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Câmbio faz saldo da indústria encolher 16,5% no 1º bimestre

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil
Página: A3

Apesar de prejudicar a competitividade dos produtos brasileiro no exterior, o efeito mais perverso do câmbio valorizado para a indústria brasileira é o aumento das importações. O saldo da balança comercial da indústria de transformação encolheu 16,5% no primeiro bimestre do ano em relação a janeiro e fevereiro de 2006, conforme dados da Secretaria de Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. É resultado de um aumento de 27% das importações, enquanto as exportações cresceram 16%. "Esse processo está ganhando velocidade", diz Edgard Pereira, economista-chefe do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Indústria (Iedi). Em 2006, o saldo comercial da indústria da transformação recuou 6%, de US$ 23 bilhões para US$ 21,7 bilhões. Foi a primeira queda desde 2002, quando a indústria reverteu déficit de US$ 3 bilhões em 2001 em um superávit de US$ 4,8 bilhões, que cresceu significativamente nos anos seguintes. A perda da indústria da transformação brasileira também está bem acima da queda de 4,5% do saldo da balança comercial total do Brasil no primeiro bimestre desse ano. Dos 20 setores industriais analisados pelo ministério, 13 registraram queda no saldo da balança comercial. Em apenas um caso - material de transporte - ocorreu perda efetiva das exportações. Em todos os outros, as importações cresceram acima ou praticamente no mesmo ritmo das exportações. "As indústrias brasileiras, inclusive as exportadoras, estão aproveitando o câmbio para aumentar a importação de matérias-primas e componentes. É até uma maneira de se defender do real valorizado", explica Mariano Laplane, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ao aumentar as importações de insumos, as indústrias reduzem seus custos no mercado interno e na exportação. Algumas empresas vão tão longe nesse processo de substituição, que optam por deixar de produzir no país e importar o produto acabado. Outro fator que estimula as importações da indústria brasileira é o fato de que os setores com maior percentual de componentes importados estão entre os que mais se beneficiaram do crescimento da economia brasileira, lembra Pereira, do Iedi. Ele cita como exemplo o setor de informática, cujas vendas de computadores dispararam, estimuladas pelos incentivos fiscais do governo federal. O saldo da balança comercial de material elétrico e de comunicações aumentou 27% nos dois primeiros meses do ano em relação a janeiro e fevereiro de 2006, atingindo US$ 1 bilhão, segundo os dados do ministério. Embora as exportações desse setor tenham crescido 2,6% no período, as importações subiram 15%. Na área farmacêutica e veterinária, o saldo da balança recuou 47%. As exportações do setor cresceram 19%, mas as importações avançaram ainda mais: 40%. Fernando Puga, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), afirma que as importações também são beneficiadas pelo crescimento da economia do país. Graças à melhor distribuição da renda, à redução da taxa de juros e ao aumento do crédito, a população brasileira está consumindo mais, o que se reflete nos mais diferentes setores da economia e impulsiona as importações de forma geral. Apenas no setor de material de transporte as exportações efetivamente recuaram 4% no primeiro bimestre do ano, em relação a igual período de 2006. Mesmo nas atividades intensivas em mão-de-obra, que são as mais afetados pelo câmbio, os setores ainda conseguem empatar ou registrar pequenos crescimentos nas vendas externas. As exportações de vestuário e calçados no primeiro bimestre do ano estão exatamente no mesmo patamar de janeiro e fevereiro de 2006. Na mesma comparação, as exportações de têxteis cresceram 5% e de móveis, 11%. Várias razões explicam o impacto mais lento do câmbio valorizado nas exportações do que nas importações. Pereira, do Iedi, afirma que as empresas estão reajustando seus preços no mercado externo e mantendo a receita obtida em dólares. Puga, do BNDES, explica que a alta do preço das commodities beneficia alguns setores. Laplane, da Unicamp, lembra que os exportadores brasileiros estão comprometidos com contratos de longo prazo, que são obrigados a cumprir. "Tudo isso cria a falsa impressão de que o câmbio não faz mal para a exportação. Mas é um olhar ingênuo", diz Laplane. Trocas no Mercosul sem dólar começam com vendas à vista O comércio em moeda local entre Brasil e Argentina, no início, beneficiará apenas as vendas feitas à vista. O governo estima que entre 15% e 20% das trocas bilaterais serão realizadas em pesos ou reais. Os diversos órgãos envolvidos estão finalizando os últimos detalhes do mecanismo, que será chamado de Sistema de Moeda Local (SML), informou o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mário Mugnaini, ao Valor. Na prática, as vendas à vista no comércio exterior significam uma internalização da moeda em cerca de 210 dias. As vendas financiadas estão atreladas ao dólar e ao spread bancário, o que vai requerer estudos mais aprofundados do governo para tentar incluí-las no sistema. Segundo José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), as vendas à vista representam parcela razoável de operações, principalmente de pequenas e médias empresas. As grandes operações, como de veículos e autopeças, costumam ser feitas com financiamento. Mugnaini explica que as empresas argentinas interessadas em comprar produtos brasileiros terão duas opções para pagar diretamente em reais. A primeira alternativa é abrir uma conta no Brasil em reais. A legislação brasileira permite que empresas estrangeiras tenham contas em reais no país. Para as empresas que não tenham conta no Brasil, bastará recorrer a um banco comercial argentino, informando a necessidade de pagar uma fatura em reais em uma conta no Brasil. O banco recorrerá ao Banco Central argentino, que providenciará a troca de pesos para reais. Ou seja, a operação ocorrerá sem necessidade de utilizar o dólar. Os BCs de Brasil e Argentina farão um "clearing diário" das operações a uma taxa de câmbio que será baseada no dólar e arbitrada pelos dois países. Ainda não está definido como brasileiros e argentinos vão equilibrar essa conta. Técnicos dos BCs estão estudando o assunto. Por ter superávit com a Argentina, o Brasil, provavelmente, terá sobra de pesos no final das operações. Em 2006, a corrente de comércio entre os dois países somou US$ 19,8 bilhões, com superávit para o Brasil de US$ 3,7 bilhões. Caso 15% das vendas sejam feitas em moeda local, como espera o governo, o Brasil poderá acumular cerca de US$ 550 milhões de reservas em peso em um ano. De acordo com Mugnaini, o governo estima que as trocas em moeda local reduzirão em cerca de 3% os custos das operações bancárias das empresas. "É um simplificador", diz. O compromisso de desdolarizar o comércio entre os dois principais sócios do Mercosul foi selado em dezembro de 2006, pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, e a ministra da Economia da Argentina, Felisa Miceli. Segundo Mugnaini, o processo de adoção do Sistema de Moeda Local será iniciado com uma resolução Camex, a ser publicada no final deste mês, depois de uma reunião do órgão. "Será o gatilho para que cada setor do governo faça o seu ajuste", diz. Ele explica que os técnicos fizeram um pente-fino em todas as portarias que devem ser alteradas, e em junho, ou no máximo julho, as trocas em reais e pesos já serão possíveis. É a primeira vez que a Camex fará uma resolução sobre câmbio, o que era uma atribuição do Banco Central. Isso é possível, porque a nova lei cambial, que flexibilizou o prazo para internalização de 30% da receita dos exportadores, transferiu do BC para a Receita Federal a regulamentação do ingresso de divisas. Dessa maneira, o regime de trocas em moeda local entre Brasil e Argentina pode ser regulamentada pela Camex, que ganha força. No decreto de criação do órgão, ficou estabelecido que a Camex cuidaria de todos os registros de operações de comércio, salvo as atribuições do Banco Central. Logo, a Camex também pode agora cuidar do câmbio. Os exportadores estão preocupados com essa transferência do controle do ingresso de divisas do Banco Central para a Receita Federal. Segundo eles, o O BC tinha postura educativa e o acesso é mais fácil, já a Receita tem uma postura arrecadatória. Eles temem a aplicação de multas pela Receita, que podem até ser questionadas pelas empresas, mas implicarão custos jurídicos. O governo deve organizar workshops para os bancos a fim de explicar o funcionamento do sistema, mas acredita que a adaptação não será complicada. Na primeira fase, as trocas em moeda local ficarão restritas entre Brasil e Argentina. Mas, posteriormente, o sistema pode ser ampliado para outros países. Mugnaini já pediu demissão ao novo ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que procura um substituto. Mas ele permanece no cargo até o fim do mês e presidirá a próxima reunião da Camex, prevista para o dia 25 de abril, quando o assunto da desdolarização do comércio Brasil e Argentina será abordado.


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