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O desafio do dólar barato

Veículo: Estado de são Paulo
Seção: Notas & Informações
Página: A3

O governo discute mais um remendo fiscal para socorrer os setores mais prejudicados pela valorização do câmbio. A discussão concentrou-se, nos últimos dias, na idéia de redução de encargos trabalhistas. Num primeiro exame, a proposta parece defensável. As indústrias mais afetadas pelo dólar barato, como as têxteis, de móveis e de calçados, dependem principalmente de insumos nacionais. Algumas importam insumos, mas, de modo geral, são mais dependentes de matérias-primas e bens intermediários produzidos no Brasil. São geradoras de empregos tanto diretos quanto indiretos. Empresas de outros setores enfrentam o desafio com maior facilidade, aproveitando o real valorizado para importar materiais e componentes. Mantêm, assim, o poder de competição, mas ao custo de substituir empregos no País por empregos no exterior. Não há nada errado, em princípio, na importação de matérias-primas, bens intermediários e mesmo produtos finais, quando a diferença de custo resulta da maior eficiência do produtor estrangeiro. Mas boa parte da concorrência enfrentada por essas indústrias, em condição de inferioridade, tem origem muito diferente. Para sobreviver à abertura da economia, nos anos 90, muitas delas tiveram de investir muito dinheiro e de modernizar equipamentos, processos produtivos e estilos de administração. Dedicaram-se com maior intensidade à exportação e disputaram espaço no mercado internacional, em muitos casos com grande sucesso. Mas começaram a perder fôlego, há algum tempo, em conseqüência da valorização cambial e das condições especiais de competição impostas principalmente pela China. A valorização do real deixou mais visível uma série de obstáculos que as empresas não podem remover somente com seus meios. Tributos pesados e irracionais, cobrados tanto pela União quanto pelos Estados, são componentes importantes desse conjunto. Além disso, muitas indústrias brasileiras ficam em desvantagem quando se trata do acesso a grandes mercados, como o dos Estados Unidos e o da União Européia. Concorrentes de peso desfrutam de preferências no comércio com as economias mais desenvolvidas. O governo brasileiro negligenciou a assinatura de acordos com aqueles parceiros e isso faz diferença. O problema de acesso a grandes mercados não é exclusivo do agronegócio. Esse tem sido um dos estímulos para o investimento brasileiro no exterior. Investir fora para ganhar projeção internacional é muito bom. Criar empresas e empregos noutros países porque o governo brasileiro deixou de fazer os acordos necessários é lamentável. Mas o alívio fiscal para alguns setores e apenas por tempo limitado pode não ser uma boa resposta. Uma pequena desoneração tributária será insuficiente para compensar a desvantagem cambial, mas o governo não pode ir muito longe nessa política. Já se discute uma alteração geral da tributação sobre a folha de salários, defendida pelo ministro do Trabalho. Também não será uma solução simples. Deslocar os tributos da folha de pessoal para o faturamento agravará outro problema: a tributação em cascata. É difícil conceber uma solução adequada fora de um projeto mais amplo de reforma tributária e, provavelmente, da Previdência. O Brasil tem uma longa experiência de remendos na área de impostos. Cada mudança improvisada tende a resultar em novas distorções. No entanto, há um problema concreto que o governo não pode, ou pelo menos não deve, menosprezar. A valorização cambial, somada ao contrabando e às dificuldades de acesso aos principais mercados, pode resultar em crises setoriais e no fechamento de milhares de postos de trabalho. Medidas meramente protecionistas também não são a resposta adequada, porque as empresas têm de competir em escala global. Talvez se encontrem soluções de emergência para alguns setores. Mas será preciso ir muito além. Fala-se muito em políticas de competitividade, mas pouco se tem feito para eliminar as desvantagens que se encontram além dos portões das fábricas e das porteiras das fazendas. Não há outro caminho, quando se pretende manter o câmbio flutuante. Isso é confirmado pela experiência de países muito competitivos.


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