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R$ 3 bilh?es para "?rf?os" do c?mbio

Veículo: Jornal do Commercio
Seção: Economia
Página: A2

 O governo anunciou ontem um pacote para socorrer setores exportadores intensivos em mão-de-obra que vêm sofrendo os efeitos do que o Ministério da Fazenda chamou de "sobrevalorização" do real. As medidas prevêem a criação de linhas de crédito para as empresas, benefícios tributários e mudanças na taxação de produtos importados. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferecerá três linhas especiais de financiamento no valor total de R$ 3 bilhões. Os juros serão subsidiados pelo Tesouro. O programa, chamado Revitaliza, é destinado a empresas com faturamento anual de R$ 300 milhões dos setores de calçados, artefatos de couro, têxtil, confecções e móveis. A medida deve beneficiar cerca de 4,3 mil empresas. Na área tributária, o governo editará uma medida provisória para reduzir o prazo para as empresas utilizarem créditos de PIS e Cofins obtidos na compra de máquinas e equipamentos. Hoje, elas compensam esses créditos com outros impostos ao longo de 24 meses. Com a mudança, o uso será imediato.
RECAP
Além disso, haverá a ampliação do Recap (regime especial de compra de bens de capital para empresas exportadores). Pelas regras atuais, as empresas que exportam mais de 80% da produção não precisam recolher PIS/Cofins na compra de insumos e bens de capital (máquinas e equipamentos). Esse limite cairá para 60%, beneficiando mais 60 empresas. As duas medidas tributárias terão um impacto de R$ 650 milhões e atenderão também aos setores automotivo e de eletroeletrônicos. A renúncia fiscal e a equalização dos créditos custarão ao Tesouro Nacional R$ 1,057 bilhão, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. "O governo tomará medidas para garantir a competitividade de setores da indústria de transformação. Não são as primeiras nem serão as últimas. É um processo permanente, em que vamos ajustando o foco para garantir que a indústria brasileira possa competir em pé de igualdade com a indústria globalizada", afirmou Mantega. No pacote, não há exigência de contrapartida por parte das empresas na geração ou na manutenção de empregos. Em abril, o governo já havia anunciado a elevação da tarifa (atingindo o máximo de 35%) para calçados e têxteis para dificultar a entrada desses produtos e proteger a indústria nacional. Também foram criadas, em 2006, linhas de crédito especiais para atender a esses dois setores e a indústria moveleira. A desoneração tributária promovida pelo governo desde 2004 já ultrapassa R$ 29 bilhões, incluindo os incentivos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nos próximos dias, a equipe econômica deverá divulgar novo pacote aos setores automotivo e de eletroeletrônicos.
JUROS
Mantega destacou que os juros das três linhas especiais do BNDES são os mais baixos das últimas décadas. Os financiamentos serão para investimento, capital de giro e exportação. Dos R$ 3 bilhões, R$ 2 bilhões são recursos do BNDES e R$ 1 bilhão, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). "Nunca uma taxa tão baixa foi oferecida a esses setores", declarou o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.
Uma quarta linha será criada para a reestruturação (fusões e aquisições) das empresas, mas as taxas de juros não terão taxas subsidiadas. "Não faz sentido oferecer crédito com taxas especiais para uma empresa comprar outra", explicou Coutinho. A última medida, que ainda precisa passar pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), estabelece uma nova forma de tributação nas importações de vestuário e acessórios. O governo avalia que há subfaturamento na importação desses produtos, gerando concorrência desleal com os produtos nacionais e sonegação de imposto. Pela proposta, a tributação passará a ser feita sobre a quantidade importada (quilo), não mais pelo preço da importação.
Novas medidas para setores automotivo e eletroeletrônico
O governo prepara um novo conjunto de medidas, desta vez para estimular os investimentos nos setores automotivo e eletroeletrônico, disse o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, durante a entrevista para anunciar o pacote de ajuda aos setores mais atingidos pelo dólar barato. Miguel Jorge não quis dar detalhes das propostas em estudo, mas disse que elas são "um pouco mais complicadas" do que as medidas anunciadas ontem. "Não serão medidas para ajudar empresas", garantiu. Segundo o ministro, o setor automotivo está chegando ao pleno uso da sua capacidade instalada e precisa fazer grandes investimentos, assim como o setor de autopeças. "Até o final do próximo ano, eles (as empresas automotivas) esgotarão a capacidade e é preciso definir as novas regras, pois este setor tem necessidade de um ano e meio para programar os seus investimentos, que implicam a importação de equipamentos", explicou Miguel Jorge. No caso dos eletrodomésticos, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, explicou que o objetivo das medidas em estudo é o de desenvolver o setor para enfrentar a nova fase da tecnologia, que envolve a TV digital, a banda larga, a telefonia celular de terceira geração, entre outras inovações.
Inovação
Segundo Coutinho, o governo pretende fortalecer a capacidade de oferta de equipamentos de alta tecnologia das empresas instaladas no Brasil, fomentar o desenvolvimento de novas empresas neste importante segmento da economia, especialmente aquelas comprometidas com processos de inovação.
Jorge e Coutinho não deram prazo para a conclusão dos estudos técnicos, mas sinalizaram que as medidas não demorarão a sair. Hoje, os dois setores foram surpreendentemente incluídos no pacote de medidas destinado a ajudar as empresas mais prejudicadas com o dólar barato. A surpresa decorre do fato de que as empresas automotivas estão trabalhando a plena capacidade e não enfrentam problemas com o câmbio.
"Governo deu band-aid para gangrena"
O ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Telecomunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros, avaliou que as medidas anunciadas ontem pelo governo federal para compensar os setores mais afetados pela valorização do real são "band-aid para quem está com gangrena". Segundo Mendonça de Barros, que participou em São Paulo do Seminário Desafios da Economia Brasileira promovido pela Associação das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), o governo começou a "tomar conta dos perdedores", uma vez que, na sua avaliação, o Brasil terá que mudar o perfil industrial diante da nova economia do globo. "Estamos vivendo uma Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) às avessas, com o preço das matérias-primas maior do que o dos industrializados", disse. Na sua avaliação, a Zona Franca de Manaus "não tem mais sentido" e o governo federal deveria discutir essa questão com a sociedade, em vez de adotar medidas paliativas para o câmbio. "A indústria automobilística brasileira, por exemplo, será reconstruída. Hoje ela fabrica internamente quase todas as peças dos carros, mas terá um coeficiente muito maior de importação", disse. Para Mendonça de Barros, hoje estrategista-chefe da Quest Investimentos, o Brasil passou de uma economia aberta sem dólar e, portanto, frágil, para uma economia aberta com dólar e, por isso, forte.
Fiesp quer extensão das medidas a toda a indústria
Ao comentar o pacote de ações anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega - que beneficia os setores têxtil e confecções, calçados, moveleiro, eletroeletrônico e automotivo, afetados pela desvalorização do dólar - o diretor do Departamento de Pesquisas Econômicas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Francini, afirmou que o maior problema para a indústria é o câmbio e que beneficiar apenas alguns setores não resolve a questão. "Sou mais favorável a medidas gerais, porque a dificuldade é de toda a indústria", afirmou Francini, lembrando que a escolha privilegia os setores com crise mais evidente, o que não significa que outras áreas da economia também não estejam sendo prejudicadas. De qualquer forma, o diretor da Fiesp acredita que essas medidas são melhores do que nada. "Porém, o melhor é fazer o correto", disse. Para Francini, a tributação de vestuários sobre quantidade é uma das medidas mais importantes do pacote porque corrige o abuso das importações subfaturadas que prejudicam o segmento de vestuário. Para o diretor do Departamento de Economia do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Antônio Correa de Lacerda, as medidas "significam o reconhecimento do governo das dificuldades que os setores industriais enfrentam". Segundo Lacerda, "é uma medida proativa do governo de criar condições favoráveis às empresas afetadas pelo câmbio", afirma. No entanto, assim como Paulo Francini, Lacerda ressalta que os setores beneficiados não são os únicos afetados pelo problema do câmbio. "Essas medidas são paliativas e compensatórias, porque diminuem a desvantagem competitiva da economia brasileira para esses setores, mas não cria novas vantagens competitivas, que é hoje o grande desafio da economia."
Lacerda argumenta que o dólar desvalorizado não afeta apenas as exportações. "O dólar é um preço básico da economia, que define investimentos e a produção local. Portanto, eu vejo o anúncio como um início de um processo que deve se estender a outros setores."
Abicalçados
"Se eu disser que as medidas não trarão benefícios, é mentira. Mas elas ainda vêm em doses homeopáticas. Está muito claro que, se o governo não realizar as reformas tributária, fiscal e trabalhista, se não reduzir a carga (tributária), não vai resolver o problema da competitividade", disse Elcio Jacometti, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Para Rafael Cervone, da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), "são medidas positivas, mas não devem trazer de volta os investimentos, que vão para países com melhores condições". Cervone ainda ressalva que, no caso das linhas de crédito, elas não devem beneficiar as pequenas e médias empresas do setor, que não conseguem atender às exigências dos bancos para empréstimos.
A decisão de estender a isenção de PIS e Cofins na aquisição de insumos e bens de capital para empresas que vendem ao exterior mais de 60% de sua produção - o limite que vigora é de 80% - também deve ser ineficiente para o setor têxtil. "Com esse câmbio, quem do setor exporta mais de 60% da produção? O limite deveria ser de 10% a 15%", diz Cervone. Ele reclamou ainda que a decisão de elevar de 20% para 35% a tarifa de importação de calçados e têxteis, anunciada pelo governo em abril, ainda não entrou em vigor.


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