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Ajuda calculada

Veículo: Correio Braziliense
Seção: Economia
Página: 13

 

Recebidas com decepção pelos beneficiados, as medidas anunciadas ontem para ajudar fábricas que acusam perdas com a forte desvalorização do dólar valem especialmente pelo recado ao setor produtivo nacional. Seja pelo conteúdo, seja pela posição explicitada pelos arautos do pacote, o governo definiu o que entende ser o caminho brasileiro: investir em qualidade, porque no preço não há como competir com artigos de baixo valor agregado de países como a China. "A idéia é que as indústrias busquem diferenciar, enobrecer, criar mais qualidade e design de maneira a aumentar o valor agregado, porque será difícil para o Brasil concorrer com produtos padronizados de baixo valor", sintetizou o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Se entenderam ou não esse recado, o fato é que os elogios foram pequenos diante das reclamações dos principais alvos das quatro medidas apresentadas ontem - os setores de têxteis e confecções, calçados e móveis. No geral, elas miram na ampliação de investimentos, subsidiando os juros dos empréstimo do BNDES, ao permitir o uso imediato de créditos de PIS e Cofins e suspender esses dois tributos na compra de máquinas e equipamentos e financiar a exportação. "Não estamos aqui para proteger a ineficiência. São medidas para atenuar a valorização cambial e a carga tributária, que é maior que a dos competidores, que também têm custo financeiro menor", afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.


Têxteis


A única medida que pode ter efeito no curto prazo trata da mudança na tributação de artigos de vestuário importados, que Mantega menciona como concorrência predatória. Ao contrário do sistema adotado hoje, com a incidência de imposto no preço, haverá uma sobretaxa na quantidade - ou seja, sobre cada quilo de roupa. A bronca do setor é que artigos que vêm da Argentina e dos Estados Unidos custando US$ 15 o quilo entram no Brasil a US$ 8o quilo. "Do ponto de vista prático, o ponto efetivo é a medida que envolve a Receita Federal. As demais estão distantes das necessidades imediatas do setor. Elas pensam no futuro, e isso é importante, mas para ter futuro é preciso ter presente. Precisamos reduzir custos de produção e ter condições isonômicas às dos nossos concorrentes", diz o superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Essa mudança, no entanto, não depende apenas do Brasil - mas da anuência dos sócios do Mercosul, por se tratar de imposto de importação. Mas como a invasão de importados baratos é realidade também para os vizinhos, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, acredita que ela será adotada sem problemas. Já os empréstimos do BNDES para capital de giro, investimento MINISTROS MIGUEL JORGE E MANTEGA ANUNCIARAM O SOCORRO ÀS EMPRESAS e exportação precisam apenas de ato da própria instituição, mas seu efeito depende da disposição dos setores beneficiados de tomarem os financiamentos. O maior atrativo são juros mais baixos, que serão compensados ao banco com recursos do Tesouro Nacional. Com isso, as taxas de 8,5% e 7% serão reduzidas para 6,8% e 5,6%, respectivamente, caso os credores cumpram rigorosamente os pagamentos em dia. "São medidas para o futuro, mas nosso problema é agora. O setor de mobiliário já vem investindo em qualidade e novos mercados. Precisamos de desoneração, especialmente da folha de pagamento, e isso não veio", diz o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário, José Luiz Diaz Fernandes. O governo reconheceu a ausência da desoneração da folha, e especialmente a dificuldade em propor modificações na tributação atual, mas promete que o tema continuará em discussão. Embora não sejam setores intensivos em mão-de-obra, originalmente o foco das medidas, os ramos automotivo e eletroeletrônico foram contemplados com a eliminação de prazo para aproveitar créditos de PIS e Cofins na compra de equipamentos. Ainda assim, os dois setores juntaram-se ao coro dos insatisfeitos. "As medidas terão pouco impacto se considerarmos o estrago feito pelo câmbio. O ideal seria permitir que as empresas deixem 100% do valor exportado no exterior( hoje são 30%), e que houvesse tributação do capital especulativo que vem ao país", diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barreto. Para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a expectativa está na promessa de que ainda serão apresentadas outras medidas específicas para o setor - as montadoras esperam fórmulas que desonerem a exportação, já que no mercado interno o ambiente é favorável. As vendas e a produção devem bater recorde histórico em 2007.
Cotação do dólar sobe para R$ 1,94
No dia em que o governo anunciou medidas para compensar os setores industriais mais prejudicados com a desvalorização do dólar, a cotação da moeda norte-americana teve uma leve recuperação. Depois de certa oscilação ao longo do dia, o dólar fechou ontem a R$ 1,946, com valorização de 0,28%. O movimento foi reforçado por um leilão de compra feito pelo Banco Central (BC) no final da tarde com o objetivo de forçar a alta da moeda. O maior impulso, entretanto, foi dado pela aceleração das taxas de juros dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, os treasuries. Isso reflete as preocupações dos investidores com a inflação global e a possível elevação das taxas de juros em vários países. Num clima de incerteza, aumenta o interesse pelos papéis norte-americanos, que têm risco baixo. O mercado cambial também foi afetado pela forte expectativa sobre os indicadores de atividade econômica e inflação nos Estados Unidos que serão divulgados hoje. Os investidores estão à espera do discurso do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) sobre os fundamentos da economia na sexta-feira. Segundo os analistas, as medidas que o BC tomou na semana passada para reduzir a margem de manobra dos bancos para especular com o dólar ainda não surtiram o efeito desejado. A principal iniciativa foi a redução da permissão para os bancos manterem posições vendidas em dólar de 60% do patrimônio de referência para 30%.

Bovespa cai


Também influenciado pelo movimento nos mercados dos Estados Unidos, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 1,86%, fechando em 51.797 pontos. O volume financeiro somou R$ 4,032 bilhões. "Está havendo uma reavaliação em relação aos ativos de risco, para ver se esse cenário é só temporário ou se realmente faz sentido as taxas de juros reais permanecerem em um patamar mais elevado. Os próximos dados vão ser importantes para avaliar isso", afirmou Alexandre Santanna, analista da ARX Capital Management.
As duas opções
No centro do debate que levou à adoção de medidas para compensar setores que reclamam do câmbio está o destino do perfil produtivo do Brasil. É claro que o governo federal entende não ser possível manter uma disputa direta com os produtos baratos dos emergentes asiáticos, em especial os artigos chineses. Ou seja, ou o parque industrial se encaminha para a diferenciação pela qualidade, ou verá fábricas - ou mesmo setores - fechando as portas. Não serão medidas excepcionais que vão mudar essa realidade. Um dos pressupostos para isso está na compreensão de que aplicar receitas artificiais sobre o câmbio trará mais prejuízos do que lucros ao país. Até porque ele reflete muito mais a força das exportações brasileiras, que mantém um superávit anual superior a US$ 40 bilhões, do que o movimento especulativo. Naturalmente, trata-se de um processo difícil, com efeitos colaterais nos postos de trabalho. Países que se desenvolveram, no entanto, passaram por isso e rumaram na direção de criar empregos de maior qualificação e renda. Naturalmente, esse processo de amadurecimento da economia brasileira poderia ser menos traumático com o envolvimento sério da administração numa reforma tributária que desse ao parque fabril, no mínimo, melhores condições de competir.



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