ank, que produz no Brasil. A agência Agente de Moda, dos sócios Ricardo Corrêa e Lígia Rocha, é uma empresa especializada em captar patrocinadores para eventos de moda e encontrar marcas ou estilistas que possam se tornar bons veículos de marketing. Também nasceu da necessidade básica dos estilistas de terem bons patrocinadores e das empresas de grande porte de acharem novas formas de fazerem marketing. 'As empresas que nos contratam querem transformar seus produtos em objetos de desejo, através da moda', explica Corrêa , que atuava com venda de serviços de telecomunicação até descobrir o gosto pelo mundo da moda. Hoje, grande parte dos contratos firmados entre empresas como a Kimberly-Clark, Fedex, Citibank e Mattel com grifes de moda, tiveram a intermediação da dupla. Esses profissionais ainda não servem para engrossar os números da cadeira têxtil e de confecção no Brasil - um contingente de mais de 2,5 milhões de pessoas, espalhadas em cerca de 46 mil empresas - mas indicam que a moda brasileira passa por um novo conceito de geração de trabalho, de acordo com o sociológo, assessor na Câmara dos Deputados e membro do Conselho do In-Mod Brani Kontic. De acordo com ele, a moda não pode estar somente ligada às atividades industriais. 'As redes e as relações estão mais complexas agora. Criou-se dentro da moda uma interdependência entre diversos segmentos'. 'Estamos verificando que esses novos profissionais estão criando produção de conhecimento, que deve ser a peça-chave para o desenvolvimento da cadeia têxtil', afirmou Kontic durante uma série de debates sobre economia criativa, realizada durante a última edição do São Paulo Fashion Week. 'A moda pede inteligência e ela pode ser uma saída para que esta indústria sobreviva no Brasil', afirmou. Os números da cadeia têxtil e de confecções no Brasil não são superlativos apenas no número de empregados. De acordo com o Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi), o setor teve no ano passado faturamento conjunto de US$ 57 bilhões, um dos maiores do mundo. A produção alcançou 5,7 bilhões de peças e de quase 3 milhões de toneladas. Os investimentos em inovações tecnológicas e modernização de maquinários superam US$ 1 bilhão, de acordo com empresários do setor. Mas, com a entrada dos produtos chineses, a indústria sofreu abalos consideráveis. Só no ano passado, de acordo com dados do Ministério da Indústria e Comércio, as importações de vestuário alcançaram US$ 347 milhões. Mais de 50% deste montante veio da China. Tal movimento vem abalando a estrutura de várias indústrias, que enxugam a produção e começam a demitir. A criatividade, segundo o sociólogo, pode ser também um caminho para que o Brasil passe ao largo dessa concorrência dos produtos chineses. 'É uma forma que o Brasil pode encontrar para se inserir nesse mercado, que é muito competitivo mundialmente. O principal trunfo é usar o design local - além das inovações tecnológicas na produção, que já foram agregadas pelas principais empresas brasileiras - para criar mais valor às marcas. Para ganhar fôlego, é preciso mostrar aos bancos, governos e financiadores que a moda é também um gerador de conhecimento. Não adianta apenas injetar recursos na produção, mas também na criação', disse.


Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar