Notícias

América Latina acumula decepções com a China

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil
Página: A3

Antes de iniciar uma palestra na Universidade de Pequim em maio de 2004, Luiz Inácio Lula da Silva foi apresentado aos estudantes do país comunista como o primeiro presidente do Brasil que veio da classe trabalhadora. Em novembro daquele ano, o presidente da China, Hu Jintao, retribuiu a gentileza do colega e visitou o Brasil, incluindo no tour latino-americano passagens pela Argentina e pelo Chile. Parecia o início de uma próspera amizade. Passada a euforia que arrastou empresários, governadores, ministros e deputados na comitiva brasileira ao outro lado do globo, o Brasil e os vizinhos da América Latina começam a fazer as contas do relacionamento com seu novo parceiro estratégico. Três anos depois, aparecem sinais de que essa amizade beneficia mais um lado do que o outro. Pela primeira vez em seis anos, e após obter robustos superávits, países da região ricos em commodities - Brasil, Argentina e Chile - vão registrar déficit no comércio com a China em 2007. As demais nações da América Latina (com exceção do Peru) assistem há algum tempo ao aprofundamento do saldo negativo, revelam dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O México -país pobre em recursos naturais e concorrente da China em manufaturados - amargou déficit de US$ 16 bilhões com o país asiático em 2005. Os investimentos chineses em infra-estrutura também não vieram. Com o compromisso de financiar obras bilionárias, Hu Jintao voltou para Pequim em 2004 com um trunfo político: o reconhecimento da China como economia de mercado - o que significa funcionar sem intervenção estatal - por Brasil e Argentina. Mas suas promessas de investimentos ficaram apenas nas folhas dos tratados bilaterais. Apesar do inequívoco interesse de Pequim pelas matérias-primas que abundam na América Latina, o continente recebeu US$ 2,8 bilhões em investimentos da China em 2005, o que significa menos de 6% dos US$ 47 bilhões que atraiu globalmente, segundo estatísticas do BID. A América Latina até foi o destino de 40% dos investimentos chineses no exterior, mas o problema é que a China investe pouco fora de seu imenso território: apenas US$ 6,9 bilhões em 2005. No Brasil, os chineses investiram US$ 14,8 milhões em 2004, último dado disponível, e US$ 134,5 milhões ao longo do tempo até 2004, conforme o Ministério do Comércio da China. Rico em minério de ferro e soja, o Brasil obteve, em 2003, o mais expressivo saldo comercial de um país do continente com a China: US$ 2,2 bilhões. As exportações brasileiras foram favorecidas pelos preços das commodities e as importações sofreram com a estagnação da economia. Desde então, o superávit do Brasil com a China encolheu. No ano passado, o país apurou saldo de US$ 410 milhões com os chineses, conseqüência de alta de 24% nas exportações, baseadas em commodities, e de 50% nas importações, concentradas em manufaturados. Em 2007, o Brasil deve registrar déficit em sua balança com a China. O Conselho Empresarial Brasil-China, que reúne empresas brasileiras e chinesas, previa saldo negativo de US$ 500 milhões este ano, mas já começa a refazer para mais - as contas. Em janeiro, o Brasil amargou déficit de US$ 230 milhões com a China, 10 vezes superior a janeiro de 2006. "Esse resultado coloca em xeque qualquer avaliação para o ano", diz Rodrigo Tavares Maciel, secretário-executivo da entidade. Ele afirma que as indústrias brasileiras ainda não tiveram planejamento estratégico suficiente para ingressar no mercado chinês, que não compra apenas commodities, mas também produtos manufaturados. Na Argentina, a tendência também é de déficit no comércio com a China em 2007, estima a consultoria Abeceb.com, sediada em Buenos Aires. O superávit dos argentinos no comércio com a China recuou de US$ 1,8 bilhão em 2003 para US$ 523 milhões em 2006. No ano passado, as exportações da Argentina para a China cresceram 10%, enquanto as importações avançaram 39%. "Evidentemente houve uma sobrevalorização do intercâmbio com a China e um excesso de otimismo", diz Maurício Claveri, economista da Abeceb.com. As estatísticas demonstram que a Argentina lucrou menos que seus vizinhos no relacionamento com a China. Entre 2003 e 2006, as exportações de produtos argentinos para a China cresceram 42%, enquanto as exportações brasileiras para o mesmo destino subiram 85%. Devido à forte expansão da economia argentina, que cresceu perto de 10% ao ano nesse período, as importações de produtos chineses pelo país aumentaram 338% no período - um ritmo ainda mais forte que os 272% de crescimento das vendas ao Brasil. "A tendência de vendas da China para a Argentina é mais sólida, porque está baseada em manufaturados. As exportações da Argentina para a China dão sinais de esgotamento", diz Claveri. Em 2006, o petróleo foi o item no qual a Argentina mais aumentou suas vendas para a China, mas o país vive uma crise energética e tende a dispor cada vez menos de excedentes destinados à exportação. Já as exportações que mais caíram foram soja e óleo de soja. Nesse caso, China e Argentina utilizam a mesma estratégia de estimular o processamento da soja internamente via incentivos tributários. Resultado: a Argentina quer vender óleo de soja, mas a China quer comprar grão. Maior exportador de cobre do mundo, o Chile aumentou em 252% as vendas para a China entre 2003 e 2006 - o maior percentual das três economias latino-americanas. Graças a uma tarifa de importação de apenas 6%, o país também registrou um forte crescimento das importações de produtos chineses no mesmo período: 337%. Segundo estimativas da Abeceb.com, o saldo comercial dos chilenos com a China deve ter caído pela metade em apenas um ano, de US$ 1,8 bilhão em 2005 para US$ 916 milhões em 2006. Os dados oficiais ainda não foram divulgados. O país também deve amargar déficit em 2007 - ou no máximo no ano de 2008. Mas o Chile não parece se preocupar com o aumento das importações e prefere usufruir os benefícios do acesso a produtos chineses baratos. O país já escolheu um modelo de desenvolvimento baseado na concentração da atividade econômica em commodities e na abertura das fronteiras. O Chile está negociando um acordo de livre comércio com a China.


Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar