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Morde-e-assopra

Veículo: Estado de são Paulo
Seção: Opinião
Página: B2

José Pastore* Uma boa medida acaba de ser aprovada pelo governo federal para estimular a formalização dos que trabalham por conta própria. Trata-se do Decreto nº 6.042/2007, que reduziu a alíquota do INSS dos autônomos de 20% sobre o salário de contribuição para 11% sobre o salário mínimo. A redução aprovada deve estimular o vínculo previdenciário e a proteger os trabalhadores. O ministro da Previdência Social, Nelson Machado, espera formalizar 3,5 milhões de autônomos e com isso aumentar a receita da sua pasta.Para não causar um desequilíbrio no INSS, o decreto prevê que a aposentadoria, nesse caso, será apenas por idade ou invalidez e o benefício, limitado a um salário mínimo. O decreto introduz, assim, o conceito de “proteção parcial”. Isso é tão relevante quanto a redução da alíquota. É um passo importante para modernizar as relações do trabalho. É melhor ter uma proteção parcial do que nenhuma proteção. O Poder Executivo está de parabéns pela iniciativa, aliás, já exibida quando enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 210/2004, que continha essa e outras inovações. Mas, como não existe almoço grátis, o governo quer manter o adicional de 10% na indenização de dispensa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O que isso significa? A Lei Complementar 110/2001 criou duas novas contribuições para o FGTS. A primeira refere-se aos 10% que elevaram a indenização de dispensa de 40% para 50%. A segunda refere-se a um adicional de 0,5% no recolhimento mensal do FGTS, que elevou a alíquota de 8% para 8,5%. A mencionada lei decorreu do reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal de que os saldos das contas vinculadas do FGTS foram corrigidos a menor na implementação dos Planos Verão e Collor I, o que teria aumentado o passivo daquele fundo em cerca de R$ 42 bilhões. Aquele diploma legal fixou um prazo de 60 meses para o adicional da contribuição mensal (0,5%), mas silenciou sobre o prazo para o adicional de 10%. A cobrança do 0,5% terminou em dezembro de 2006, mas a dos 10%, pela vontade do governo, vai continuar por muitos anos. Se, de um lado, o decreto estimula a formalização dos autônomos, a manutenção dos 10% estimula a informalidade dos empregados. É o jogo do morde-e-assopra. Nada justifica a prorrogação. A lei criou os adicionais com um fim específico, que era o ressarcimento do FGTS devido à subcontribuição nos períodos daqueles planos econômicos. Mais do que isso. O artigo 12 daquela lei estabeleceu que, na eventualidade de os recursos recolhidos não cobrirem o déficit do FGTS, o Tesouro Nacional entraria com a diferença. O governo alega que os recursos arrecadados não foram suficientes e por isso quer continuar cobrando o adicional. Será que erraram mais uma vez nos cálculos? Será que o artigo 12 não era para valer? A idéia é conseguir um empréstimo compulsório? Isso está dentro do objetivo da lei complementar? São perguntas pertinentes. A pretendida prorrogação não encontra justificativa e é nociva para a formalização do trabalho. O FGTS gera despesas de grande peso na demissão sem justa causa. Um dos maiores medos dos empregadores é o não terem recursos para enfrentar essas despesas, em especial, as relativas à indenização. Para o leitor ter uma idéia do custo do FGTS, observe o seguinte exemplo. No caso do desligamento de um empregado que trabalhou numa empresa durante um ano, ganhando R$ 1 mil por mês, as despesas chegam a R$ 1.613, incluindo-se aqui a indenização de 50% e o recolhimento mensal de 8%. É mais de 1,5 salário. E a conta pode ir mais longe. Quando o aviso prévio é pago em dinheiro - o que é comum -, o montante sobe para R$ 2.894. E quando a demissão é realizada próximo da data-base, o total vai para R$ 3.894. Para um empregado que tem três anos de firma, as despesas são, respectivamente, de R$ 4.939, R$ 6.220 e R$ 7.220! São montantes elevadíssimos para um empregado que ganha R$ 1 mil mensais. Não é à toa que há tanta informalidade. O Brasil precisa reduzir a burocracia e as despesas de contratação e descontratação para, com isso, estimular o emprego formal. A tentativa de prorrogação do adicional de 10% do FGTS vai na contramão do decreto recém-aprovado. Por isso, o governo merece parabéns pelo decreto. E pêsames pela prorrogação. *José Pastore é professor da FEA-USP. E-mail: jpjp@et.com.br. Homepage: www.josepastore.com.br


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