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Fazenda aplica antidumping disfar?ado a t?xteis da China

Veículo: Valor Econ?mico
Seção: Brasil
Página: A3


Entre as medidas de apoio aos exportadores divulgadas ontem, o Ministério da Fazenda alterou a tributação das importações de vestuário, que deixará de incidir sobre os preços de importação e considerará o peso do produto que chega ao país. A medida foi aplaudida pelos empresários como um "antidumping" contra a China. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) já pedem a ampliação da medida a outros setores que sofrem com a concorrência chinesa, como calçados e brinquedos. "Subfaturar um produto é possível, subpesar é impossível", diz Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto de Comércio Exterior da Fiesp. Na prática, a nova tributação funciona como uma tarifa antidumping, que corrige as distorções dos produtos que são exportados abaixo do preço de custo. Vários setores encaminharam ao governo pedidos de investigação de dumping contra a China, mas as boas relações entre os dois países e a promessa do governo de reconhecer o gigante asiático como economia de mercado torna politicamente complicada a adoção de políticas de defesa comercial. Para estabelecer as novas tarifas para têxteis e vestuário, a Receita Federal elaborou uma lista de preços de referência junto com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), com base no preço da matéria-prima que compõe o artigo confeccionado. Prática comum até a década de 80, a adoção de preços de referência para o comércio exterior é proibida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o que pode abrir espaço para contestações da medida anunciada ontem. As regras da OMC, argumenta o governo, dão margem para que o subfaturamento seja combatido com a aplicação de taxa sobre a quantidade importada. Isso é possível desde que o imposto não supere o teto da tarifa fixada nas negociações internacionais - hoje de 35%. A dúvida dos especialistas é como assegurar que esse limite realmente não seja ultrapassado. Além destas mudanças, o governo anunciou linhas de crédito para capital de giro e investimento e nova desoneração tributária na compra de bens de capital. No total, contudo, apenas seis setores foram beneficiados.
Medidas embutem antidumping para têxteis
No conjunto de medidas de apoio aos exportadores divulgadas ontem, o governo alterou a forma de tributar as importações de vestuário e adotou informalmente uma lista de referência de preços para os produtos desse setor. Os empresários aplaudiram a medida, classificando como um verdadeiro antidumping contra a China. Já os especialistas em comércio exterior advertem que pode contrariar as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo rechaça que esteja infringindo as leis do comércio mundial. A tributação para o setor de vestuário deixará de incidir sobre o preço de importação e passará a considerar o peso do produto que chega ao país. Os impostos serão cobrados por quilo de cada item de vestuário através de um valor fixo, definido com base nos preços de referência pesquisados pela Receita, segundo comunicado do Ministério da Fazenda, distribuído ontem na entrevista coletiva na qual os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Miguel Jorge, anunciaram as medidas para elevar a competitividade dos setores afetados pela valorização do câmbio. "Essa é a medida que mais entusiasma. Gostaria de ver adotada para todos os produtos que sofrem com a concorrência chinesa", disse Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "A tributação incide sobre a quantidade importada. É quase um antidumping", completa José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), para quem a medida "contorna uma saia justa com os chineses". Ao cobrar a tarifa com base em um preço de referência, o governo deixa de considerar para fins tributários o preço pelo qual o importador declara ter trazido o produto ao país. Segundo a Fazenda, a Receita vinha constatando que o preço declarado em importações de vestuário estava abaixo das importações de matéria-prima, caracterizando indícios de subfaturamento. Vender abaixo do preço de custo também é o conceito do dumping, sobre o qual os países aplicam uma tarifa para anular o efeito desleal no comércio. Mais de 65% das importações de vestuário do Brasil vêm da China. Nas gavetas do Ministério do Desenvolvimento, estão empilhadas investigações antidumping de vários setores contra o país asiático. Algumas saíram do papel, outras não. As relações preferenciais entre Brasil e China e a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reconhecer o gigante asiático como economia de mercado tornam mais difícil politicamente a aplicação desse tipo de medida de defesa comercial. Em abril, o governo elevou a tarifa de importação de vestuário de 20% para 35%, medida que ainda depende de aprovação do Mercosul, bem como a nova forma de tributação anunciada ontem. O Brasil também firmou um acordo de restrição de importações de alguns produtos têxteis. Os empresários, contudo, consideram que cobrar por peso é a forma mais eficaz de proteger o mercado. "Essa é a medida de mais efetividade, porque traz dividendos imediatos", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Ele esclarece que os preços de referência utilizados pela Receita foram pesquisados em fontes internacionais idôneas. "A Receita sabe o que faz. Todos os países fazem algo para combater o desequilíbrio", diz. As importações de produtos confeccionados estão subindo acima da média nacional. Em 2006, o Brasil importou US$ 346,8 milhões em vestuário, alta de 52,7% em relação ao ano anterior. De janeiro a abril deste ano, as importações de vestuário somaram US$ 124,6 milhões, aumento de 32,5% em relação a igual período de 2006, segundo a Abit. "Não podemos ser a liquidação chinesa", diz Pimentel, afirmando que a China manda ao Brasil a preços baixos o que não vende nos EUA e na Europa.
Na reunião com o presidente Lula, na noite de segunda-feira, ao explicar essa medidas, Miguel Jorge citou como exemplo do subfaturamento um contêiner fiscalizado recentemente, onde ternos trazidos do exterior tinham declaração de preço de US$ 0,27 por unidade. Estabelecer formalmente um preço de referência sobre as importações era prática comum na década de 80, mas foram proibidos depois das negociações da Rodada Uruguai. Hoje, as regras da OMC dizem que o valor aduaneiro, sobre o qual incide a tributação, deve ser o valor da transação. "Atualmente, preço de referência é uma prática é bastante questionável", diz Rabih Ali Nasser, professor de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A nova tributação específica para importações de vestuário não utiliza os preços de referência diretamente, mas para estabelecer uma tributação em US$/quilo. O governo esclarece que essa tributação é factível, desde que o imposto não ultrapasse o teto máximo fixado em percentagem pelo país nos acordos internacionais, nesse caso 35%, que devem ser aplicados não sobre o preço de referência, mas sobre o valor do produto importado. O governo argumenta, justamente, que dentro das regras da OMC a adoção dessa nova tributação, chamada "ad rem" (sobre a quantidade importada), é possível desde que o imposto não supere o teto máximo "ad valorem" (sobre o valor) fixado nas negociações internacionais. Nasser diz que é difícil avaliar como será possível manter o limite em casos de produtos que chegam ao país com preços muito baixos. A Receita Federal já estava atuando para elevar os preços das importações de vestuário. Em maio, o órgão aplicou a operação "Panos Quentes", que conseguiu elevar o preço médio da importação de confecções de US$ 9 por quilo para US$ 14. Nesse caso, a Receita informava que era uma operação de valoração aduaneira, quando o preço do produto é corrigido devido a suspeita de que tenha sido feito alguma conta errada pelo importador na hora de somar os custos logísticos ao preço real do produto. Essa prática é autorizada pela OMC. Comumente associada ao combate do subfaturamento, o valoração aduaneira não foi criada para esse fim, já que sub faturamento é crime, esclarece o professor Nasser. A Receita Federal do Brasil elaborou a lista de preço de referência junto com a Abit com base no preço da matéria-prima que compõe o artigo confeccionado. Sobre ele aplicará uma perda mínima de 15%. Não considerará, para esse efeito, outros custos de produção como salários, energia, marketing. Com bases nesses argumentos os técnicos oficiais entendem que não haverá contestação na OMC.
Para setores beneficiados, medidas são tímidas
Os empresários dos setores mais beneficiados pelas medidas do governo - têxteis, calçados e móveis - consideraram as medidas anunciadas pelo governo como insuficientes e reclamaram da não-adoção da desoneração da folha de pagamento. Os empresários queriam medidas que reduzissem os custos de produção. Reduzir o custo do investimento, dizem, é bom, mas com o câmbio atual são poucos os que irão se aventurar para aumentar a capacidade de produção. "Se o governo tivesse colocado todo o setor no Simples, aí sim teríamos uma mudança", diz a presidente da Dudalina, Sônia Hess de Souza. Para ela, as medidas anunciadas não são as que o setor precisava - desoneração fiscal e reforma trabalhista. "O pacote não me fez rir", disse ela, ressaltando que a empresa tem interesse nas novas linhas do BNDES, mas que isso não levará a um superinvestimento ou grandes mudanças no planejamento da companhia.
A opinião de Sônia é compartilhada pelo presidente da Buettner, João Henrique Marchewsky. Sobre os empréstimos do BNDES, ele considerou que se as empresas com dívidas atrasadas junto ao governo não puderem pegar esse empréstimo, a medida não traz benefício. "Boa parte das indústrias tem pendências com o governo." Para o empresário, grande parte dos investimentos em máquinas direcionados ao aumento da produtividade já foi feito, e por isso as alterações relacionadas a PIS e Cofins trazem pouco benefício. "São poucas as indústrias que estão com capacidade de investimento. As medidas vieram tarde, bem tarde, porque há dois anos estamos praticamente apenas sobrevivendo." A desoneração da folha de pagamentos, que seria uma medida mais importante, segundo Marchewsky, não ocorreu. "O governo não mexeu no eixo do problema." Na Teka, fabricante de itens de cama, mesa e banho, o pacote também não entusiasmou. Marcello Stewers, diretor de relações com investidores, criticou as medidas, dizendo que o "problema do câmbio é estrutural e não é com dívida mais barata que será resolvido". O presidente da indústria têxtil Buddemeyer, Evandro Müller, foi um dos poucos do setor que consideraram as medidas de alteração nos créditos de PIS e Cofins e de novas linhas do BNDES como de "extrema importância". "É uma grande vantagem para o setor ter uma equalização das taxas de juros a de outros países", diz. Ponderou, contudo, que elas não compensarão as perdas com o dólar. O aumento da fiscalização nos importados foi a mais bem vista entre as medidas anunciadas. No entanto, também foi recebida com ressalvas. "Uma ação voltada a inibir a importação ilegal deveria ser parte de uma política de governo e não parte de um pacote para os exportadores", disse Marchewsky. "Aplaudimos o pacote, mas enquanto o governo não passar o custo Brasil a limpo e não promover as reformas tributária, fiscal e trabalhista, não vai nos devolver a competitividade perdida", afirmou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Élcio Jacometti. Jacometti reconhece o "esforço admirável" do governo em buscar mecanismos que ajudem os exportadores. No entanto, vê com certo ceticismo o anúncio de medidas como o aproveitamento imediato dos créditos de PIS e Cofins obtidos na compra de bens de capital. "Já está difícil para receber os créditos acumulados nas exportações." O presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário, José Luiz Dias Fernandes, destacou a necessidade de medidas de efeito imediato, e não apenas sobre investimentos. "Esperávamos a ousadia maior por parte do governo, por exemplo com desoneração da folha de pagamento, dos encargos, porque as perdas com o dólar foram muito grandes." Segundo o gerente de marketing da West Coast, fabricante de sapatos masculinos de Ivoti (RS), Sérgio Baccaro Júnior, a idéia de linhas de crédito subsidiadas já vinha sendo cogitada, mas não resolve os problemas das empresas que, após anos de prejuízo, sequer têm condições de tomar financiamentos. "Não queremos dinheiro emprestado, precisamos é recuperar a condição de produzir no Brasil", afirma. Para Maria Lucrecia Calandro, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE), o novo pacote do governo dá um "alívio temporário" para o setor calçadista, mas não mexe nas questões principais, que são o câmbio valorizado e a necessidade de reconversão das empresas. Segundo ela, o setor precisa aprofundar o movimento de busca de nichos de mercados mais sofisticados para escapar da concorrência asiática e se preparar para produzir menos e com estruturas mais enxutas. Na avaliação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), o maior problema do pacote é que está concentrado em apenas alguns setores. "Se fosse para todo o comércio exterior, teria sido fantástico", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB. "Como o governo sabe quais os setores estão sofrendo com o câmbio?", questiona Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp. O presidente em exercício da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, Bolívar Moura, em nota, disse que o pacote é um "primeiro passo", mas ainda não resolve os problemas dos exportadores.


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