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Real forte ajuda a reduzir os juros, diz BC

Veículo: Folha de S?o Paulo
Seção: Dinheiro
Página: B1

  
A queda do dólar foi o fator que mais pesou na decisão tomada pelo Banco Central de reduzir os juros de forma mais acelerada. Embora alguns diretores do BC argumentem que o crescimento mais forte da economia pode pressionar a inflação, a expectativa é que o aumento das importações seja suficiente para contê-la. Ontem foi divulgada a ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do BC) realizada na semana passada, quando a taxa Selic foi reduzida de 12,5% para 12% ao ano, interrompendo uma série de três cortes de 0,25 ponto cada um. A expectativa dos analistas de mercado é que uma nova redução de 0,5 ponto ocorra na próxima reunião do Copom, marcada para o mês que vem. Essa percepção ajudou a Bovespa a bater novo recorde ontem. Até dezembro, os juros devem cair para 10,75% ao ano, segundo a média das projeções dos analistas de mercado. "Os dados referentes à atividade econômica apontam para um fortalecimento da expansão da demanda, mas ainda não sugerem uma probabilidade elevada de que observemos pressões significativas sobre a inflação no curto prazo. O crescimento das importações tem contribuído de forma fundamental para esse processo", afirma a ata do Copom. Dos sete diretores do BC, cinco votaram pelo corte de 0,5 ponto, e dois, por 0,25 ponto. Na ata divulgada ontem, a explicação apresentada pelos diretores que votaram pela queda menor é que a aceleração do crescimento da economia pode abrir espaço para um aumento da inflação. O raciocínio é relativamente simples: se a economia cresce mais, a renda da população tende a crescer. Com procura maior, há mais espaço para reajuste de preços. Quem votou pelo corte maior nos juros afirma que, ainda que esse risco exista, ele é minimizado pela concorrência dos importados, beneficiados pelo dólar barato.
Mudança
Para o economista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, o documento divulgado ontem indica uma mudança na linha de pensamento seguida pelo Copom. Ele afirma que os diretores do BC já não seguem de forma tão rígida as projeções feitas a partir de modelos estatísticos para tomar suas decisões -se seguissem, diz Lintz, a queda dos juros não teria sido acelerada. "Pelo modelo do BC, a projeção de inflação para 2008 não mudou desde a última reunião do Copom [em abril]", afirma o economista. A própria ata do Copom divulgada ontem ressalta que mudanças decididas hoje nos juros só terão mais efeito no ano que vem, devido ao tempo que se leva para que uma queda na taxa seja sentida, de fato, pela economia. Segundo Lintz, a queda de 0,5 ponto se deveu ao julgamento, feito pelos diretores do BC, de que as chances de uma grande desvalorização do real -que pressionaria a inflação - são cada vez menores. Diante dos efeitos positivos que o câmbio tem tido sobre a inflação, o economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, chega a ironizar os que reclamam da forte valorização do real. "Quem disse que real forte é sempre uma má notícia?", questiona ele em relatório distribuído a clientes do banco. No governo, o câmbio sempre foi motivo de polêmica. Nos últimos dias, várias medidas foram anunciadas na tentativa de conter a queda do dólar -ou, pelo menos, de amenizar seus efeitos. Entre elas estão a concessão de empréstimos a juros subsidiados para alguns setores e limites mais rígidos para as operações dos bancos no mercado de câmbio. Anteontem, quando foi divulgado que o PIB (Produto Interno Bruto) do 1º trimestre cresceu 4,3% sobre o mesmo período de 2006, analistas ressaltaram que o resultado poderia ter sido melhor se não fosse o impacto negativo que o aumento das importações provocou em alguns setores, especialmente na indústria.
"Âncora cambial não-intencional" tem prós e contras”
Especialistas vêem pontos positivos e negativos na "âncora cambial não-intencional" contra a inflação que permitiu ao BC acelerar o corte na Selic para 0,5 ponto. Por um lado, o aumento da oferta de importados favorece a competição com a indústria local, estimulando a competitividade e segurando os preços. Além disso, beneficia a compra de máquinas de fora, ampliando a capacidade produtiva interna. or outro, a importação tem feito estragos em setores menos competitivos ou que sofrem a concorrência de países como a China, caso de têxtil e calçados. No geral, além da queda na produção e nas vendas desses setores, há um custo alto em termos de empregos perdidos. A indústria têxtil e de confecções, que responde por 14% de todo o emprego industrial (é o 2º maior empregador atrás de alimentos e bebidas), prevê cortar 280 mil vagas formais em 2007 por conta das importações. De janeiro a maio, enquanto as exportações do setor subiram magro 0,6%, as importações saltaram 47%. "Temos desindustrialização em empresas centenárias e substituição por fábricas fora do Brasil, como fazem grupos como Vicunha, Coteminas, Santista e Rosset", afirma Rafael Cervone, presidente do Sinditêxtil, que reúne o setor. Segundo cálculos do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), o PIB do primeiro trimestre teria crescido 5,7%, e não 4,3%, não fosse a força das importações. Na prática, quando um país importa, ele compra a produção de um outro país, criando empregos lá fora.
As importações, no entanto, são fundamentais para obrigar as empresas locais a se atualizar e a manter seus preços baixos, já que terão seus produtos fabricados aqui concorrendo com outros que vêm de fora. São cruciais também para atender a uma demanda que o setor produtivo nacional não tem condições de suprir sem pressões inflacionárias. "Um setor ou outro acaba sendo mais prejudicado pelo câmbio, mas a tendência geral com o aumento das importações é positiva. Do ponto de vista do BC, o câmbio também atua positivamente, e não há mesmo muito a fazer nessa área", diz Marcela Prada, da Tendências. Segundo análise da corretora de câmbio NGO, a ata do Copom de ontem é uma "confissão" de que a âncora da inflação hoje é o câmbio, e não tanto o juro elevado. A NGO avalia que as recentes medidas do BC na área cambial visam "purificar" o mercado, reduzindo a especulação para que se possa avaliar melhor o atual impacto do câmbio na inflação.
Lojas de roupa vão repassar tarifa maior
A indústria varejista têxtil brasileira é contra o aumento da TEC (Tarifa Externa Comum), que vai passar de 20% para 35% no fim do mês. O presidente da Abeim (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), Sylvio Mandel, diz que o custo vai cair no bolso do consumidor das grandes redes de varejo, obrigadas a importar. "Falta tecnologia, acabamento de qualidade, e isso conseguimos lá fora. Precisamos é de investimento no setor produtivo para conseguir competir com os mercados produtores." A entidade, que representa as sete maiores redes varejistas do país -C&A, Marisa, Lojas Renner, Wal-Mart, Cori, Luigi Bertolli e Mango-, é contrária à barreira negociada pela indústria têxtil nacional, representada pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil). Essa é uma das reivindicações da Abit para reduzir o déficit do setor e o desemprego. Para o diretor-superintendente da Abit, Fernando Pimentel, o aumento da tarifa é legítimo e foi aprovado pela OMC (Organização Mundial do Comércio). "A queda do dólar em dez anos mais que compensa o aumento da TEC." "Caso não seja possível reverter a tarifação, poderíamos destinar a diferença do aumento a financiamento para o setor investir em máquinas de última geração e produção de fios melhores", diz Mandel. O receio da entidade é que o aumento eleve os preços em um mercado voltado para a classe média e média baixa. "Preferíamos não importar, mas não temos escolha." China e a Índia têm sido as maiores aliadas na manutenção dessas características do varejo brasileiro. Os dois países responderam por 61,4% do total importado pelo Brasil em 2006, segundo o estudo "Consumo aparente de vestuário no Brasil", divulgado ontem pelo Iemi (Instituto de Estudos e Marketing Industrial). Só a China vende 53% dos produtos. As importações aumentaram três vezes e meia desde 2003 e representaram 3,4% dos produtos consumidos no vestuário nacional no ano passado. Entre as redes de varejo filiadas à Abeim, o percentual cresce para entre 8% e 10%. No total, o Brasil importou US$ 346,9 milhões em 2006. O preço médio dos produtos importados aumentou 26,7% de 2003 a 2006, de US$ 7,40 para US$ 9,38 o quilo. Segundo o estudo, esse encarecimento é resultado da compra de produtos de maior valor agregado. Para Mandel, o grande alvo das importações são os tecidos sintéticos, que demandam tecnologia e escala de produção. Entre os produtos mais comprados, estão casacos (25,9% dos artigos em malha) e suéteres e pulôveres (12,8%).
Mão dupla: Além de importação, dólar baixo estimula contrabando
A baixa cotação do dólar tem facilitado não só a compra de produtos importados, mas também o contrabando. A apreensão de mercadorias importadas de forma irregular cresceu mais de 50% nos primeiros cinco meses do ano. Já a expansão das compras ocorreu em um ritmo menor, 26,7%. A Receita Federal apreendeu entre janeiro e maio R$ 129 milhões em mercadorias contrabandeadas e piratas, e a expectativa é que no ano cheguem a pelo menos R$ 1 bilhão.


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