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CUT quer PAC com maior divisão do "bolo"

Veículo: Valor Econômico
Seção: Entrevista
Página: A10

O eletricitário Artur Henrique da Silva Santos, conhecido como Artur Henrique, ascendeu do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Energia Elétrica do Estado de São Paulo para a presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT) talvez no momento mais favorável para a negociação de uma central sindical com um governo. Do lado de lá do balcão, seu interlocutor é o ex-presidente da CUT, Luiz Marinho. A CUT e as demais centrais, nesse período, conseguiram o impensável: regras de reajuste automático do salário mínimo sem que tenham sido alteradas as regras de pagamento de aposentadorias e pensões, cuja base é o piso salarial nacional. Ele garante, no entanto, que não existe vinculação política entre CUT e governo: a central e o PT nasceram do mesmo berço, a CUT fez uma opção política pelo PT nas duas últimas eleições, mas quando começa o governo, "tudo é diferente". Henrique acredita que o movimento sindical, após um período de claro descenso - nos anos 90, os sindicatos trabalharam mais para garantir direitos já adquiridos do que para acrescentar outros -, encontrou um foco de atuação política: é a negociação, e uma negociação num regime capitalista. A central participa do fórum de empregados e empregadores que discutiu a reforma trabalhista e sindical, vai participar das negociações para mudanças na Previdência Social e reivindica participar do debate sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse debate, acredita que seu papel é a inclusão dos trabalhadores nos benefícios do crescimento. Apesar de hoje dispor de cadeiras em quase todas as mesas de negociação, Artur Henrique garante que essa é uma postura tática. "Estamos em um país capitalista. Apesar de brigar por uma mudança na sociedade - e a CUT defende uma mudança de sistema - nós temos clareza de que uma coisa é tática e outra é estratégia. Estamos brigando aqui por um espaço maior na divisão do dinheiro", diz o presidente da CUT. A seguir os principais trechos da entrevista. Valor: O movimento sindical claramente refluiu a partir dos anos 90. Perdeu densidade política? Artur Henrique da Silva Santos: Nós estamos conseguindo retomar a ação política. No final da década de 70 e durante a década de 80, existiam grandes bandeiras políticas do movimento social, entre os quais a CUT, como anistia, democratização do país, contra a tortura e a ditadura e pelas eleições diretas para presidente. Esse movimento fez com que a CUT conseguisse ampliar o seu espaço de representação e se colocar como interlocutora não só dos trabalhadores, mas também dessas bandeiras. Na década de 90 tivemos um refluxo: os sindicatos tiveram que se concentrar na luta por direitos ou pela manutenção deles - dessa vez, não mais para avançar, mas sim para resistir. Talvez seja esse o momento em que a CUT começa a retomar o seu papel. Na questão do salário mínimo, isso ficou muito claro: fizemos três marchas e a última resultou num acordo assinado por um período mais longo, ou seja, uma política permanente de valorização do salário mínimo. As centrais retomaram o papel de negociadores dos interesses do conjunto da classe trabalhadora. Existem pautas que são específicas para cada categoria, mas a Central tem o papel de atuar na defesa da pauta geral dos trabalhadores. Depois do mínimo, voltamos ao debate das bandeiras históricas: redução da jornada de trabalho e reforma agrária - e também o debate do desenvolvimento. Valor: A CUT retoma seu papel político? Henrique: Estamos conseguindo novamente espaço para o diálogo e visibilidade para disputar hegemonia na sociedade com outros atores. A central coloca-se novamente como interlocutora importante da classe trabalhadora. Queremos agora colocar, como prioridade para o Congresso, ações efetivas em relação aos trabalhadores informais. Apesar de a CUT ser a maior central da América Latina e a quinta maior do mundo, representamos 34% dos trabalhadores com carteira assinada. Há mais da metade da População Econômica Ativa (PEA) na informalidade. Valor: Isso é do interesse do empresariado? Henrique: No Fórum Nacional do Trabalho debateu-se muito isso com os empresários. E eles colocavam como primeiro obstáculo para o investimento a questão dos impostos, não o custo do trabalho. Quando se senta na mesa para debater esses assuntos, o primeiro problema que o empresariado coloca para poder investir e contratar não é o valor da contratação ou o custo do trabalho, é o imposto, a necessidade de diminuir a carga tributária. E a segunda é a burocracia. No quinto, sexto item, vem o custo do trabalho. Valor: Mas eles não colocam o custo do trabalho na conta do custo da tributação? Henrique: Não, na verdade alguns empresários tentam fazer a junção das duas coisas. Mas quando começamos a discutir o que estamos chamando de tributação, eles fazem a diferenciação. O problema é que colocam direitos, como 13º salário, FGTS, férias, como custo. Isso é salário, não imposto. Valor: E a flexibilização? Henrique: 70% dos trabalhadores que foram demitidos no ano passado tinham até dois anos de empresa. Existe no país uma alta rotatividade. Diferentemente do que pode parecer, há muita facilidade para demitir e contratar. Eu acho que tem espaço para fazer um grande debate sobre redução da carga tributária e incentivos à produção, em vez de trabalhar sempre na linha da exclusão ou da flexibilização dos direitos. Temos que trabalhar pela ampliação dos direitos, muitos não têm acesso a eles. Valor: Para vocês, do ponto de vista político, dificulta ou facilita ter o Luiz Marinho (ex-presidente da CUT) como ministro do Trabalho? Henrique: A estrutura do governo Lula, a forma como trata os movimentos sociais - e o sindical especialmente - não tem comparação com o governo anterior. Antes, não tinha mesa de negociação, não tinha para quem levar as reivindicações e posições. Dificilmente se conseguia transformar mobilização em ação prática - e uma central sindical é diferente de movimentos como o MST, pois tem que apresentar resultados após a negociação e dentro do sistema capitalista. Não estamos fazendo uma pauta de reivindicações em outro sistema econômico. Do ponto de vista político, a diferença é que no outro governo não havia espaço de negociação e havia muita criminalização. O governo Lula tem canais de participação, o que não quer dizer que todas as nossas reivindicações são atendidas - mas há respeito e há espaço. Mas queremos mais. Acreditamos que são necessárias políticas de Estado e não políticas de governo. A gente brigou muito pelo salário mínimo porque ela se tornou uma política de Estado, independente de quem estiver no governo. Valor: Essa relação com o governo não confunde a ação política da CUT? Henrique: Não, não é assim. Uma coisa é apoiar um governo diante de dois projetos políticos (do PT e do PSDB) para o país, e isso a CUT fez desde o primeiro mandato de Lula. O outro momento é depois da eleição. Aí uma coisa é o governo e outra a Central. Valor: Você acha que essa separação está clara na CUT? Henrique: Acho que tem um momento novo que é esse de abrir espaço para negociação. Aí não basta a CUT fazer o que fazia na década de 80 e dizer simplesmente "não". Precisamos elaborar e apresentar propostas. É preciso dar visibilidade às nossas propostas, ganhar a sociedade e disputar com outros atores. Ou então vamos perder esse jogo. A CUT tem clareza de que tem um papel autônomo em relação ao governo. Lógico que se você me perguntar "mas a CUT por vezes não apóia políticas do governo?", eu respondo que sim. Quando tem medidas do governo para geração de empregos, com resultados para o conjunto dos trabalhadores, iremos apoiar. Mas quando vem uma reforma da Previdência como a que foi feita no início do primeiro governo Lula, fomos contra. Essa independência tem que se manter. Valor: Quais são os canais? Henrique: Já foi instituído o Fórum Nacional do Trabalho. Agora terá o da Previdência. Não adianta mais chegar lá e falar: não à reforma da Previdência, não à mudança da legislação trabalhista. Existe um fórum discutindo isso e vamos ficar de fora? É preciso participar, elaborar, organizar o trabalhador. Valor: E qual a agenda do segundo mandato? Henrique: Agora tem o PAC. Nós criticamos algumas medidas do programa, mas entendemos que ele recoloca na agenda nacional uma questão que estava fora da agenda há mais de 25 anos. Falava-se muito em contenção da inflação, planos econômicos, ajuste fiscal, gasto público, mas o debate sobre o crescimento econômico não aparecia. O papel do Estado - não sozinho, mas em parceria com o capital privado - como indutor tem um aspecto muito positivo. Mas saímos batendo no limitador de 1,5% na folha de pagamento. E a reação é muito menos por conta do valor do que pelo fato de isso não ter sido negociado. O governo colocou uma medida para acenar com redução do gasto público, mas não foi negociado. Não somos contra o PAC, achamos que ele é positivo, mas queremos avançar. A nossa proposta é a jornada pelo desenvolvimento, que será lançada no Congresso Anual da CUT. A idéia é não ficar restrito às medidas do PAC. Estamos falando do papel do Estado, do papel dos bancos. Qual o papel dos bancos no debate do desenvolvimento econômico? ________________________________________ "Essa visão de que a revolução acontecerá domingo, depois da missa das nove horas, nós já superamos" ________________________________________ Valor: A CUT pretende retomar o debate da reforma trabalhista proposta no Fórum Nacional do Trabalho? Henrique: A CUT defende que não é possível avançar na reforma trabalhista se antes não se modificar a legislação sindical. Isso foi o início do debate no Fórum. Por exemplo: se abrimos a possibilidade de negociar as férias, a reação dos trabalhadores contra isso vai ser muito forte onde o movimento sindical é forte, mas numa negociação no interior da Bahia ou do Amapá, os trabalhadores vão perder direitos. Qualquer discussão dessa tem de ser precedida por uma mudança na legislação para fortalecer os sindicatos e garantir a organização no local de trabalho - e que, além disso, acabe com essa desgraça do imposto sindical. Valor: O imposto sindical é necessariamente ruim para a mobilização sindical? Henrique: O trabalhador não sabe quem é o sindicato, nunca viu, o sindicato nunca apareceu na porta. Para que vai fazer ação sindical se ele sabe que receberá um dinheiro dos trabalhadores? Ou se faz uma reforma, ou se corre o risco do empresariado usar essa fragilidade existente para retirar direitos dos trabalhadores. Queremos ampliar direitos e temos que fazer a reforma sindical antes. Valor: Mas o projeto de reforma sindical emperrou. Henrique: Tivemos um problema: quando acabamos o Fórum, o projeto ficou grande, mas era um projeto completo. Tinha questões relativas à negociação coletiva, organização sindical e solução dos conflitos. Tinha lógica e coerência. O problema é que o projeto ficou muito tempo sendo discutido no Fórum por empresários e trabalhadores e, quando entrou para ser votado no Congresso, estava no auge a crise política causada pelo mensalão. Aí não votaram nada. Valor: E esse projeto que está lá agrada a CUT? Henrique: Ele não é o projeto da CUT, mas avança rumo à liberdade e autonomia sindical. Reconhece as centrais e as confederações, acaba com o imposto sindical, cria a taxa negocial. Sindicato que não vai para a base, não faz assembléia, não organiza os trabalhadores, não terá recurso, não vai conseguir arrecadar a taxa negocial. Valor: E a reforma trabalhista? Henrique: Nós não temos nenhum problema em modificar a CLT, mas não dá para fazer o que os outros querem. O que o patronato quer é flexibilizar a lei e deixar tudo para a negociação. Nisso não há acordo, porque temos um sistema de proteção, direitos básicos que precisam ser mantidos. Valor: Mas a flexibilidade, na prática, já não existe? Henrique: Temos que regrar algumas coisas. Não podemos confundir um prestador de serviços com um trabalhador precário. Uma coisa é contratar um especialista para fazer uma consultoria na empresa, por exemplo. A outra é utilizar esse tipo de brecha ou de exceção para burlar a legislação. Valor: O sindicato não deveria ter um papel mais ativo de fiscalização e denúncia dessas irregularidades? Henrique: Hoje o sindicato não tem o poder de fiscalizar e isso é algo que queríamos mudar na legislação. O nosso papel é de denúncia. As mudanças estão ocorrendo dentro do local de trabalho. Se não há um representante do sindicato em cada andar ou departamento da empresa, fica difícil agir. Nós somos de um sindicalismo que trouxe o sindicato para a porta da empresa, com caminhões de som fazendo discurso. Não adianta mais ficar lá fora, vai ficar gritando sozinho. O movimento tem que entrar na empresa, senão não tem como acompanhar mudanças e denunciar irregularidades. Valor: Isso faz parte do debate maior que o governo tenta sobre o futuro do país? Henrique: O debate sobre o avanço do crescimento tem que ter a visão da inclusão. Temos que construir uma legislação que garanta trabalhadores e o lucro das empresas. Estamos em um país capitalista. Apesar de brigar por uma mudança na sociedade - e a CUT defende uma mudança de sistema - temos clareza de que uma coisa é tática e outra é estratégia. Estamos brigando aqui por um espaço maior na divisão do dinheiro. Valor: O líder do MST, João Pedro Stédile, aponta na base da crise da CUT uma crise ideológica. Você concorda? Henrique: Eu acho que é uma confusão comparar o MST e CUT. Uma coisa é o movimento sem-terra - eu espero que ele acabe, que tenhamos uma reforma agrária que resolva isso. Outra coisa é o movimento sindical. O sindicato, a CUT, não é um movimento. Já fizemos esse debate em 80: se a CUT deveria ser uma central sindical ou um movimento. Tinha gente que defendia que fizéssemos uma greve geral por ano até chegar a uma grande greve geral, para derrubar e tomar o poder. Essa visão de que a revolução acontecerá domingo, depois da missa das nove, nós já superamos. O que não quer dizer que a CUT não deve chamar greve geral. E meu sonho é fazer uma greve geral nesse país para reivindicar organização no local de trabalho e redução de jornada sem redução de salário. Stédile disse que a CUT não consegue mais ser um movimento. É como se a CUT só fizesse movimento e não é esse o nosso limite. Ela tem que mobilizar, negociar, organizar e representar. E conquistar direitos. Por outro lado, quem mais fez greve nos quatro primeiros anos do governo Lula foram os sindicatos filiados à CUT. O problema é que talvez não tenha tanta visibilidade, pois não foi todo mundo que fez greve ao mesmo tempo em torno de uma grande questão política, como na década de 80. Não estamos vivendo uma crise ideológica, mas temos outra conjuntura. Temos que elaborar propostas. Temos uma trajetória, mas vivemos num país capitalista onde o sindicato tem o papel de representar os interesses de uma parte da sociedade na luta contra o capital. Valor: Que análise vocês fazem do PAC? Henrique: Na nossa jornada pelo desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho vamos ampliar o debate do PAC. O centro dessa jornada é discutir o papel do Estado, desenvolvimento e democracia. Entendemos que deve haver participação maior dos trabalhadores - o comitê de gestão do PAC não tem espaço para as centrais. Queremos acompanhar a novas obras do PAC para fiscalizar se o dinheiro está sendo efetivamente aplicado nas obras e se estão contratando pessoas com carteira assinada. Outra coisa: não é possível ter hoje o BNDES financiando empresas que demitem. É uma incoerência sem tamanho. O dinheiro do BNDES vem do FAT, o Fundo de Amparo do Trabalhador. O BNDES pega esse dinheiro e empresta para uma empresa que aplica em uma tecnologia que demite. Em contrapartida, tivemos um exemplo recente quando a Vale do Rio Doce comprou aquela empresa canadense. O presidente da Vale teve que assinar um acordo em que se comprometia a não demitir nenhum canadense nos próximos três anos. Isso é uma medida socialista? Não. Eles só pensam que os brasileiros vão chegar, reestruturar e demitir e não querem que isso aconteça. Valor: Mas qual a principal crítica ao programa? Henrique: Queremos retirar do PAC a medida que limita o crescimento da folha de pagamento à variação da inflação mais 1,5%. Nós queremos que isso seja negociado. O crescimento vegetativo da própria folha, com anuênios e qüinqüênios já chega muito perto desse valor. Nós não somos favoráveis a crescimento a qualquer custo. A China está crescendo 14%. O Brasil já cresceu 11%, mas na ditadura militar. Queremos discutir: crescimento para quem. Não queremos crescer com pessoas trabalhando 18, 20 horas diárias. Também estamos fora de crescimento à custa de trabalho infantil e escravo, ou que não leva em conta meio ambiente. Se for assim, quem vai pagar somos nós mesmos mais à frente. Valor: E a marcha do salário mínimo, como será este ano, se o reajuste já está definido para os próximos anos? Henrique: O fato de termos estabelecido uma política de valorização permanente do salário mínimo abre espaço para os sindicatos brigarem pelo estabelecimento de pisos regionais e pelo pagamento do salário mínimo pelos municípios, já que muitas prefeituras descumprem a lei e pagam salários abaixo desse valor.


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