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Previdência - FGV x Lula

Veículo: Estado de São Paulo
Seção: Economia
Página: B2

Em sua publicação mais nobre - a carta do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) que será divulgada na próxima terça-feira na revista Conjuntura Econômica -, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) denuncia que, ao segmentar e separar a contabilidade da Previdência, o verdadeiro propósito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “tornar róseo um quadro grave, o que tende a adiar, infelizmente, o enfrentamento político da indispensável reforma da Previdência”. A FGV reconhece que despesas e receitas do INSS constituem um verdadeiro “saco de gatos”, mas tal desorganização não pode servir de pretexto para ocultar a gravidade do problema, ao tentar mostrar que basta “limpar as contas do INSS daquilo que não é de fato Previdência” para o déficit cair drasticamente. Na nova contabilidade, o Ministério da Previdência retira do INSS o enorme déficit da aposentadoria rural, de R$ 28,564 bilhões, e o potencial de renúncias contributivas de pequenas empresas e entidades filantrópicas, que gerariam receita de R$ 18 bilhões, se pagas fossem. Justifica que, se não há pagamento das contribuições na vida ativa, o benefício dos rurais não é previdenciário, mas assistencialista, e, por isso, deve ser transferido para o Ministério do Desenvolvimento Social, que, evidentemente, não possui verba para cobri-lo. Da mesma forma, as renúncias fiscais seriam da alçada do Ministério da Fazenda e o auxílio-doença, do Ministério da Saúde. Retirando todas essas contas da contabilidade do INSS, o déficit previdenciário reduz-se e se torna sustentável. A FGV contesta. Reafirma que aposentadoria rural e o programa da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) permitem o acesso à aposentadoria, respectivamente, aos 60 e 65 anos, e são substitutos perfeitos para quem tem expectativa de se aposentar com renda próxima ao salário mínimo, sem nunca ter contribuído para o INSS. Portanto, são percebidos como benefícios previdenciários e como tal devem ser tratados. E acrescenta que, se as despesas com o Loas (R$ 11,6 bilhões) - de responsabilidade do Tesouro - fossem incorporadas ao INSS, o déficit saltaria para R$ 54,4 bilhões. Quanto às renúncias fiscais, a FGV diz ser ainda mais fora de propósito tentar incluí-las como receita do INSS, por duas razões: 1) Na medida em que elas existem e o governo não pensa em revê-las, são, de fato, “perdas permanentes de arrecadação”; 2) boa parte da receita deixaria de existir se fosse cobrada, porque o beneficiário só viabiliza seu negócio com a renúncia. Na verdade, Lula tem perfeita consciência da urgência e necessidade da reforma da Previdência e não toma as rédeas porque nesta e em muitas outras questões ele escolhe a omissão se o enfrentamento implica perder popularidade política. Não se comporta como um estadista que recebeu das urnas a responsabilidade de tomar decisões impopulares, se a realidade assim impuser. Diante da aversão de Lula ao risco político, a saída encontrada pelo ministro da Previdência, Nelson Machado, de separar as contas do INSS foi até bem arquitetada, porque tem o mérito de dar transparência ao debate e, pela primeira vez, levar à sociedade, item por item, as deformações do sistema previdenciário. Exemplo: o privilégio de os professores se aposentarem com 25 anos (a mulher) e 30 anos (o homem) de contribuição. Uma professora que começa a trabalhar aos 18 anos e se aposenta aos 43 vai receber o benefício ao longo de 29 anos, se viver até os 72 anos (a expectativa média de vida do brasileiro). É fácil concluir que contribuir por 25 anos e receber por 29 anos gera desequilíbrio estrutural e prejudica quem se aposenta por idade. Não podia ser pior a composição do fórum para o qual Lula terceirizou o debate e a formatação de uma proposta de reforma. Sindicalistas não costumam defender o conjunto dos trabalhadores, mas só a parcela que representam. E hoje eles representam muito pouco, porque os trabalhadores informais (a maioria) são excluídos do mundo da CUT, da Força Sindical ou da CGT. Portanto, muito dificilmente eles produzirão uma proposta de reforma até 2010. Mas, se o ministro direcionar e concentrar o debate na fixação de idade mínima de acesso à aposentadoria e conseguir encaminhar proposta ao Congresso, terá dado um passo positivo na direção da incompreendida e tão necessária reforma da Previdência.


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